Finanças e imagem: como um recall pode impactar a empresa
Cada vez mais comum em diversos setores da indústria, o recall é a consequência enfrentada pelas empresas ao levarem produtos defeituosos para o mercado. Os valores do prejuízo com a operação de recolhimento dos produtos ou de reparação da falha não costumam ser divulgados - poderiam arranhar ainda mais a imagem da marca e derrubar valores de ações -, mas não há dúvidas de que um recall pode puxar os lucros e a reputação da companhia para baixo.
Em vigor desde 1990, o Código de Defesa do Consumidor prevê que os fornecedores não podem colocar no mercado um produto que apresente riscos à saúde ou à segurança dos clientes. Para isso, testes de qualidade devem ser providenciados pela empresa. Mesmo assim, caso alguma mercadoria defeituosa chegue a ser comercializada, a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Mariana Alves Tornero explica que artigo da lei determina que o fato seja comunicado imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios veiculados na grande mídia. A empresa também deve se responsabilizar pela reparação do defeito (sem para que os clientes procurem o serviço).
Ao detectarem o problema e anunciarem o recall, as companhias passam a contabilizar diversos custos adicionais que, segundo o professor Felipe Araújo Calarge, do programa de Mestrado em Engenharia de Produção da Universidade Nove de Julho (Uninove), podem ser divididos em tangíveis e intangíveis. Na primeira classificação, entram na conta gastos com assistência técnica para corrigir a falha, compra de matéria-prima, pagamento de indenizações por eventuais acidentes provocados pelo defeito e aquisição de espaço na mídia. "Dependendo da extensão do defeito, às vezes é preciso retirar o produto de mercado", ressalta Mariana. "São custos elevados para a organização", estima Calarge.
Custos intangíveis são os piores, afirmam especialistas
O prejuízo financeiro, contudo, não se compara à imagem negativa associada à marca após o ocorrido. Os custos intangíveis, segundo o professor da Uninove, muitas vezes são piores por comprometer o nome da empresa no mercado, levando à queda de vendas e, em alguns casos, desvalorização das ações da empresa negociadas no mercado financeiro. "O custo de um cliente que vai deixar de comprar um produto da empresa por ter o nome comprometido no mercado é imensurável", analisa Calarge. O professor de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) João Rogério Sanson avalia que uma diminuição entre 1% e 5% na base de clientes, no caso de empresas com milhares de produtos no mercado, já representaria um impacto preocupante.
Apesar de previsto desde 1990, o recall no Brasil demorou a se disseminar como uma prática entre as empresas, ao contrário de países como os Estados Unidos e o Japão, onde a cultura do chamamento pegou mais rapidamente. Por aqui, os casos foram se tornando mais frequentes principalmente na indústria automotiva, mas também no setor alimentício, farmacêutico e de brinquedos. Em 1998, anticoncepcionais fabricados pelo laboratório Schering tiveram sua ineficácia comprovada após denúncias de mulheres que engravidaram mesmo tomando o remédio - que ficou conhecido como "pílula de farinha".
A indústria automotiva coleciona alguns casos de recall no mundo todo. Desde 2009, a montadora japonesa Toyota, por exemplo, amargou três chamamentos. O primeiro deles pretendia consertar o defeito nos tapetes que provocavam a aceleração do veículo de forma repentina. "O problema da Toyota espantou o mercado de maneira geral, por ser a Toyota e pela magnitude. A imagem ficou comprometida. Eles inclusive trocaram tapetes de outros veículos que nem estavam incluídos no recall", comenta Calarge. Em 2010, novo episódio serviu para que a montadora comunicasse que havia falha também no acelerador de alguns carros - boa parte deles já incluídas no primeiro chamado.
O caso mais recente é de outubro deste ano: um defeito no interruptor do vidro elétrico de alguns modelos oferece risco de incêndio, segundo a divulgação da própria Toyota. No mundo, mais de 7,4 milhões de veículos estavam na lista do chamamento. Esse número, segundo Mariana, chegou a quase 40 mil unidades no Brasil. "O controle de qualidade dessas empresas deveria detectar o defeito. Às vezes, não são tão aparentes, mas mesmo assim não deveriam ir pro mercado", afirma a advogada do Idec.