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'Países estão atrasados para adaptação climática e Brasil é um dos mais vulneráveis', diz cientista

Paulo Artaxo afirma que a força de trabalho no País não está preparada para se adaptar à nova realidade

30 dez 2025 - 12h13
(atualizado às 12h38)
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Pedestres caminham pelo Viaduto do Chá em dia de forte calor na cidade de SP.
Pedestres caminham pelo Viaduto do Chá em dia de forte calor na cidade de SP.
Foto: Werther Santana/Estadão - 02/10/2024 / Estadão

O Brasil é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas e ainda engatinha no desenvolvimento de ferramentas para mitigar os efeitos negativos sobre a economia. A avaliação é de Paulo Artaxo, climatologista e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), para quem todos os países estão atrasados no processo de adaptação.

O pesquisador afirma que a força de trabalho no Brasil não está preparada para se adaptar à nova realidade e diz que o aumento da temperatura deve impactar a produtividade nas principais cidades brasileiras. "Imagine quatro graus a mais em Belém em comparação à mesma elevação em Moscou", explica o pesquisador sobre a tendência de o Brasil perder mais do que outros países com a alta nos termômetros.

Artaxo é crítico ao formato de governança global para tomada de decisões quanto à adaptação à piora das condições do clima. Diz que o processo não está funcionando e precisa ser mudado. "Os mecanismos que a ONU tem para aprovar resoluções são ineficientes. É muito difícil alcançar consenso entre 196 países signatários da Convenção do Clima e acomodar os diferentes interesses geopolíticos de cada um", afirma.

Segundo ele, cada país terá de desenvolver uma estratégia diferente. "O necessário para Porto Alegre enfrentar as enchentes é diferente das estratégias de Campina Grande, Brasília, Belém e Tocantins. Experiências de fora não servem para o Brasil e vice-versa", expõe. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como está o Brasil no processo de adaptação climática?

Paulo Artaxo - Sem dúvida, todos os países estão atrasados. A adaptação climática foi destaque nos painéis da COP-30 e evidenciou que todas as nações terão de trabalhar duro para correr atrás do prejuízo e adaptar a força de trabalho ao novo clima, marcado por episódios de calor extremo. Essa adaptação tem de ser prioridade do Brasil e isso depende tanto de políticas públicas quanto do setor privado, pois exigirá recursos financeiros, obras de engenharia e um reordenamento do mercado de trabalho.

Quando comparamos com outros países, o Brasil está mais vulnerável?

Artaxo - O Brasil é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, além de estar muito atrasado na adaptação. Com as atuais emissões, caminhamos para um aumento médio da temperatura global de 2,8ºC, longe da meta de 1,5ºC ou 2ºC do Acordo de Paris. Contudo, o Brasil é um país continental em uma região tropical, de forma que esse aumento no planeta representa para nós uma elevação média de 4ºC. Imagine cidades como Palmas, Cuiabá, Manaus ou Belém com 4ºC a mais. Quanto isso impacta na queda da produtividade no trabalho, na agricultura e na disponibilidade de água, em comparação com os mesmos 4ºC de elevação em Estocolmo, Montreal ou Moscou? Nações desenvolvidas dispõem de recursos financeiros e de tecnologias para se adaptar ao novo clima de maneira mais efetiva. O Brasil está engatinhando e vai precisar tomar medidas urgentes para a adaptação.

O que coloca países desenvolvidos em vantagem?

Artaxo - Na Europa, já existem leis de proteção ao trabalhador muito rígidas, que foram estruturadas há 30 ou 40 anos, principalmente contra o frio. Contudo, com as fortes ondas de calor que vêm atingindo o continente nos últimos anos, essas leis estão sendo alteradas para a proteção também contra as altas temperaturas. Em 2024, foi estimado que 70 mil pessoas morreram em razão de fatores associados às ondas de calor, provocando um impacto econômico gigantesco. Também é proibido expor um trabalhador a temperaturas acima de 35ºC e abaixo de -5ºC. Quando isso ocorre, eles são dispensados e ficam em casa por conta dos riscos à saúde. Entretanto, no Brasil ainda não temos leis desse tipo. Com o agravamento das mudanças climáticas, algo terá de ser feito.

Como avalia o estágio atual do debate sobre calor extremo e produtividade no Brasil? O tema já entrou na agenda econômica ou está restrito ao caráter climático?

Artaxo - O impacto das mudanças climáticas na economia tem sido debatido de maneira intensa. No Brasil, cuja economia é baseada no agronegócio, não há dúvida de que os efeitos serão maiores do que em outros países. Por isso, o debate do ponto de vista econômico precisa ser prioridade. Porém, olhar somente para o aumento da temperatura não é adequado. Os impactos na saúde provocados pelas mudanças climáticas já estão na agenda do Ministério da Saúde, mas ainda há planos que não se tornaram realidade. Durante a COP-30, houve um dia dedicado à questão dos impactos das mudanças climáticas na saúde, com foco também econômico. Mas estamos ainda no início da discussão sobre como o aumento da temperatura vai impactar na produtividade de uma maneira muito significativa.

Quais práticas no longo prazo são mais eficazes para mitigar perdas de produtividade?

Artaxo - Só há um caminho possível: reduzir as emissões de gás de efeito estufa para diminuir o impacto do aquecimento global nas próximas décadas. Sem acabar com a exploração e uso de combustíveis fósseis, tudo que nós estamos conversando é absolutamente inútil. Enquanto não resolvermos a questão da redução, temos de nos adequar à nova realidade. E as estratégias de adaptação climática devem ser uma das prioridades do governo brasileiro. O clima já mudou e vai continuar ainda mais nas próximas décadas.

Existe algum país modelo com estratégias para uma adaptação térmica?

Artaxo - Cada país terá de desenvolver uma estratégia diferente. O necessário para Porto Alegre enfrentar as enchentes é diferente das estratégias de Campina Grande, Brasília, Belém e Tocantins. Experiências de fora não servem para o Brasil e vice-versa. A melhor forma é abordar de maneira integrada nas cidades e no campo. O Ministério das Cidades possui um plano de adaptação para proteger a população urbana, que é 85% do País. Precisamos disso em todas as cidades médias e grandes, sempre de acordo com cada realidade, tratando de forma especializada.

Como analisa a estratégia da ONU para conter as mudanças climáticas?

Artaxo - Precisamos de um novo sistema de governança global porque o atual simplesmente não está funcionando. Os mecanismos que a ONU tem para aprovar resoluções são ineficientes. É muito difícil alcançar consenso entre 196 países signatários da Convenção do Clima e acomodar os diferentes interesses geopolíticos de cada um. Enquanto não mudarmos, vai ser difícil avançar na redução das emissões de gases de efeito estufa, bem como na transferência de recursos dos países ricos para que as nações pobres se adaptem ao novo clima. (Com reportagem de Carla Nigro, Gabriel Cillo, Gabriel Serpa, Guilherme Matos, Vinícius Novelli)

15º Curso Estadão/Broadcast de Jornalismo Econômico Coordenação e edição: Carla Miranda e Simone Cavalcanti; Equipe: Victor Hugo Mendes, Marisa Oliveira e Eliane Damaceno

Estadão
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