Musical conta a meteórica história dos Paralamas do Sucesso: 'Chorei muito', diz João Barone
'Vital, o Musical dos Paralamas' chega a São Paulo no Teatro Sabesp Frei Caneca a partir de 3 de maio resgatando os 43 anos de trajetória de uma das mais importantes bandas brasileiras
A tarde estava quente naquele 4 de fevereiro de 2001, com a temperatura beirando os 40 graus. O músico Herbert Vianna, do grupo Paralamas do Sucesso, aproveitava a folga de domingo e pilotava um ultraleve na praia de São Brás, em Mangaratiba, no Rio, ao lado da mulher, a jornalista inglesa Lucy Needham Vianna. A aeronave já planava durante um tempo quando inesperadamente caiu na água. A perícia comprovou, meses depois, que problemas estruturais na cauda provocaram a perda do controle e a queda. O saldo foi trágico: Herbert ficou paraplégico e Lucy morreu.
A cena inspira a abertura de Vital, o Musical dos Paralamas, que chega a São Paulo no Teatro Sabesp Frei Caneca, a partir de 3 de maio. Trata-se da história da formação e consagração dos Paralamas do Sucesso que, em 43 anos de trajetória, se tornaram uma das mais importantes bandas brasileiras. "Decidimos iniciar o espetáculo justamente com esse momento que, além de crucial, representou uma provação para que o trio mantivesse a união e continuasse em ação até hoje", conta o diretor artístico Pedro Brício. "Como Herbert teve problemas para recuperar a memória, criamos um texto não cronológico, com idas e vindas constantes no tempo", completa o produtor Gustavo Nunes, da Turbilhão de Ideias.
Foi a linha narrativa que norteou Patrícia Andrade, autora da dramaturgia. "Os tempos se intercalam de acordo com a memória, que guia a história. Presente e passado se misturam o tempo todo", explica ela. Como o musical traz a perspectiva das lembranças fugidias de Herbert, sobretudo no hospital, algumas passagens deixam no ar se são de fato lembranças ou delírios.
Em 150 minutos, o espetáculo conta como três estudantes da Universidade Rural do Rio de Janeiro - Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone - compartilhavam do gosto pelo rock e faziam apresentações universitárias até que, em 1982, resolveram formar uma banda profissional. Curiosamente, a formação que se consagrou e que se mantém até hoje não contava com Barone. "O baterista oficial era Vital Dias, amigo do Bi, até ele faltar em um festival e ser substituído às pressas pelo Barone. Ele se saiu tão bem que logo foi incluído no trio", conta o ator Franco Kuster, que vive o músico na peça.
Ele divide a cena com Rodrigo Salva (Herbert Vianna) e Gabriel Manita (Bi Ribeiro). Juntos, criaram a mesma relação de amizade que o trio original. "Inicialmente, eu buscava o papel do Herbert mas, ao ver a habilidade do Salva com a guitarra, vi que teria mais chance como o baixista Bi", brinca Manita. "Os Paralamas sempre foram conhecidos pela união dentro e fora do palco, especialmente depois do acidente do Herbert. Se não fosse a dedicação de Bi e Barone na recuperação do amigo, provavelmente a banda deixaria de existir", observa Salva.
'Será que esses caras não estão pirando?'
Quando receberam a proposta de transformar sua história em um musical, os Paralamas do Sucesso torceram o nariz. "Nossa primeira reação foi pensar: 'será que esses caras não estão pirando?'", diverte-se o baterista João Barone ao relembrar o início do processo, em 2022. "Na verdade, como não conhecíamos a complexidade de um musical - só vi um, Tommy (1975), e ainda no cinema -, nossa expectativas eram pequenas."
O processo de convencimento foi lento e só concluído graças à intervenção do empresário do grupo, José Fortes, que percebeu a seriedade dos profissionais envolvidos no projeto.
O resultado surpreendeu Barone, que assistiu ao espetáculo logo na semana de estreia no Rio de Janeiro, em novembro do ano passado. "Foi um impacto profundo. Descobri um trabalho sensível, esteticamente ousado. Algo muito além do que imaginávamos. Confesso que chorei muito", conta o baterista, surpreso também com a fidelidade nos gestos e na voz dos atores que interpretam a banda. "Rodrigo Salva, que vive Herbert Vianna, toca muito bem guitarra, e Gabriel Manita me fez lembrar muito do Bi Ribeiro."
Sobre Franco Kuster, que o interpreta, Barone percebeu "as manhas de um baterista". Detalhe: por ser um instrumento de difícil transporte, o que travaria o ritmo da narrativa, o espetáculo não conta com uma bateria em cena e Kuster simula os gestos com as baquetas. O ator precisou criar uma encenação para os números musicais, movimentando-se ao redor de Salva e Manita para não passar despercebido. "Eu era obrigado a fazer o mesmo quando íamos no Programa do Chacrinha, pois lá nunca tinha o instrumento e eu levava no máximo as baquetas e um prato da bateria", conta Barone.
Ele ressalta que a banda não se envolveu no processo criativo do musical, "apenas não colocamos impeditivos". Aprovou também o recurso narrativo de usar flashbacks. "As lembranças do Herbert no hospital contam a história do Paralamas com veracidade. A gente se viu em cena." Somente Herbert Vianna ainda não viu o espetáculo, o que poderá acontecer, segundo a produção, durante a temporada em São Paulo
Preste Atenção
- Na apresentação da canção Lanterna dos Afogados, no início do segundo ato, interpretada pelo elenco com um arranjo diferente, como uma oração pela recuperação de Herbert Vianna.
- Na atuação de Herberth Vital, ator PCD, como Roberto, rapaz que acompanha Herbert na fisioterapia. Além do nome (homenagem dos pais ao líder da banda e ao título do seu primeiro sucesso), ele perdeu a perna esquerda em um acidente de moto e utiliza hoje uma prótese, que não o impede de dançar com desenvoltura.
- Na citação de fatos históricos importantes, como os problemas econômicos do governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), que obrigaram os Paralamas a fazerem mais shows na Argentina.