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Espetáculo 'Uma Leitura dos Búzios' mostra luta por liberdade na Bahia colonial sob olhar feminino

Com direção de Márcio Meirelles, montagem sobre a revolta soteropolitana Conjuração Baiana destaca papel das mulheres pretas

24 nov 2022 - 05h10
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A Conjuração Baiana, também chamada de Revolta dos Búzios ou Revolta dos Alfaiates, foi um movimento popular que desafiou a elite de Salvador em 1798. Entre as reivindicações estavam a abolição da escravatura e a independência em relação a Portugal. Mais de dois séculos depois, o diretor Márcio Meirelles olha para o passado na intenção de entender o quanto dos problemas daquela época ecoa em nossa realidade.

"A verdade é que o Brasil ainda luta para deixar de ser uma colônia e precisamos revisar a história", diz. Inspirado nessas questões, o encenador criou o espetáculo Uma Leitura dos Búzios, baseado em dramaturgia de Mônica Santana, com direção musical de João Millet Meirelles e direção de movimento de Cristina Castro, em cartaz no Sesc Vila Mariana. O palco é ocupado por 27 atores e três instrumentistas, selecionados entre mais de 500 inscritos, embalados pela forte presença da trilha sonora percussiva e eletrônica influenciada pelas raízes africanas e baianas.

É a quarta vez que a chance de realizar uma montagem sobre a revolta soteropolitana cai nas mãos de Meirelles. "Não tinha feito as perguntas certas e, desta vez, minha interrogação foi sobre o papel das mulheres nessa história, principalmente as pretas", afirma o diretor artístico, que dispensou as outras três ofertas. "A história nos mostrou sempre os homens, como heróis ou vilões, e, por isso, decidimos apresentar tudo sob o ponto de vista feminino."

São quatro narradoras, espécies de totens, representadas pelas atrizes e cantoras Clara Paixão, Ella Nascimento, Nara Couto e Virgínia Rodrigues. Meirelles reconhece que foi difícil localizar na pesquisa essas mulheres apagadas da narrativa oficial. Como exemplo, ele cita Luiza Francisca e Ana Romana, respectivamente a mulher e a amante do mestre alfaiate João de Deus do Nascimento (papel revezado pelos atores Marinho Gonçalves e Mario Alves), um dos líderes da Conjuração Baiana. Vividas pelas atrizes Cainã Naira e Emira Sophia, essas personagens tiveram participação relevante nas decisões tomadas. Outro ponto que Meirelles ressalta é que uma pequena parcela da elite branca, como comerciantes e latifundiários, também abraçou o movimento. Quando viram, porém, o desgaste do levante foram os primeiros a entregar os brancos e pardos em troca de cargos políticos ou perdão nos tributos. "Nada distante do que vemos até hoje, não?", provoca.

Inclusão

Diretor reconhecido por comandar por duas décadas o Bando de Teatro Olodum, Meirelles desenvolve desde 2012 carreira autônoma. "Quando entrei no Bando desenvolvemos um trabalho de inclusão e entendi que era hora de sair porque aqueles artistas negros precisavam conquistar o protagonismo, com a própria voz deles."

Neto de um negro que foi "branqueado" pela família, o artista afirma que, mesmo sendo reconhecido socialmente como branco, sempre fez questão de tratar a causa antirracista como sua. "Precisamos assumir a luta de todos ou essa desigualdade não vai acabar nunca."

Uma Leitura dos Búzios

Sesc Vila Mariana. R. Pelotas, 141. Quinta a sábado, 21h; domingo, 18h. R$ 40. Até 18/12. A temporada será retomada em 5/1 e vai até 12/2.

Estadão
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