Lésbicas se beijam na Globo: no passado, foram mortas em novela para agradar a conservadores
A teledramaturgia está mais liberal em relação às tramas com LGBTs, mas ainda se vê censura velada
No capítulo de quarta-feira (10), Lorena (Alanis Guillen) e Juquinha (Gabriela Medvedovsky) deram o primeiro beijo na boca em ‘Três Graças’.
O termo “selinho loquinha” — junção dos nomes das personagens ‘shippadas’ — chegou ao topo dos Trending Topics, ranking de assuntos mais comentados no X.
Na prática, foi mais que um selinho e menos que um beijo de língua: uma demonstração de afeto discreta, coerente com o ritmo calmo do início do relacionamento entre as duas jovens.
Nas redes sociais, nenhum escândalo da parcela conservadora dos telespectadores, bem diferente das reações extremadas a outras personagens lésbicas da teledramaturgia da Globo.
Em 1998, o autor Silvio de Abreu se viu obrigado a matar o casal Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeiffer) na explosão do shopping em ‘Torre de Babel’.
Apesar de representarem o perfil ‘lesbian chic’ (homossexual elegante e discreta, mais aceita socialmente), elas foram rejeitadas não apenas pelo público, mas também pela direção da emissora, que exigiu a eliminação da trama.
“Eu pedi demissão, foi uma brigaiada, aí o elenco pediu pra eu não sair, voltei atrás, continuei escrevendo e tive que dar um jeito na história. O que me foi proibido veementemente era continuar a história das lésbicas”, contou Silvio em entrevista no YouTube.
E assim foi feito: as personagens morreram queimadas, como se fossem Joanas d’Arc contemporâneas.
Dez anos antes, na ‘Vale Tudo’ original, houve a morte da hoteleira lésbica Cecília (Lala Deheinzelin). Mas, ao contrário do que diz a lenda, não foi uma imposição da emissora nem da Censura.
O fim da personagem em um acidente de carro já estava previsto: serviria para discutir o direito à herança conjugal entre LGBTs.
Ainda assim, o casal não passou totalmente ileso: os censores barraram vários diálogos sobre homossexualidade por considerarem o tema um “desvio de comportamento”.
Instaurada com o golpe militar de 1964, a Censura federal só terminou com a promulgação da Constituição de 1988.
Depois disso, houve episódios de autocensura em algumas TVs. Em 2005, por exemplo, a cúpula da Globo proibiu a exibição do beijo na boca entre Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Eron Cordeiro) na novela ‘América’.
Na mesma ‘Três Graças’ de Lorena e Juquinha, uma cena de cama entre Kasper (Miguel Falabella) e João (Samuel de Assis) foi cortada supostamente para acelerar o ritmo da novela.
O moralismo sempre encontra uma brecha para aparecer.