Inédita, última música de Antonio Cicero será cantada por Fafá de Belém; leia a letra de 'Amazônia'
Parceira com Arthur Nogueira, a canção será apresentada em show em São Paulo
A cantora paraense Fafá de Belém dará voz à uma música inédita feita pelo poeta, ensaísta e compositor Antonio Cicero (1945-2024). A canção Amazônia é uma parceria com o cantor e compositor Arthur Nogueira, paraense como Fafá, e será cantada no dia 29 de agosto, no show que Nogueira fará no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
Ao Estadão, Nogueira diz que a canção é a última feita por Cicero.
Amazônia é derivada do longo poema épico, de mesmo nome, que Cicero escreveu a pedido do escritor mineiro Silviano Santiago, e foi incluído no livro A Cidade e os Livros, lançado pela Editora Record em 2002. O poema também está no livro Fullgás: Poesia Reunida, da Companhia das Letras, que chegou às livrarias em junho deste ano, com a poesia de Cicero reunida.
"Sou fascinado pelo poema e, um pouco antes da morte de Cicero, propus que nós o adaptássemos para uma letra de canção nossa", diz Nogueira. "Me identifico com a mensagem: o eu lírico, que nasceu na Amazônia, assim como eu, afirma que toda origem, na verdade, é forjada no caminho", completa o compositor.
Segundo Nogueira, ele e Cicero, a partir de uma ideia melódica feita com de samples de percussão, adaptaram o poema para caber na música. Depois de pronta, a canção foi enviada a Fafá, que pediu para cantá-la. Cicero, segundo o parceiro, concordou com o pedido da cantora.
Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Cicero era irmão da cantora e compositora Marina Lima, e, com ela, compôs inúmeros clássicos da música brasileira, como Fullgás, Pra Começar, Virgem, Charme do Mundo, entre outras. Com Nogueira, Cicero fez músicas como Sem Medo, Nem Esperança, gravada por Gal Costa em 2015, Simbiose e Truques.
Cicero morreu em outubro de 2024, aos 79 anos, em Zurique, na Suíça. Diagnosticado com Alzheimer, o escritor optou pelo suicídio assistido no país europeu, onde a prática é permitida. Em declaração em julho deste ano, Marina afirmou que a morte de Cicero "faz parte da obra dele".
"Cicero não deixou barato em nenhum momento, não traiu as convicções dele em nenhum momento. É um orgulho danado", disse a cantora no programa Conversa com Bial.
Leia a última música de Antonio Cicero, 'Amazônia', parceria com Arthur Nogueira
Não queira que eu cante a selva
ou o rio Amazonas,
cujo silêncio a fluir às minhas costas
no entanto escuto às vezes,
imerso em trevas.
Nas veias, é certo,
corre o sangue selvagem das amazonas,
e os meus traços caboclos traem os maranhões;
mas trago, como herança ancestral,
não saudade da floresta,
mas da cidade
almejada.
A Amazônia quer versos heroicos e épicos,
não os meus,
líricos, eróticos, céticos.
recordo e esqueço
como é que, porventura, me perdi
dos meus ancestrais.
Que não me guardem mágoa
nossas amazonas,
mas toda origem é forjada no caminho
cujo destino
é o meio.
Feito o Amazonas, surjo do deserto,
mas dos afluentes
eu escolho as águas.