Por que a Azul entrou com recuperação judicial nos EUA e não no Brasil? Especialistas explicam
Agilidade, menor burocracia, mecanismo de financiamento e maior 'know-how' em relação à recuperação judicial de aéreas são apontados por advogados como os principais fatores; companhia não comentou motivo para optar pelos EUA
Com o objetivo de fechar acordos para reorganização financeira com credores, a Azul Linhas Aéreas comunicou nesta quarta-feira, 28, ter entrado com um pedido de Chapter 11 (equivalente à recuperação judicial) nos Estados Unidos. A aérea diz que manterá as suas operações normalmente durante o processo.
O processo visa cortar aproximadamente US$ 2 bilhões em dívidas, otimizar arrendamentos e a frota, buscando uma estrutura mais sustentável, segundo diz a empresa. Atualmente, a Azul mantém 200 aeronaves e voa para 900 destinos.
A companhia diz que seu processo é diferente dos que já foram feitos nesse modelo. Isso por já ter acordos com parceiros: garantiu US$ 1,6 bilhão em financiamento DIP (do inglês "debtor in possession", que consiste em um tipo de financiamento usado por empresas em recuperação judicial para suprir a falta de fluxo de caixa), que inclui US$ 670 milhões em novo capital.
A conclusão da reestruturação prevê o pagamento desse financiamento com uma oferta de ações de até US$ 650 milhões e um investimento extra de até US$ 300 milhões da United e da American Airlines. Este plano financeiro claro acelera o processo.
Por que a Azul entrou com recuperação judicial nos EUA e não no Brasil?
Para especialistas, os motivos incluem desde a possibilidade do mecanismo de DIP, inexistente na Lei de Falências brasileira, maior know-how para lidar com processos de recuperação judicial de grandes empresas aéreas e ainda dois problemas já conhecidos da Justiça brasileira: morosidade e burocracia.
"Nos Estados Unidos, para se requerer o Chapter 11, você preenche umas 10 folhas, diz quais são suas dívidas e o juiz pode deferir ou não em dias. No Brasil, uma petição e anexos podem ter 200, 300 páginas para justificar a origem dessas dívidas, por qual motivo preciso da recuperação e qual é o plano. Pode demorar semanas ou meses", explica o advogado Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em direito empresarial.
Outro fator elencado por ele são as custas do processo, que tendem a ser menores na Jutiça norte-americana. "Lembrando que tempo é dinheiro em qualquer setor da economia, ainda mais na aviação", diz.
Várias empresas aéreas já recorreram ao Chapter 11. No Brasil, o caso mais recente é o da Gol, que teve o plano de recuperação judicial aprovado pela Justiça dos Estados Unidos no dia 20 deste mês, cerca de um ano depois de ter entrado com o Chapter 11.
Para Bruno Boris, sócio e fundador do escritório Bruno Boris Advogados e especialista em recuperação judicial, a facilidade do regime de recuperação norte-americano leva muitas multinacionais a optarem por entrar com essa reestruturação nos Estados Unidos.
"Quando se trata ainda de companhias aéreas, os Estados Unidos já tem mais know-how, casos históricos e famosos de recuperações e reorganizações societárias, tais como os da American Airlines e da United Airlines", diz.
Financiamento
Outro diferencial elencado por especialistas é que, diferentemente da legislação brasileira sobre falências, o Chapter 11 prevê como parte da reestruturação a possibilidade da companhia contar com o apoio do DIP Financing (Debtor in Possession Financing). Instrumento previsto no sistema norte-americano de falências, ele funciona como um financiamento prioritário, autorizado judicialmente, que permite à empresa devedora obter liquidez durante o processo de recuperação, garantindo a continuidade das atividades. Esse financiamento sustenta o funcionamento da empresa enquanto o plano de reorganização é discutido com os credores.
"A legislação brasileira de recuperação judicial ainda exclui da sujeição ao processo diversos créditos estratégicos, como os decorrentes de arrendamento mercantil (leasing), amplamente utilizados por companhias aéreas para a obtenção de aeronaves. Isso impede que contratos essenciais entrem na mesa de negociação, tornando a equalização do passivo extremamente difícil", afirma Felipe Denki, sócio da Lara Martins Advogados e especialista em solvência empresarial.
Procurada para comentar o assunto, a Azul não comentou o motivo pelo qual preferiu recorrer à Justiça norte-americana em detrimento da brasileira e se limitou a dizer que se manifestará apenas por meio do comunicado emitido nesta quarta-feira.
"O Chapter 11 é um processo de reorganização financeira supervisionado por um tribunal dos Estados Unidos que permite às empresas reestruturarem seu balanço patrimonial enquanto continuam operando normalmente", diz trecho do comunicado.