‘Três Graças’ opta por personagens LGBTs ‘passáveis’ que evitam choque com o público
Em subtrama interessante, vilão adúltero e criminoso viverá o caos com filha lésbica e filho apaixonado por uma trans
Uma filha lésbica rebelde e um filho deprimido por estar apaixonado por uma mulher transexual. Salvador Ferette (Murilo Benício) vai assistir ao desmoronamento da imagem da tradicional família brasileira.
Representante da hipocrisia conservadora, o empresário corrupto vai recusar a quebra dos bons costumes, apesar de ele próprio ser um desviado — mantém um romance bandido com Arminda (Grazi Massafera), melhor amiga de sua submissa esposa Zenilda (Andréia Horta).
A homotransfobia do vilão tem potencial de esquentar a morna ‘Três Graças’, carente de conflitos capazes de empolgar o telespectador e gerar debate nas redes sociais.
A primeira tentativa de engajar — o questionamento sobre fazer justiça tirando dos ricos para dar aos pobres, simbolizada pelo plano de Gerluce (Sophie Charlotte) de roubar a estátua valiosa para financiar a compra de medicação aos doentes carentes — ainda não gerou o frenesi que se espera da trama principal de uma novela das 21h da Globo.
Reflexo do Brasil real
Ao ver a filha Lorena (Alanis Guillen) namorando a policial Juquinha (Gabriela Medvedovsky) e o filho Leonardo (Pedro Novaes) se relacionando com a farmacêutica trans Viviane (Gabriela Loran), Ferette deverá reagir com incredulidade, raiva e autoritarismo.
Assim como parte numerosa dos ‘pais de família’ da vida real destila preconceito e ignorância ao constatar um filho fora do círculo da heteronormatividade.
Imagina-se que Ferette fará de tudo para infernizar a vida dos herdeiros que desafiam fugir do aceitável pela sociedade. A questão é: no fim, ele vai se redimir ou será consumido pela própria intolerância?
LGBTs ‘passáveis’
Chama a atenção que os autores e diretores de ‘Três Graças’ optaram por deixar os personagens LGBTs fora de estereótipos.
Lorena e Juquinha são o que se chamava antigamente de ‘lesbian chics’, mulheres homossexuais sem aparência masculinizada.
Teoricamente, mais aceitas do que a imagem do ‘sapatão’ que se opõe à feminilidade tão valorizada.
No campo da transexualidade, Viviane tem a ‘passabilidade’, ou seja, é percebida socialmente como uma mulher cis, o que reduz o questionamento de gênero e o risco de violência moral e física.
Esses personagens discretos em relação à transição de gênero e à orientação sexual refletem pessoas reais que circulam despercebidas pela multidão.
Com essas escolhas, a novela diminui o choque cultural e evita tensionar estruturas mais profundas de preconceito, ampliando as chances de o público em geral se identificar com as personagens e seus dramas de amor.
Mas não deixa de ser contestável que ‘Três Graças’ evite a lésbica virilizada e a mulher trans lida socialmente como travesti a fim de agradar ao telespectador moralista.