Homem que arrastou mulher de carro teria postado indireta após o crime: 'Eu avisei'
Homem que arrastou mulher de carro teria publicado recado para a suposta ex; veja
NOTA: A notícia a seguir aborda violência extrema contra mulheres e pode ser sensível para algumas pessoas. Se você ou alguém que você conhece está em situação de risco, denuncie pelo 180. Em emergências, acione a Polícia Militar pelo 190.
A jovem Tainara Souza Santos, de 31 anos, estava saindo de um bar na zona Norte de São Paulo quando foi atropelada e arrastada pela rodovia de alta velocidade Marginal Tietê por cerca de um quilômetro no último sábado (29). O autor da violenta tentativa de feminicídio é Douglas Alves da Silva, de 26 anos, que foi preso em flagrante enquanto Tainara tinha uma de suas pernas amputadas no hospital em que foi socorrida. Ao ser abordado por policiais, o autor do crime negou conhecer a vítima e chegou a dizer que queria atropelar um homem que estava próximo a ela naquela noite: "Não. Isso aí tá tudo é mentira na internet, senhor".
Agora, as investigações descobriram mais uma possível prova de que Douglas tinha ligação direta com a vítima que se encontra em estado crítico. Pressionado pelas autoridades, o criminoso deu mais uma versão do ocorrido: "A verdade foi uma confusão que teve lá dentro com o cara que tava com ela. E, quando ele saiu, ele falou que ia me matar… Eu voltei, eu fui pra atropelar ele, não foi ela. Eu não conheço ela, não. Pode postar aí, tá?".
A polícia, então, descobriu uma publicação do autor nas redes sociais horas antes da sua prisão: "Eu avisei, cê duvidou… agora engole o resultado."
Carregava dinheiro em espécie
Quando foi detido, Douglas Alves da Silva estava com R$ 2.300 em dinheiro. Aos policiais, afirmou que a quantia seria usada para contratar um advogado e que o valor havia sido entregue por uma mulher chamada Nicolly, supostamente ligada a uma cobrança. A versão ainda está sob verificação. O suspeito também disse acreditar que não percebeu que Tainara estava presa ao carro, alegando ter interpretado o arrasto como um "problema mecânico decorrente do impacto". A polícia, porém, apura a procedência do dinheiro e reúne relatos que indicam comportamento violento e antecedente por porte ilegal de arma.
Tainara, mãe de duas crianças, permanece internada e passou por um novo procedimento cirúrgico. Já os representantes de Kauan Silva Bezerra, mencionado na discussão que antecedeu o crime, divulgaram nota negando qualquer ligação com o caso e afirmando ser "totalmente falsa qualquer informação que sugira que o Sr. Kauan estivesse foragido, bem como qualquer insinuação de participação no crime atualmente apurado"
ALTA NA TAXA DE FEMINICÍDIO
Um levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que São Paulo concentra parte significativa dos feminicídios do estado: um em cada quatro casos consumados ocorreu na capital. A comparação entre janeiro e outubro de 2025 e o mesmo período de 2024 indica alta de 23% na cidade. Em relação aos dados de 2023, o avanço chega a 71%.
O estudo aponta que a violência fatal contra mulheres segue um padrão consolidado. A residência da vítima permanece como principal cenário dos crimes (67%), e armas brancas ou objetos contundentes foram utilizados em mais da metade dos casos registrados no estado.
Adriana Liporoni, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher em São Paulo, destaca que o feminicídio costuma ser o último estágio de agressões contínuas. Para ela, o aumento das notificações é resultado tanto da escalada dos conflitos nos relacionamentos quanto da melhoria na classificação e no registro legal desses crimes.
A coordenadora lembra que a tipificação do feminicídio, criada em 2015, ampliou a precisão das estatísticas ao separar esses crimes dos registros gerais de homicídio. Segundo ela, esse avanço contribuiu para identificar melhor a motivação de gênero, mas não explica sozinho o aumento das ocorrências. A delegada aponta que parte do crescimento reflete também a intensificação da violência extrema, muitas vezes ligada à tentativa de controle e à reação desproporcional de agressores diante do fim do relacionamento.
Mesmo com o aprimoramento das leis, Liporoni destaca que a resposta estatal ainda enfrenta limitações. "O grande desafio está na prevenção e na capacidade de identificar os primeiros sinais do ciclo violento", afirma. Ela explica que, quando os primeiros indícios são reconhecidos e a rede de apoio consegue agir rapidamente, há mais chances de interromper a escalada antes que ela chegue ao extremo.
Para Malu Pinheiro, do Instituto Sou da Paz, o perfil dos feminicídios exige estratégias específicas. Como a maioria é cometida por parceiros, ex-parceiros ou familiares — geralmente dentro da residência —, a abordagem precisa ser distinta da adotada em outros crimes contra a vida. Ela defende a ampliação dos serviços de acolhimento e proteção, fundamentais para que as mulheres consigam romper vínculos abusivos com segurança.
A gravidade desses ataques também impressiona profissionais acostumados a lidar com cenas de violência. À Folha de S.Paulo, a fotógrafa técnico-pericial Telma Rocha, com mais de três décadas de atuação em ocorrências de homicídio, relatou o impacto das cenas que testemunha.
"[Mulheres] queimadas, amarradas, espancadas, mutiladas. Mas o que mais me chama a atenção e, muitas vezes me quebra, são os ferimentos de defesa. Cortes nas mãos, nos braços e unhas quebradas. Isso me destrói, pois chega a passar a cena na minha imaginação. É muito cruel."