Mauricio de Sousa faz 90 anos e família revela memórias afetivas com o criador da Turma da Mônica
'Estadão' conversou com filhos, mulher e neto do quadrinista, que contam histórias, destacam seu papel como artista, empresário e pai, além de seu impacto duradouro na sociedade; veja vídeo
Na última edição da Bienal do Livro de São Paulo, em 2024, Mauricio de Sousa circulou pelo pavilhão do evento de surpresa. Cercado por seguranças, ele foi conferir o estande da Turma da Mônica, uma das atrações mais movimentadas da feira. Não demorou para que fosse cercado por fãs que queriam trocar uma palavra com o homem responsável por alguns dos personagens mais amados do Brasil.
Pelas limitações da idade, Mauricio já não faz mais tardes de autógrafo. Mas, por décadas, ele passava horas e horas assinando revistinhas e sorrindo para fotos. A família que o acompanhava nos eventos dizia que já estava tarde, que ele precisava jantar e descansar. Mas Mauricio sempre insistia em ficar até o final, até que a última criança da fila voltasse para casa feliz.
Quem conta isso é Marcos Saraiva, de 39 anos, neto de Mauricio e filho da Mônica, aquela que inspirou a personagem. Segundo ele, o contato com os fãs é a coisa que mais dá energia ao quadrinista que, nesta segunda-feira, 27, completa 90 anos de idade. Marcos foi um dos familiares que conversou com o Estadão para celebrar o legado do Mauricio e revelar algumas das memórias afetivas com o patriarca da família.
Mauricio: empresário, artista e pai
Essa imagem de Mauricio cercado por admiradores foi comum durante a infância de todos os filhos do artista, mas mais ainda para os caçulas. "Tinha a sensação de que eu dividia o meu pai com o Brasil inteiro", lembra Marina. Ela sentia ciúmes quando as pessoas paravam o pai na rua. Com o tempo, o sentimento se transformou em orgulho.
Um dos grandes autores brasileiros, responsável por aproximar muitas gerações de brasileiros da leitura por causa de suas histórias em quadrinhos, Mauricio de Sousa saiu de Mogi das Cruzes para São Paulo em busca de viver dos desenhos. Começou como repórter policial do antigo jornal Folha da Manhã, até que finalmente emplacasse uma tirinha no papel.
Inspirado pela própria família e pelas memórias de infância, Mauricio criou personagens que começaram a cativar todo o Brasil. Seu grande triunfo veio na década 1960, com a criação da Turma da Mônica. Com as crianças do bairro do Limoeiro, Mauricio construiu um império e tornou-se uma das figuras mais conhecidas do País.
Por trás de tudo isso, ele também é pai, marido, avô e bisavô. Mas esses papéis também são inseparáveis do artista e empresário. "É muito difícil separar o Mauricio marido do Mauricio profissional. Nós moramos e trabalhamos juntos. Sempre estamos falando de algo relacionado à arte", diz Dona Alice, como é chamada pelos funcionários da MSP Estúdios.
"Os dois tinham esse universo muito forte. Almoço, jantar e viagens eram Turma da Mônica. De certa forma, sempre fizemos parte disso, da empresa. Por isso que eu e o Mauro temos isso nas nossas entranhas", diz Marina. Hoje, ela e o irmão integram a diretoria executiva da empresa do pai. Marcos e Marcelo também trabalham na empresa. Dona Alice e Mônica fazem parte do conselho, presidido por Mauricio de Sousa.
O outro lado de Mauricio
A regra, no entanto, é clara: na empresa, Mauricio é Mauricio. Em casa, é o papai. "Ele sempre foi muito carinhoso, de pegar, abraçar, tanto ele comigo, quanto eu com ele. E sempre muito preocupado com o bem-estar dos filhos", descreve Mauro. A palavra "carinhoso" é repetida por todos.
"Ele é uma pessoa muito do bem, pacífica, diplomática. Não tem tempo ruim para o meu pai", diz Mauricio. Isso não significa que ele não é bravo. "Tiveram algumas situações, como uma criança levada que fui, em que eu aprontei algumas e meu pai teve que intervir para apaziguar a situação", lembra o caçula de Dona Alice.
Marcos se lembra das viagens à chácara do avô no interior de São Paulo, quando as crianças se juntavam. "Ele saía no meio da madrugada para andar pela chácara e ver o que as crianças estavam fazendo. Nós nos escondíamos, ficávamos com medo dele", recorda ele com um sorriso. "Ele tinha esse lado de cuidar, mas às vezes passava para a bronca."
O filho caçula, Marcelo, reconhece que Mauricio é um pai diferente para cada filho. "O pai que a Vânia e a Valéria tiveram é um pai muito diferente do que pai que ele foi pra mim, para a Mônica. O pai do Marcelo, que ele já teve com mais idade, com 63 anos, é um pai muito mais filosófico. Não é um Mauricio que jogava bola, que ensinou a andar de bicicleta. Mas é um pai que a gente conversava sobre tudo."
Algumas das melhores memórias de Marcelo com Mauricio são em jogos do Corinthians. "Ele ia assobiando o hino, mesmo sem ser corintiano", diz o filho (Mauricio já declarou ser torcedor do São Paulo, assim como sua principal personagem, a Mônica). O filho caçula também conta que o pai está sempre atrasado, enquanto Mauro revela que Mauricio é muito esquecido.
Marina ecoa o sentimento: "Ele realmente sempre foi assim, independentemente se estava dando bronca ou não, de falar: 'gente, vai dar tudo certo'". Marcelo compartilha um conselho: "O meu pai sempre me disse que quando uma porta se fecha, uma janela se abre. Para você não abaixar a cabeça e continuar olhando para os lados."
Mauro destaca a humildade. "Sendo o que ele é, ele é uma pessoa extremamente humilde, que gosta da simplicidade da vida, do sorriso das pessoas". Mauricio diz que o pai é uma inspiração em muitos sentidos, mas principalmente como artista: "Não consigo nem dimensionar o privilégio de poder ter um pai dessa magnitude."
Mauro completa: "Meu pai é muito cabeça aberta. Está sempre disposto a aprender e, com 90 anos, não tem medo de dizer que ele não sabe". Há alguns anos, Mauro revelou em uma publicação no Instagram que Mauricio havia lhe perguntando o que era uma pessoa trans. Ele argumenta que essa disposição a aprender também foi o que fez o desenhista virar o que virou.
Um legado que perpassa gerações
Em 90 anos de história, é inegável que Mauricio e a Turma da Mônica impactaram gerações. Marina recorda uma situação em que, prestes a subir ao palco em um evento, uma funcionária relatou a ela algo comovente: a maior alegria de sua avó durante a pandemia da covid-19, internada em um hospital, era ler as revistas da Turma da Mônica. "Isso é o que nos move. O combustível do dia a dia é entender como o Mauricio impacta a vida das pessoas."
"E há vários outros, ele tem um legado gigantesco para toda a comunidade artística brasileira", argumenta Marcos, enquanto Marina aponta que esse legado "imensurável" e ainda será descoberto ao longo de muitos anos. "Ele é um patrimônio cultural de uma importância inestimável para o Brasil", afirma Mauricio.
O reconhecimento que importa
Em 2023, Mauricio se inscreveu para a Academia Brasileira de Letras, movimentando discussões sobre histórias em quadrinhos e a chamada "alta literatura". Quando perdeu a eleição para o filólogo Ricardo Cavaliere, se viu defendido por parte do público que não compreendia como o homem que teve papel tão grande no incentivo à leitura não teria espaço na principal instituição literária do País.
Falta reconhecimento a Mauricio, então? "Acho que a ABL perdeu sim, mas sinto que meu pai já sente um reconhecimento tão genuíno do público que isso já é satisfatório para ele", argumenta Mauro. Marina completa: "Ele não fica chateado. Acho que existe uma frustração porque o universo dele são os quadrinhos. Mas a perspectiva que ele viu ali é que ele levantou uma discussão muito importante para o mercado de quadrinhos".
"É o reconhecimento das crianças e do público que o faz grande", afirma Dona Alice. "O Mauricio não se preocupa muito com chancelas. Nunca foi apegado a isso", diz Marcos. "Obviamente, ele tem muitas homenagens. Ele se orgulha muito de tudo isso, mas nunca trabalhou para isso. Quando você vai a uma Bienal do Livro e vê o Mauricio sendo ovacionado, é isso que recarrega as energias dele."
Aos 90 anos, Mauricio já não pode mais passar horas assinando revistinhas. Mas o que a família deseja é que a energia do público continue chegando até ele, para que ele possa seguir celebrando um legado que, como Marina disse, é imensurável.