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Boêmio, Vinicius de Moraes encontrou seu grande parceiro em um bar

No Centro do Rio, um encontro que mudaria os rumos da música brasileira

18 out 2013 - 11h32
(atualizado às 11h36)
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Um desavisado que passa pela esquina das ruas Calógeras e Presidente Wilson, no Centro do Rio de Janeiro e olha para o bar de esquina, pode pensar que se trata de mais um dos estabelecimentos da região que reúnem especialmente aqueles que gostam de beber após o fim do expediente. Mantendo o estilo tradicional que conserva há 60 anos, o bar Villarino, ponto de encontro de figuras importantes, especialmente nos anos 50 e 60, é um dos lugares mais importantes da história da música brasileira.

Foi ali, em 1956, que houve o encontro de dois personagens que mudariam a história da música brasileira. Na época, o Villarino era um ponto de encontro de artistas, políticos e intelectuais na então capital federal. Próximo ao Congresso, situado onde atualmente fica a Assembleia Legislativa, de gravadoras e da Academia Brasileira de Letras (ABL), o bar era para onde Vinicius de Moraes costumava ir assim que chegava ao Rio de Janeiro, em meados dos anos 50. O poetinha era embaixador em Paris, e quando desembarcava no aeroporto Santos Dumont, gostava de se dirigir ao Villarino para algumas doses de uísque, sua bebida predileta.

<p>O bar era para onde Vinicius costumava ir, assim que chegava ao Rio de Janeiro em meados dos anos 1950</p>
O bar era para onde Vinicius costumava ir, assim que chegava ao Rio de Janeiro em meados dos anos 1950
Foto: Mauro Pimentel / Terra

"Quando ele chegava de Paris, ele descia no Santos Dumont, na época, e vinha direto para cá. Ele tinha uma mesa cativa, e reunia todo mundo ali. Era sempre na mesma mesa", conta Rita Nava, esposa do espanhol Antônio Vásquez, proprietário do bar.

Aos 83 anos, Vásquez é o único dos oito funcionários que viraram sócios que segue à frente da administração do bar. Os demais morreram, e seus parentes não seguiram com o negócio. Antônio Vásquez começou a trabalhar ali em 1955, como copeiro. Logo, tornou-se garçom, e passou a servir Vinicius de Moraes. Em 1958, o então dono ofereceu a possibilidade de os funcionários se tornarem sócios, desde que tocassem o bar.

"Vinicius era agradável, educado, sempre tratou bem a todos, era amigo de todo mundo", lembra Vásquez.

O poeta circulou pelo Villarino especialmente entre 1953 e 1956. Tinha uma mesa cativa, num dos cantos da casa, onde hoje, na parede logo atrás está instalado um painel com uma fotografia do poeta rodeado de amigos no mesmo local. Vinicius tinha uma rotina simples por lá. Chegava, cumprimentava os funcionários, e pedia a primeira de muitas doses de uísque. Ele não tinha nenhum prato predileto.

"Ele gostava mesmo é de beber um uísque. Não tinha nenhuma preferência por algum prato", observa Rita.

Numa dessas chegadas ao Rio, Vinicius desembarcou cheio de planos, e logo foi ao Villarino para beber e encontrar os amigos. Queria também buscar pessoas para trabalhar na montagem de uma versão teatral da história do mito grego Orfeu, transposta para o ambiente das favelas cariocas. Ao se sentar no Villarino com os amigos Haroldo Barbosa e Lúcio Rangel, Vinicius contou que precisava de alguém para trabalhar na criação musical.

Rangel sugeriu o nome de um promissor compositor de 29 anos chamado Antônio Carlos Brasileiro Jobim. Vinicius já tinha cruzado com Tom, mas não o conhecia de forma mais próxima.Acatou a sugestão e pediu que um encontro fosse agendado. Nem era preciso marcar. Tom costumava passar no Villarino, ao sair da gravadora CBS, e estava numa das mesas do bar naquele momento. Estava iniciada uma das parcerias mais importantes da história da música brasileira.

O mais curioso é que aquele encontro acabou afastando um pouco Vinicius do Villarino. A partir dali, ele mergulhou, juntamente com Tom, na composição da trilha sonora da montagem teatral de Orfeu da Conceição. Os dois praticamente se internaram no apartamento de Tom, na rua Nascimento Silva, número 107, em Ipanema.

"Foi ruim porque o Tom tirou ele daqui, né? Começaram a fazer tanta música dentro do apartamento, que ele não tinha mais tempo de vir aqui. Saiu um monte de música. Era aqui que ele fazia os encontros musicais. Passaram a fazer lá, ficaram trancados muito tempo preparando Orfeu. Ele vinha muito menos aqui", afirma Rita Nava.

<p>O espanhol Antônio Vásquez, proprietário do bar</p>
O espanhol Antônio Vásquez, proprietário do bar
Foto: Mauro Pimentel / Terra

Em meio aos bares modernos que surgem na região central da cidade, os administradores do Villarino buscam preservar a tradição e a história que o lugar carrega. A casa carrega um ar de épocas passadas, com móveis antigos, clima aconchegante e reservado, no burburinho do Centro da cidade.

"Procuramos manter o clima da época. Modernizamos, mas mantendo características tradicionais", comenta Stela Nava, gerente do local, e cunhada de Antônio Vásquez.

Depois que passaram a compor de forma intensa no apartamento de Tom, em Ipanema, a dupla passou a ser mais frequente nos bares do bairro. Um dos prediletos era o Veloso, que ficava na esquina das ruas Prudente de Morais e Vinicius de Moraes.

Atualmente, o bar se chama Garota de Ipanema, o nome da música mais famosa da dupla, e que, segundo a versão mais conhecida, foi composta em 1962 justamente numa das mesas do local.

A inspiração foi a modelo Helô Pinheiro, que passava frequentemente por ali. Alguns estudiosos apontam que Vinicius escreveu a letra em sua casa de Petrópolis, na região Serrana do Rio, enquanto Tom a musicou em seu apartamento de Ipanema.

O Garota de Ipanema ainda atrai turistas interessados em conhecer o local apontado como a origem de umas das canções mais famosas e regravadas de todo o mundo. Alberto Pinto, um dos gerentes do local, conta que é comum visitantes perguntarem sobre a história da música.

"Muita gente tira foto, quer saber onde eles sentavam. Inclusive turistas estrangeiros. Esses são muitos. A história está aqui, né?", comenta.

Mas nem só de bares vivia o poeta. Haroldo Costa, que acabou se tornando o personagem principal da montagem de Orfeu em que o poetinha e Tom tanto trabalharam, lembra outra faceta do autor: a de cozinheiro.

O ator diz que as feijoadas de Vinicius em Paris eram famosas. A própria montagem de Orfeu foi celebrada em uma feijoada.

“Ele bebia muito bem, todos sabem, mas gostava muito de cozinhar. Na feijoada do Vinicius ia de tudo que você pudesse imaginar e que fosse possível encontrar em Paris”, diverte-se.

Costa, que se esforça para arrecadar fundos para realizar uma homenagem aos 100 anos do poeta, o define como um grande agregador. “Ele era uma pessoa em constante ebulição, tinha o poder de aglutinar pessoas. Era amigo de todo o tipo de pessoa, dava atenção aos jovens”, diz.

<p>Haroldo Barbosa em entrevista ao Terra</p>
Haroldo Barbosa em entrevista ao Terra
Foto: Mauro Pimentel / Terra

O próprio nome da homenagem, que deve acontecer em janeiro no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e contar com nomes como Toquinho, Miúcha e Fernanda Montenegro, reflete esse espírito: “Viva, Vinicius vive!”.

“Apesar de ter morrido aos 66, Vinicius deixou uma marca tão grande que é como se tivesse vivido 100 anos”, explica Costa.

José Castello, autor da biografia “Vinicius de Morais: o poeta da paixão – uma biografia”, vê na “arte do encontro” praticada por Vinicius parte de sua singularidade. Para ele o apressado século XXI e a megalópole em que o Rio se tornou deixam pouco espaço para valores tão cultivados pelo poeta, como a lentidão, a beleza e a contemplação.

“O século XXI é muito pragmático, muito cheio de pressa. Fico me perguntando o que Vinicius acharia de coisas como o sexo virtual e as salas de bate papo”, reflete. “Talvez tomasse um choque.”

Por essas e outras o poeta, para Castello, ao defender o amor “eterno enquanto dure”, as longas tardes trocando ideias no Villarino, Garota de Ipanema e tantos outros bares do Brasil e do mundo, é um desafio aos dias de hoje.

“Se Vinicius não estivesse contemplando a menina que passa não teria composto Garota de Ipanema. Será que hoje há tempo para isso?”. “Ele é um rebelde, na contramão do século. É isso que o faz tão atraente.”

Fonte: Terra
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