Acusar Gloria Perez de apologia ao crime é absoluto equívoco
Novela precisa retratar a ascensão ao poder antes de mostrar a punição dos bandidos
Começo, meio e fim – toda obra dramatúrgica segue essa cronologia básica. O autor precisa conduzir o telespectador até o desfecho pretendido. Para isso, é imprescindível mostrar o âmago do tema retratado.
Dessa maneira, em A Força do Querer, a autora Gloria Perez retrata o poder e o glamour na vida dos traficantes de drogas e a brutalidade dos donos do poder paralelo nos morros cariocas.
Como puni-los na trama sem primeiramente exibir a crueldade de sua personalidade e os delitos cometidos?
Não dá pra colocar a carroça na frente dos bois. Exige-se uma sequência lógica de fatos para tornar o enredo coerente e convincente.
De maneira irretocável, Gloria mostrou o deslumbramento e a flexibilização da ética de Bibi (Juliana Paes) diante do sucesso meteórico do marido, Rubinho (Emílio Dantas), no microcosmo da bandidagem.
Mesmo com elevado grau de consciência do ‘certo e errado’, a ex-estudante de Direito se deixou seduzir pelas vantagens da contravenção: dinheiro fácil, festas, o respeito (baseado no medo) da comunidade e a sensação de vingança contra tudo e todos que a desprezaram.
O pior da essência humana está ali, bem apresentado – e a autora faz explícita reprovação desse ataque às leis e aos preceitos morais.
Personagens ao redor de Bibi, como a mãe, Aurora (Elizângela), o filho, Dedé (João Bravo), e o ex-namorado, Caio (Rodrigo Lombardi), servem como contraponto e representam a legalidade, a grandeza de caráter e os valores familiares.
A todo momento, eles alertam a ‘Perigosa’ das consequências drásticas da vida na delinquência. São, em última análise, a consciência do telespectador de bem inserida no contexto da trama.
Quem enxerga somente a glamourização do crime precisa prestar atenção nas entrelinhas. Bibi está cada vez mais apavorada em razão da gravidade das escolhas erradas que fez e gradativamente infeliz.
Gloria Perez tem sido duramente criticada, especialmente na esfera obscura das redes sociais, por suposta apologia ao crime.
Não é a novela que desvirtua as pessoas, são as pessoas que usam a novela para justificar o desvirtuamento de si mesmas, daqueles à sua volta e da sociedade em geral.
Uma pessoa com boa índole não vai pegar uma arma e sair por aí a cometer infrações somente por ter visto esse comportamento na TV.
Se o faz usando tal justificativa, possui grave fratura moral e/ou transtorno psíquico merecedor de tratamento.
A Força do Querer joga luz em problemas que fazem parte do nosso cotidiano e deveriam ser urgentemente discutidos em casa, na escola, na universidade, enfim, pela sociedade em geral, na busca por controle ou solução.
Omiti-los é inútil, pois deixa o caos ainda mais invencível.