Haddad: Compras governamentais e crédito subsidiado podem ser parte da solução de curto prazo
Ministro da Fazenda afirmou que plano de contingência para mitigar efeitos do tarifaço de Trump está 'preparado e orçado'
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta segunda-feira, 4, que o plano de contingência do governo Lula para mitigar os efeitos do tarifaço dos EUA sobre o Brasil pode prever, no curto prazo, compras governamentais e linha de crédito subsidiado para setores afetados.
Haddad disse que as medidas já estão "desenhadas e orçadas" e os textos serão levados à Casa Civil.
"As medidas já estão desenhadas e orçadas, têm impacto primário, que é uma coisa pequena, que pode acontecer, dentro das regras fiscais; a questão das linhas de crédito para atender esses setores", disse o ministro em entrevista à BandNews.
Haddad reforçou que, mesmo neste momento de conturbação econômica, o governo não prevê medidas que escapem dos marcos fiscais estabelecidos pela legislação atual.
"Nesse momento, nós não estamos prevendo nenhuma medida que saia dos marcos estabelecidos pela legislação atual. Nós vamos seguir o curso do ponto de vista fiscal. Obviamente que, para além do orçamento primário, você tem um orçamento financeiro que te permite, numa situação como essa, criar linhas de crédito que não impactam as contas primárias", apontou Haddad.
Segundo o ministro, estes podem ser instrumentos importantes para direcionar crédito a setores que foram duramente afetados por essas medidas.
Ao mesmo tempo, disse, a diplomacia trabalha para minimizar a tarifa e despolitizar o debate, "para que nós consigamos chegar a um entendimento o mais rápido possível, fazendo com que as pessoas não sofram as consequências de uma medida que está indevidamente politizada, em virtude de uma situação interna que está sendo aproveitada por uma outra nação".
"Nós temos 12% das nossas exportações para os Estados Unidos. O que preocupa mais imediatamente, porque está descompensado em relação ao resto do mundo, é um terço desses 12%; portanto 4% das nossas exportações", disse.
No que diz respeito às commodities, maior peso na pauta de exportações brasileiras, Haddad tentou passar uma mensagem de tranquilidade ao dizer que elas podem ser redirecionadas a outros mercados. Disse ainda que a sobretaxação por parte de Donald Trump vai acabar respingando no próprio consumidor americano.
"A situação do consumidor de café dos EUA já está sendo sentida [com a taxa]", disse o ministro da Fazenda, para quem o impacto de tarifas é mais micro do que macroeconômico.
Conversa com secretário dos EUA
Haddad voltou a dizer que deve conversar nesta semana com o secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, para tratar do tarifaço imposto pelo país ao Brasil. Ele diz acreditar que "alguma coisa ainda possa acontecer até dia 6?, quando está previsto o início da vigência da sobretaxa de 50% a produtos brasileiros.
De acordo com o ministro, a agenda do americano é cheia e tem dezenas de países que estão sob sua responsabilidade. E ,até semana passada, estava na Europa, firmando acordos com a União Europeia, inclusive.
"E ele disse que antes de voltar para os Estados Unidos teria muita dificuldade de ter a janela necessária para uma reunião, ainda que virtual, comigo. Desde a semana passada, na sexta-feira, eles manifestaram o interesse de talvez nessa semana para marcar a reunião, essa primeira reunião - que na verdade não é a primeira, porque nós tivemos, por ocasião da tarifa de 10%, uma reunião na Califórnia, em maio ainda, antes do anúncio", disse Haddad.
"Eu creio que essa semana nós vamos poder conversar; a Fazenda anseia por esse encontro já há algumas semanas. O anúncio da semana passada trouxe tranquilidade para uma série de setores, mas há outros setores que estão aflitos com a manutenção de uma tarifa exorbitante de 50%", acrescentou.
Na última sexta-feira, Haddad afirmou que essa ligação poderia abrir caminho para uma conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder americano, Donald Trump, sobre o tarifaço.
O ministro afirmou que o governo brasileiro não trabalha com datas finais e que nunca saiu das negociações com os americanos.
Ele, porém foi duro ao dizer que o Brasil não fará nenhum acordo com os Estados Unidos nos termos que estão postos por eles porque, do ponto de vista brasileiro, não faria o menor sentido na taxação de imposto.
'Questão das tarifas foi politizada como em nenhum outro País'
O ministro da Fazenda disse que, de maio para julho, a questão das tarifas foi politizada pela oposição no sentido de misturar a questão comercial com política.
"E os Estados Unidos têm o direito, um governo democrático, tem o direito de buscar a solução para sua economia mesmo que não atenda o mundo, mesmo que tenha causado uma certa perplexidade por ser uma solução inusitada e que podia ser evitada em relação ao país, que se dizia liberal até outro dia", disse o ministro.
Assim mesmo, há que se considerar esse fato: "Foi politizada de uma forma que nenhum outro país viveu", ressaltou. "E nós estamos falando de países que não são democráticos, de países que têm governos autoritários, países que têm governos despóticos. E, nem por isso, as tarifas foram usadas com finalidade política. Aqui, em virtude da oposição ter se mobilizado contra os interesses nacionais, mudou de maio para julho a posição dos Estados Unidos da América", disse.
Para ele, o governo tem de procurar despolitizar o debate comercial. De acordo com Haddad, o comércio internacional não pode ser utilizado para interesses eleitorais de um país que quer ver o Brasil governado por forças que querem entregar as riquezas nacionais, incluindo terras raras, os minerais críticos.
"O Pix, por exemplo, que nós entendemos que tem que ser mantido sob a responsabilidade do nosso Banco Central, tudo isso são questões de soberania nacional que nada têm a ver com o debate comercial. Nós precisamos compreender que, primeiro, nós somos um país soberano e democrático".
Ainda, disse Haddad, "nós temos poderes independentes uns dos outros". "O presidente Lula não pode se imiscuir num assunto que diz respeito a outro poder, então nós temos regras constitucionais, desde 1988, que estão estabelecidas; então há uma série de questões que precisam ser levadas à consideração de um país, que até outro dia era nosso parceiro, para que compreenda o funcionamento da nossa democracia, que é diferente da de lá."
De acordo com ele, o governo está aberto a discutir comércio e política externa. "Quer discutir comércio? Nós vamos discutir comércio. Quer discutir política? Nós podemos discutir política externa", afirmou. O ministro contou que, nos dois últimos anos da administração do ex-presidente americano Joe Biden, ele foi encarregado de buscar uma aproximação econômica com Janet Yellen, que ocupava a secretaria do Tesouro americano.
"E estamos justamente discutindo parcerias com os Estados Unidos da América, sobretudo na questão da transição energética, que nós temos várias coisas comuns, interesse em solar, em eólica e biocombustíveis."
Haddad afirmou que a soberania do Brasil não está em discussão. "O nosso comando, as nossas relações bilaterais estão em discussão. Por isso é saudável que os Estados Unidos se interessem mais pelo Brasil e vice-versa. É um parceiro muito tradicional nosso", disse.