'Gabriela' chega ao fim com destaque para personagens secundários
- Mariana Trigo
Nem cheiro de cravo, nem cor de canela. O que mais chamou atenção na versão de Walcyr Carrasco de Gabriela, da Globo, foram peles alvas e olhos claros. Enquanto Juliana Paes se lambuzou com autobronzeadores para ficar morena e carregou pesados apliques de megahair para se aproximar da selvagem personagem criada há 54 anos por Jorge Amado, foram personagens bem menos caracterizadas que se destacaram na versão da trama dirigida pelo foco sensível do diretor Mauro Mendonça Filho.
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Luiza Valdetaro, que em Cordel Encantado começou a dar sinais de sua maturidade cênica com Antônia, encontrou em Gerusa, a recatada, porém apaixonada menina mais rica da trama, material suficiente para emocionar com seus olhos marejados pelo Mundinho Falcão, de Matheus Solano. Embalada pela trilha Coração Ateu, entoada por Maria Bethânia, Luiza deslocou os holofotes das cenas para si em uma atuação comovente e segura, sem beirar o piegas.
O mesmo se pode dizer da contundente Zarolha, de Leona Cavalli. Por trás dos cabelos cor de fogo da personagem quenga, a atriz embolsou quase todas as cenas em que apareceu, sempre decidida a fisgar de vez o coração do turco Nacib, de Humberto Martins - que transformou o misterioso e ingênuo personagem da primeira versão televisiva da trama em um papel com menos nuances e quase desinteressante.
Mas os matizes da terra vermelha de Ilhéus se destacaram na história recriando o clássico literário de Amado. José Wilker, como o Coronel Jesuíno, foi tão convincente, como o contido corno de atitudes toscas, que chegou a virar bordão em redes sociais com a frase lapidar de seu personagem: "deite que vou lhe usar".
Prova de que os tipos menos polidos foram mais evidenciados na trama. Como o também sempre enfurecido Coronel Ramiro, pelo qual Antônio Fagundes deixou definitivamente de lado sua vaidade para enveredar para uma atuação mais pertinente, após anos em personagens que sempre lembravam o rústico Pedro, da série Carga Pesada.
Diferentemente dos coronéis antiquados, Matheus Solano fez de Mundinho Falcão um libertário de trejeitos conservadores e se repetiu em caminhos cênicos já utilizados em trabalhos anteriores do ator na TV. Mais libertária ainda foi a atuação e o comprometimento de Vanessa Giácomo, com sua vanguardista Malvina. Com um visual art déco do figurino ao corte de cabelo, a atriz mostrou segurança em um papel que oscilava entre a inocência e a malícia de forma sutil. Vanessa, assim como Luiza, Leona, Juliana e tantas outras atrizes da trama também protagonizaram cenas mais ousadas com uma plasticidade irretocável.
A direção de fotografia abusou de ângulos criativos com uma luz que nunca se distanciou dos tons quentes que evocavam a baianidade da história. Principalmente nas cenas do Bataclã, o bordel luxuoso do folhetim - que pareceu muito mais inspirado no Moulin Rouge do que nas casas de tolerância da Bahia dos anos 20. Comandado por Maria Machadão, na estreia de Ivete Sangalo tateando como atriz, o bordel foi palco de uma caprichada cenografia na história que consolida o horário das 23h da Globo como o quarto horário de novelas da emissora, com a satisfatória média de 20 pontos.