Script = https://s1.trrsf.com/update-1765905308/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Quarenta anos depois, Slick Rick ainda tem uma história para contar

O pioneiro do hip-hop fala sobre seu primeiro álbum desde os anos 90, o estado atual do hip-hop e as medidas repressivas do ICE

23 dez 2025 - 13h09
Compartilhar
Exibir comentários

O hotel em Manhattan onde Slick Rick está hospedado tem exatamente o tipo de opulência que você esperaria encontrar em um lugar como esse. Enquanto aguardo nossa entrevista, me jogo em um sofá branco e macio em uma sala de espera com um teto altíssimo, painéis de madeira esculpidos com motivos florais e uma profusão de lustres de cristal dignos de um drama da Era Dourada da HBO. É um refúgio luxuoso da agitação da chuvosa região central da cidade lá fora.

Slick Rick
Slick Rick
Foto: Udo Salters Photography/Getty Images / Rolling Stone Brasil

Logo sou conduzido ao andar de cima, para um quarto de hotel igualmente ornamentado, onde Slick Rick, de 60 anos, posa para fotos, seguindo as instruções do fotógrafo sem qualquer hesitação. Enquanto observam a sessão de fotos, Rick elogia a "história" que uma foto em particular conta; uma descrição apropriada vinda do principal narrador do hip-hop. Ao longo de nossa conversa de uma hora, ele se refere ao rap e à produção musical como se fossem artes visuais. "Sempre evoluí na música", diz. "Conforme evoluí, melhorei e pintei quadros com a minha arte." Ele vê Victory, seu primeiro álbum em 26 anos, como uma forma de "oferecer ao público uma obra de arte para contemplar".

Ele deixou marcas indeléveis na história do hip-hop, com músicas como "Children's Story" de 1988, além de "La Di Da Di" e "The Show" de Doug E. Fresh and the Get Fresh Crew, ambas completando 40 anos este ano. Isso significa que ele é um artista profissional há quatro décadas, mas não tinha planos de comemorar publicamente a conquista, exceto por algumas sessões de autógrafos em vinil. "A gente só comemora entre nós", comenta. "É basicamente isso. Não é grande coisa."

Questlove disse certa vez à Rolling Stone EUA que "a voz de Slick Rick foi a coisa mais linda que aconteceu à cultura hip-hop", e fica imediatamente claro o que ele quis dizer quando você conversa com Rick: mesmo quando ele demonstra apatia, soa como a coisa mais incrível que você ouvirá o dia todo. Sua rara presença vocal é parte do motivo pelo qual Victory pareceu tão revigorante.

O projeto de 15 faixas, lançado em junho de 2025, deu início à série de álbuns Legend Has It… da gravadora Mass Appeal, que reuniu sete artistas lendários para criar novos projetos com a orientação de Nas. A ideia para Victory partiu do ator e DJ Idris Elba, que encontrou Slick Rick em uma festa em 2021 e sugeriu que ele trabalhasse em um álbum. Rick credita a seus compatriotas britânicos a escolha de Meji Alaba, codiretor de Black Is King (2020), para os visuais elegantes do álbum. O videoclipe completo de Victory, que a esposa e empresária de Rick, Mandy Aragones, ajudou a produzir junto com Alaba, foi exibido no SXSW London e no Festival de Cinema de Tribeca.

Para Rick, Victory foi a âncora do que ele considera um 2025 de sucesso. "[Demos] ao público algo para se entreter, algo para dirigir por aí", diz. "Transmitimos aquela vibe festiva, aquela vibe boa, aquela atmosfera aconchegante de lareira com chocolate quente. Cada música te leva para uma direção diferente." Seu primeiro projeto em mais de um quarto de século chegou na hora certa, pois ele buscava preencher um anseio criativo que sentia há cerca de três anos.

"Se você tem um vazio dentro de si, precisa alimentá-lo", afirma. "Quando eu preenchi o meu vazio e minha esposa o trouxe para o mercado, todo mundo disse: 'Sim, você está alimentando o vazio que existe na nossa alma, no nosso espírito.'" Hoje em dia, Rick continua a explorar a criatividade em outras áreas, como o design da vitrine da famosa Saks Fifth Avenue em Manhattan.

Victory foi gravado ao longo de um ano no Reino Unido, França e Estados Unidos, caracterizado por sessões repletas de "um clima descontraído, risos e brincadeiras" entre Rick e seus amigos. Ele afirma que, no geral, a concepção do projeto foi mais uma diversão do que uma pressão para se provar após uma longa ausência. Enquanto um rapper comum com um hiato de duas décadas entre lançamentos poderia enfrentar a ira de fãs sedentos por música, ele diz que nunca viu seus fãs "clamando" por novas canções. Essa tranquilidade permitiu que ele retomasse sua arte com a mesma facilidade de quando a aprimorou pela primeira vez durante sessões de rima improvisadas com amigos em Nova York, onde se estabeleceu após emigrar de Londres em 1976.

Ele me conta que, nos anos 80, enquanto pioneiros do hip-hop como Afrika Bambaataa e Fab Five Freddy faziam incursões interculturais na cena clubber do Lower East Side, sua formação no hip-hop aconteceu na zona nobre de Nova York. Foi no Bronx Armory que ele conheceu Doug E. Fresh, durante uma batalha de rap em 1984. Seu aluguel na época era de apenas US$ 350, e não demorou muito para ele recuperar esse valor várias vezes depois de entrar para o Get Fresh Crew: "Quando conheci o Doug, eu ganhava US$ 300 por noite. 28 dias por mês, US$ 300 cada vez que você anda com esse cara — nosso aluguel está pago. Você tem dinheiro suficiente para começar a se divertir".

Ele passou de um conjunto simples de anel e pulseira ("Você sempre pode disfarçar com uma gravata", aconselha) para as joias douradas em formato de caminhão e a moda de grife que o transformaram em um ícone de estilo. Sua esposa enumera os nomes de artistas que pediram para usar suas correntes exclusivas: French Montana, Alicia Keys e Ghostface Killah (um momento capturado no documentário Fade to Black (2004), de Jay-Z).

Nos anos 80, Rick diz: "A gente via os traficantes, e eles usavam roupas enormes, não aquelas roupas ridículas de negão. Eles definiram o padrão sem querer." Hoje, ele mantém o estilo despojado, com um anel e um relógio de prata, e dois colares por baixo de uma camisa preta. Ele também está usando um par de Clark Wallabees, uma marca que ele usa há muito tempo, tendo inclusive participado de uma colaboração com a Victory.

Reclinado no sofá bege de sua suíte, ele me conta que o álbum lhe permitiu exercer sua paixão não apenas por rimas, mas também por produção musical. Parece que os artistas só são reconhecidos como rappers-produtores se fizerem isso aos quatro ventos. Mas, assim como seu contemporâneo Rakim, Slick Rick é um ícone do rap com um catálogo de produção subestimado. Ele contribuiu para a produção de alguns de seus maiores sucessos e, até hoje, possui um acervo de mais de 300 beats que pode vasculhar.

A primeira vez que ele usou uma máquina de beats foi na casa do produtor Teddy Riley, e a inspiração se aprofundou a partir daí. "Quando vi o impacto [de 'La Di Da Di' e 'The Show'], soube que havia valor nisso", revela. "Então você pensa: 'Bem, se isso fez sucesso, imagine se eles fizessem isso aqui mesmo.'" Confiar em seus próprios beats começou a fazer mais sentido do que trabalhar com produtores externos.

"A indústria não me deu a qualidade que eu me dedicava. Eu me dei 'Children's Story', 'Mona Lisa', 'Hey, Young World'. Eles me deram porcaria que não deixou marca na sociedade. Você não pode mentir para si mesmo. Meu trabalho era melhor do que o que vocês me davam".

Ele compara cada música a "uma aventura", onde percorre o mapa sonoramente: "Talvez me tenha levado ao Caribe, talvez a alguma região da América Latina". Suas façanhas musicais em Victory abrangem a diáspora, desde as vibrações clássicas do hip-hop de "Stress" e a vibrante composição house de "Come On Let's Go" até o sample dos ícones do reggae Dave & Ansel Collins em "Foreign". A paisagem sonora reflete sua identidade cultural diversa. Em "I Did That", ele diz: "Sou britânico, sou jamaicano, sou americano". Pergunto-lhe sobre esse verso e como ele acha que sua visão de mundo se funde com a música.

"O espírito pode vir de qualquer lugar. Conheça o espírito", ele implora. "Às vezes, os sotaques são como: 'Uau, isso é diferente. Que tipo de pessoa morena você é?' Pense no espírito como algo que está em todos os lugares, e nos efeitos de um espírito estar na Inglaterra, na Jamaica, na América ou na África."

Infelizmente, o atual ataque dos Estados Unidos aos imigrantes ameaça dificultar a conexão intercultural. Rick foi condenado por tentativa de homicídio em 1990, passando dois anos na prisão por essa acusação e mais três lutando contra o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) por sua residência. Após ser libertado da prisão em 1997, Rick manteve sua luta pela cidadania americana, obtendo o status pleno em 2016. Ele chama a longa batalha de um dos maiores desafios de sua vida e lamenta o estado "muito triste" do que está acontecendo hoje com o ICE.

"Quando eu era criança, ninguém se importava com o que os latinos faziam", diz. "A Costa Oeste é praticamente o México. Eu não ouvia nenhuma reclamação sobre essas coisas. Agora a coisa ficou louca. Ficou muito anti-latino e anti-árabe. Não era assim quando eu era mais novo. Eu vejo isso na TV. Não consigo ignorar".

Quase no fim da nossa conversa, um garçom entra no quarto dele com uma bandeja grande contendo torradas com manteiga, chocolate quente e uma bebida de laranja em um copo alto. Mastigando a torrada, ele se maravilha com a ascensão do hip-hop, de um hobby a uma indústria consolidada. "É uma veia que alimenta, é um caldeirão cultural agora, e é uma veia que alimenta quando nutrida", diz. "Pode ser educativo, informativo. Pode ser como um presidente em pé diante de um púlpito, falando ao seu povo".

Rolling Stone Brasil Rolling Stone Brasil
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra












Publicidade