Futuras gerações vão enfrentar eventos climáticos com frequência muito maior, diz CEO da AXA no País
Para Erika Medici, setor de seguros terá de se adaptar a uma nova realidade climática
Quando o tema é o setor de seguros e a emergência climática, eventos como o furacão Katrina, ocorrido há 20 anos nos Estados Unidos, e a tragédia climática do Rio Grande do Sul, que está fazendo um ano, emergem como dois exemplos contundentes de gestão de riscos ambientais.
Para Erika Medici, CEO da seguradora AXA no Brasil, todos os setores da sociedade, com menor ou maior grau, desde os urbanos até os rurais, estão na berlinda neste momento. Ninguém, segundo ela, pode deixar de lado uma gestão atenta dos riscos climáticos, que estão entre os mais altos hoje, segundo os principais estudos internacionais sobre o tema.
Para ela, a questão ambiental é uma grande oportunidade para o setor. "Na catástrofe climática do Sul, que está fazendo um ano agora, as perdas estimadas totais chegaram a R$ 100 bilhões", lembra. E, desse montante, apenas 6% estava segurado.
A seguradora AXA, uma das maiores do mundo, é de origem francesa e está comemorando este ano 40 anos de fundação. A empresa está no Brasil há 10 anos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é o papel do setor de seguros na agenda climática?
A dinâmica da transição energética e da forma como lidar com as mudanças climáticas estão extremamente interligadas com o setor de seguros. Apesar disso, quando você olha para toda a cadeia logística e vê os dados, percebe o quanto o setor de seguros está subdimensionado. E posso apresentar um exemplo muito recente. Na catástrofe climática do Sul, que está fazendo um ano agora, as perdas estimadas totais chegaram a R$ 100 bilhões. Desse montante, apenas 6% estava segurado. Esse dado mostra que temos uma oportunidade muito grande, como setor, de contribuir cada vez mais para a resiliência econômica, social e para todo o ecossistema que está interligado a essas questões.
E do ponto de vista prático, como esse enfrentamento dos riscos climáticos pode ocorrer?
Com prevenção e gestão de risco, estudos mostram que cada dólar investido em prevenção pode economizar até sete dólares em perdas. O seguro tem de deixar de ser coadjuvante e passar a ser protagonista nas discussões sobre sustentabilidade. No caso dos dados sobre o exemplo do Rio Grande do Sul, e sobre essa subpenetração dos seguros no Brasil, existem dois fatores por trás disso. O primeiro é o fato de o País ser jovem e estar em uma curva de aprendizado sobre o seguro, de buscar um conhecimento maior sobre as proteções. Tanto que o mercado segurador tem o plano estratégico de atingir 10% do PIB até 2030, índice que já é muito maior nos países desenvolvidos. Somada a esta questão da maturação, tem a evolução dos próprios eventos climáticos e catastróficos. As futuras gerações vão enfrentar esses eventos com uma frequência muito maior do que a gente enfrenta, do que os nossos pais enfrentaram. Vamos ter de trabalhar sob essa ótica também. E tem uma perspectiva da AXA extremamente relevante, voltada para o papel do mercado segurador. Precisamos entender como o mercado, o nosso conhecimento e as coberturas vão se adaptar a essa nova realidade. Se você pensar nos dois eventos que ocorreram com uma diferença de 12 anos nos Estados Unidos — o Katrina e o Irma —, é possível observar como evoluiu todo o trabalho de gerenciamento de risco. Os estragos entre os eventos, que seguiram uma trajetória muito parecida, foram menores no caso do Irma (que ocorreu em 2017). A cultura disseminada do risco climático entre cliente e seguradora é extremamente relevante para a construção de um novo modelo.
Pelos estudos parrudos que vocês desenvolvem e têm acesso, é possível dizer, em termos de Brasil, quais setores da sociedade serão os mais afetados por esses eventos extremos?
O risco climático acaba sendo transversal. Você pode ter, desde situações como a gente estava discutindo, que foram mais focadas em centros urbanos, como grandes chuvas, alagamentos e o impacto na economia local e das pessoas que vivem ali, mas também existe o impacto de chuvas muito fortes ou das secas diretamente na agricultura. É uma discussão que, no final, atinge a todo mundo em perspectivas e em lugares diferentes, mas acaba sendo realmente um risco transversal. E, quando olhamos para essa questão — e você trouxe a questão do agro —, existem diversos estudos, diversos trabalhos que podem nos ajudar nessa construção. Gosto muito quando a gente junta a questão do seguro com a questão tecnológica e pensa em como a gente também pode simplificar um processo de regularização do sinistro, de você trazer a solução o mais rápido possível para o cliente. A AXA tem, aqui no Brasil, uma solução que é a do seguro paramétrico, em que o cliente faz o seguro da safra baseado puramente em índices de chuva. E, uma vez que o evento acontece, ao atingir determinados patamares, a safra, a agricultura está protegida. Cada vez que conseguimos discutir a evolução do risco e o entendimento dele, também conseguimos buscar soluções de seguro envolvendo tecnologia, para que a gente possa, pelo menos, ser o mais rápido possível na restauração e na recuperação da sociedade.
Da porta para dentro, a AXA sempre priorizou a sustentabilidade?
A sustentabilidade está no centro da nossa estratégia. Desde 2016, deixamos de investir em ativos ligados ao tabaco e, em 2021, passamos a adotar cláusulas de exclusão no setor de óleo e gás. No Brasil, criamos o programa AXA Verde para integrar todas as soluções sustentáveis da companhia. Comemoramos 10 anos no País com foco em riscos corporativos e em consumidores emergentes. Atendemos grandes empresas, mas também quem está entrando agora no mercado bancarizado e precisa de proteção. Temos também a iniciativa "AXA de Todo Coração", com investimentos sociais e voluntariado. Nossa atuação se dá em três frentes: proteção financeira ao consumidor, ações sociais com ONGs e forte governança corporativa. Além disso, vamos lançar em junho o primeiro relatório de sustentabilidade da AXA Brasil. Queremos mostrar, ano a ano, a evolução dos nossos compromissos e resultados com base na nossa matriz de materialidade.
A AXA vai participar da COP-30 em Belém?
Seremos apoiadores da Casa do Seguro, uma iniciativa da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) (o espaço de 1,6 mil metros quadrados vai funcionar em Belém durante a reunião climática da ONU, em novembro, reunindo debates e eventos sobre o setor e a sustentabilidade). Será uma oportunidade de colocar o mercado de seguros como protagonista nas discussões sobre mudanças climáticas e sustentabilidade. Para mim, a COP30 é um marco extremamente relevante na agenda de sustentabilidade global. As expectativas das pessoas são extremamente altas no sentido de que possamos trazer para essa pauta a relevância do mercado de seguros — o quanto a gente precisa, na minha perspectiva, tirar o mercado de seguros de trás das nossas discussões sobre clima e colocá-lo ao lado. Porque, quando a gente fala, novamente, de transição energética, de sustentabilidade, tenho uma clareza — e talvez audácia — de dizer que isso só acontece se você estiver muito bem estruturado em termos de seguro. Tem que existir a proteção financeira e a resiliência econômica. A COP-30 é uma oportunidade única de consolidar o protagonismo do mercado de seguros, de consolidar o quanto a gente pode contribuir para essa agenda de sustentabilidade global. Os riscos estão aqui, eles vão acontecer, e as mudanças climáticas têm os seus impactos. Claramente, os debates e as soluções também passam pela capacidade do mercado de seguros de buscar soluções e de contribuir para esse processo.
