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'Estamos à deriva do ponto de vista da economia', diz ex-diretor de política monetária do BC

Para Luís Eduardo Assis, o ciclo de aumento da taxa de juros ocorre num momento em que a economia ainda está fragilizada em razão da pandemia

5 ago 2021 - 17h01
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O ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, ocorre em um momento delicado para a economia, que ainda se encontra fragilizada em razão da pandemia e com o desemprego atingindo cerca de 14,8 milhões de brasileiros. Com a proximidade das eleições, dificilmente a taxa de câmbio poderá aliviar as pressões na inflação, o que pode fazer o Banco Central continuar elevando os juros em 2022. Esta é a avaliação do economista Luís Eduardo Assis, ex-diretor de Política Monetária doBanco Central. Em entrevista, ele afirma que os juros mais altos tendem a prejudicar as famílias mais endividadas e a falta de um plano econômico do governo prejudica ainda mais a situação. "Nós estamos à deriva do ponto de vista da economia", diz.

Na avaliação do sr., qual o impacto da alta da Selic para a economia?

A principal questão é que o Banco Central teve que iniciar um ciclo de elevação dos juros com um desemprego acima de 14%. Isso não acontecia antes. A última vez que ele começou a subir juros foi em 2013, e o desemprego estava na faixa de 7% ou 8%. Esse é o grande dilema. Tivemos um choque no ano passado absolutamente excepcional. Em geral existe uma correlação negativa entre preço de commodities e a taxa de câmbio. No ano passado, essa correlação não prevaleceu. A elevação do preço das commodities foi muito significativa. E houve também uma desvalorização cambial. O aumento do preço das commodities medido em reais foi de 72%, somando esses dois efeitos. É um choque gigantesco.

Luís Eduardo Assis, economista, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e presidente da Fator Seguradora
Luís Eduardo Assis, economista, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e presidente da Fator Seguradora
Foto: DIVULGAÇÃO / Estadão

Essa inflação tende a persistir na sua avaliação?

É isso que veremos daqui para frente. Podemos torcer, e só torcer, para que os preços internacionais das commodities caiam. Mas é só uma questão de torcer. E o real, bem ou mal, está em linha com a moeda de outros países emergentes. Acho difícil esperar uma valorização maior, com o dólar abaixo de R$ 5, por exemplo.

Por que não?

Por causa da turbulência política, que está encomendada (com a proximidade das eleições). A gente está numa situação única. Qual é o projeto da política econômica hoje? Qual é o plano? Não existe plano. Não existe porque não existe plano de governo. O único objetivo do governo é evitar o impeachment, conseguir chegar até o final do mandato e eventualmente ser um candidato competitivo. Mas isso não dá espaço para planejar a política econômica. Ao contrário. Abre espaço para o populismo fiscal. Na falta do que fazer, o que a gente vê hoje é a tentativa de arrumar subterfúgios no Orçamento para engordar o Bolsa Família no ano que vem e tentar combater a impopularidade. Isso não tem nada a ver com planejamento econômico ou um plano de retomada do crescimento. Nós estamos à deriva do ponto de vista da economia.

Nesse ambiente, quais os efeitos dos juros mais altos para o consumo e o governo?

A elevação de juros pega as famílias e setor público mais endividados. A dívida pública subiu mais do que R$ 1 trilhão no ano passado. Sem falar no impacto dos juros altos para a desigualdade. Porque a pandemia também serviu para aumentar o fosso entre as pessoas de renda mais alta e das pessoas que ganham menos. Isso tem um impacto que vai muito além da retomada da economia. É um impacto duradouro, que vai reverberar pelos próximos anos. Porque é uma estrutura de renda absolutamente concentrada.

O sr. vê este ciclo de alta se estendendo no ano que vem?

Vejo. Acho que a alta é maior do que o mercado está precificando. À medida que o setor de serviços retome a demanda, a pressão sobre a inflação de serviços, que representa cerca de 37% do IPCA e hoje está baixa, vai gerar uma tensão adicional sobre a inflação. A não ser que haja uma valorização do real e uma queda forte das commodities. Mas isso não está no mapa. Principalmente no câmbio, com a turbulência política que está encomendada.

É difícil ter um otimismo nesse cenário.

O otimismo está no fato de que vamos ter uma longa campanha presidencial e poderemos debater os projetos, coisa que não foi feita em 2018. Se o Brasil tiver sorte, poderemos forjar dois, três projetos para o País.

Estadão
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