Dan Stulbach conversa sobre seu personagem em 'Tempos de Paz'
No filme Tempos de Paz, Clausewitz é um homem fictício. E sua proximidade com Dan Stulbach vai além da relação ator-personagem. Judeu polonês que chega ao Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, Clausewitz, a representação, espelha a história de quem o interpreta. Stulbach, o ator, é familiar ao papel desde 2001, quando começou a encenar o espetáculo Novas Diretrizes em Tempos de Paz. No entanto, há algo em fotografias desbotadas de família que faz de Stulbach muito mais íntimo de Clausewitz, em data que precede em muito ao ano de 2001.
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Neto de um judeu polonês que chegou ao Brasil depois de fugir da Segunda Guerra Mundial, Stulbach teve a oportunidade de, por duas vezes e em dois meios diferentes, viver o papel que, apesar de não ter sido inspirado na história de sua família, tem o mesmo sotaque das memórias dos almoços de domingo.
Contracenando por um momento com sua mãe na projeção do filme Tempos de Paz, o ator dá uma entrevista exclusiva ao Terra sobre sua relação com o personagem, a transposição da peça para o cinema e o trabalho ao lado do diretor Daniel Filho, que comprou não apenas a ideia do roteiro, como tomou do espetáculo encenado seus dois atores principais: Dan Stulbach e Tony Ramos.
Uma das maiores virtudes da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz era justamente o grau de proximidade entre os personagens em função da própria estrutura física do teatro. Você não temeu perder essa sintonia entre os personagens uma vez que a história fosse levada ao cinema?
Na verdade, tudo dependia do que o diretor propusesse. Daniel (Filho) falava que era apaixonado pela montagem e eu achava que ele ia manter aquela estrutura. E ele marcou tudo a partir no nosso movimento em cena e a partir do que os atores propusessem. Achei que não se perdeu nada da peça. Fora isso, nós, eu e o Tony, somos muito ligados, havia uma grande confiança de que a nossa verdade ia continuar acontecendo em cena. Tinha segurança do que quando chegasse o momento do olhar no olho, tudo ia fluir.
Existem elementos bastante pessoais pra você nesse roteiro. E como em uma peça não há possibilidade de se assistir, agora, ao ver o filme na tela, de que maneira a história te tocou?
A primeira vez que vi o filme completo foi agora na première do Rio de Janeiro. Assisti metade do filme no Festival de Paulínia e, na exibição de São Paulo, perdi o começo do filme. Mas agora ao ver toda a história, fiquei muito emocionado. Engraçado é que você se sente tão exposto, tão entregue. Confesso que fiquei muito agoniado, porque passo a analisar o filme, querendo consertar uma coisinha ou outra. Além disso, há uma curiosidade minha em relação a plateia. Se alguém se levanta durante o filme eu quero ir lá e perguntar: "Mas por que?"
Como foi que sua mãe, que faz uma participação nas filmagens, respondeu à exibição?
Ela fica muito emocionada, era algo inimaginável na vida dela. Acho que ela ficou muito impressionada também. Porque parte da história dela está ali, e eu estou lá, ao lado dela. Até pouco tempo, todo esse passado estava contado em um círculo familiar.
Houve algum momento de auto-análise sua quando você assiste a uma história tão semelhante à história de sua família?
Talvez um pouco. Porque você revisita coisas que são muito próximas, coisas aliás que eu nem conhecia. Pessoas próximas da família falaram que a trama era muito semelhante à história do meu avô. Mas passado esse momento de revisão, sou muito racional e concentrado no trabalho. Minha agonia mesmo é ter o requinte do gesto, a melhor entonação possível.
Como surgiu a ideia do filme e o contato entre vocês e o Daniel Filho?
Daniel viu a peça aqui no Rio. Eu não o conhecia, e aí de repente vem esse cara todo emocionado, dizendo: "vou voltar, vou voltar". E aí em um outro dia ele voltou e falou: "quero fazer um filme, quero fazer um filme". Aí eu disse: "Beleza", como quem achava que não ia acontecer nada.
A direção tentou manter a estrutura da peça?
O Daniel foi muito respeitoso desde o início com a peça. Ele não fez uma marca que não fosse a partir do ensaio. E foram duas semanas de ensaio. Quando definia a marca, ele anotava onde ficavam as câmeras. E assim a maioria das cenas foi feita de uma vez só. Ele acredita que a primeira vez tem uma força maior e acho que tem mesmo. Daniel Filho é muito objetivo sem ser superficial. O que é uma grande qualidade num diretor. Às vezes, você quer ser rápido, e nessa história de Tempos de Paz isso não ia combinar.
O cinema nacional vive um momento de filmes com grandes bilheterias e, simultaneamente, lançamentos mais alternativos ao grande circuito. Como você percebe o cenário para os filmes brasileiros hoje?
Acho que no cinema acontece o mesmo que em todos os outros veículos. Existe o teatro para o grande público e o teatro voltado para pesquisa. A mesma coisa com a televisão. No entanto, qualquer obra destinada ao grande público que não tenha qualidade alguma não me interessa. Outras obras de muita qualidade, mas sem diálogo com o público são chatas. Aí também não me cativa. Procuro trabalhar em projetos que tenham qualidade e que tenham diálogo. Acho que a qualidade não é inimiga da audiência. E acredito que Tempos de Paz tem qualidade e se comunica bem com o público.
Qual teu próximo projeto no cinema?
Estou em um trabalho do (Arnaldo) Jabor, o filme Suprema Felicidade, que também é uma ideia inteligente e popular ao mesmo tempo.