Confira entrevistas exclusivas com dubladores de 'Toy Story 3'
Michael Keaton estava desesperado, no bom sentido, para participar de Toy Story. Desde seu trabalho em Carros, onde fez a voz para o arrogante Chick Hicks, o Batman de Tim Burton deixou claro para a Pixar que queria um papel na terceira parte da trilogia. Seu desejo se tornou realidade quando a produtora Darla K. Anderson levantou seu nome para o mais antecipado novo personagem: Ken, o namorado da Barbie.
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Perseguido pela síndrome de ser "brinquedo de menina", ou pior, um mero assessório para a boneca, o personagem rouba o show com seu jeito exagerado e uma paixão descontrolada por roupas. Mas para impressionar ele precisa fazer frente a dois veteranos da franquia: Jodi Benson (Barbie e também a voz da princesa Ariel, de A Pequena Sereia) e o talismã da Pixar: John Ratzenberger (Toy Story, Carros, Procurando Nemo, Wall-E e etc). O trio conversou exclusivamente com o Terra para analisar Toy Story 3.
Por mais surreal que pareça, há muita gente esperando pelo primeiro fracasso da Pixar. Em algum ponto houve dúvida sobre se envolver com um terceiro capítulo? Ou isso é apenas exagero da mídia ou da concorrência?
John Ratzenberger: Quando nos transformamos em uma sociedade de idolatra o fracasso em vez de acreditar no sucesso? Deveríamos encorajar o sucesso em vez de ficar feito urubus esperando pela vítima da vez e cair matando na Internet ou nos bastidores? Eles a Pixar consideram cada filme feito como se fosse o primeiro e se dedicam da mesma forma. É como se esquecessem que ganharam 26 Oscars e não dão a mínina para o fato de serem o estúdio de ponta. Cada filme precisa ser inesquecível. Esses caras criaram um parâmetro tão alto que precisam trabalhar muito mais a cada filme para manter seu próprio nível.
E com você ali, tudo parece sempre dar certo, não é?
Ratzenberger: (risos) Vou ser modesto e apenas responder que sim! (risos)
Michael Keaton: Uma palavra: meticulosos! É isso que eles são. Dedicados a cada detalhe.
Jodi Benson: Eles trabalham mais duro a cada filme. O nível de dificuldade cresce, pois, nosso lado consumidor sempre exige mais, não é?
Michael, especialmente no seu caso foi necessário alguma preparação diferenciada por ser o "novato" da turma?
Michael Keaton: Pesquisei muito, assisti aos filmes e dei muita atenção ao que Jodi fez com a Barbie. Os personagens têm similaridades físicas muito grandes, então isso me guiou também. A mentalidade aqui dentro é de sempre fazer o melhor e continuar aprimorando até não poder mais. Segui esse pensamento. Não que considere meu trabalho melhor do que as vozes anteriores, mas ninguém pode me acusar de ser preguiçoso ou encarar isso como uma simples gravação de voz.
A ausência de físico limitou muito em Toy Story 2 ou 3? No caso de Barbie e Ken, principalmente.
Jodi Benson: Sem dúvida. No início da gravação de Toy Story 2, cheguei a amarrar meus braços para simular o efeito da Barbie.
Michael Keaton: Eles não são articulados, temos que pensar nisso! (risos)
Jodi Benson: Esse tipo de condição influencia a voz e muda bastante a velocidade e a fluência, pois não é natural para um ser humano. Mas não foi nada de outro mundo, pura questão de se acostumar com a realidade dessa personagem.
Michael Keaton: Lasseter me dirigiu na primeira vez, especialmente para eu me acostumar com essa dinâmica. Dessa vez foi menos difícil. Conto muito com minha expressão e saber usar essa arma (habilidade de atuar apenas com a voz) é um grande trunfo.
Ken é basicamente uma versão insegura de Burt Reynolds, concorda?
Michael Keaton: (gargalhadas) Não sei como Burt reagiria ao ouvir a comparação, mas ela é perfeita! Vou começar a usar daqui para a frente! (risos). Faz muito sentido, pois é bastante ligada àquele estereótipo do homem norte-americano do meio dos anos 80. Poxa, se tivessem me dito isso durante as gravações teria ajudado muito no meu trabalho! (risos).
Vocês acreditam que quando são contratados para um papel vocal é apenas por causa de suas vozes ou podem contribuir muito mais que isso?
Jodi Benson: Acredito que o estúdio escolhe a pessoa. Nunca encarei esse trabalho como dublagem ou algo semelhante, pois requer muito mais do que ficar dentro da salinha fazendo de conta que está atuando. Sinto como se estivesse no palco, um trabalho de personagem sério e com grande demanda física, como comentei antes. E fica mais difícil quando o diretor fala pelo fone e diz: está bom, mas precisamos de um pouco mais! Como criar isso? É preciso considerar o pacote completo para responder a essa demanda.
Quais eram seus brinquedos favoritos?
Michael Keaton: Nossa, muita coisa! Adorava brincar com alguns clássicos que eram reinventados a cada ano com um nome ou alguma diferença mínima. Papai Noel era um gênio para mim! Como aquele sujeito sabia exatamente o que eu gostava? (risos) Cresci na Pensilvânia, num lugar que misturava parque industrial com interior; e era totalmente obcecado pelo Natal. A simples idéia de que existia aquela pessoa que lia minha mente e fazia os brinquedos me deixava maluco. Eu tinha uns 17 na época... brincadeira! (risos). Aí recebi um envelope pelo correio: era uma carta do Papai Noel, numa época antes das lojas de departamento começaram a responder em massa. A carta estava endereçada ao "Mestre Michael Douglas" (nome real do ator) e pirei na palavra 'mestre'. O que isso significa? Será um jeito de se referir a alguém que ainda não é casado? Ou eu era mestre de alguém? Fiquei vidrado no envelope por dias e nem queria abrir. (risos) Ninguém havia me chamado de Mestre antes! Eu e meus irmãos fazíamos muito brinquedos, nunca tive nenhum muito marcante.
Jodi Benson: Sr. Cabeça de Batata e, claro, Barbies. Tinha a Casa da Barbie e o Carro Conversível! (risos).
John Ratzenberger: Cresci em frente ao caís e meus brinquedos eram basicamente pedaços de madeira, que se transformavam numa infinidade de outras coisas. Minha finada mãe me dava rádios usados ou quebrados, então eu também me divertia à beça desmontando e construindo coisas novas a partir daquele material. Pena que a geração Woodstock chegou e acabou com isso. Era tão bom ser um garoto, maluco por subir em árvores, se arrebentar todo e fazer tudo de novo no dia seguinte.
Michael Keaton: Pode parar! Sou da Geração Woodstock! Meu filho tem 27 anos e veio de uma geração pior que aquele, na qual o consumo é tudo. Mas mesmo assim ele ainda faz muita coisa por conta própria. Lembro muito de sua infância, quando ele adaptava qualquer coisa e criava um brinquedo.
John Ratzenberger: É o processo criativo. O brinquedo pode ser o resultado final ou a motivação, mas exercitar a criatividade é essencial nesse processo todo. Uma caixa de papelão podia ser qualquer coisa.
Michael Keaton: Meus irmãos construíam cabanas maravilhosas. As minhas eram toscas demais. Caiam toda hora! (risos)
Toy Story mudou a relação entre crianças e brinquedos? Além de relembrar a infância, essa trilogia tem a capacidade de revitalizar essa dinâmica?
John Ratzenberger: Toda vez que penso nisso lembro do tanque de areia. Dentro daquele mundo a criança pode fazer e construir o que quiser, mas também aprende a ter bom senso. O ato de usar as mãos provoca esse aprendizado, afinal, se bater um martelo vai doer. E no tanque de areia a primeira coisa que você aprende é: comer areia não é uma boa ideia! (risos). Acho que é justamente isso que acontece com Toy Story e com os brinquedos. Quando você começa a brincar com eles, este é o seu reino, este é o seu império, não importa o que você crie. E não há influência dos adultos, mais ou menos o que acontece com as brincadeiras de Andy.
Algum de vocês brincou de Forte Apache?
Michael Keaton: Não necessariamente o Forte Apache, mas os Lincoln Logs (kits de troncos que se encaixavam para construir casas, fortes e outras construções) eram fantásticos. Eles me davam uma sensação de realismo. Se algum de meus bonequinhos tivesse cara de bobo enquanto atirava em alguém, jogava fora. O realismo era tão importante para mim que uma vez toque fogo num forte. Os índios estavam atacando, então o forte foi incendiado. Pouco depois os bombeiros apareceram. Comecei um incêndio e levei uma bronca daquelas (risos). É verdade!
E como aconteceu a migração de sujeito obstinado por realismo para um ator no faz de conta de Hollywood?
Michael Keaton: Para ser sincero, não aconteceu. Anos depois comecei a ler, e nunca deixei de lado, livros sobre as grandes escapadas e fugas. Fiquei obcecado para saber exatamente o que aconteceu com cada um daqueles sujeitos durante suas fugas. Não me contentava com ¿então ele correu para longe e fugiu¿, queria saber onde ele parou para ver se não havia ninguém o perseguindo, o que pensou, quantas vezes olhou para trás e etc. Atuação tem muito disso, retransmitir uma sensação quase real.
É pura nostalgia querer imaginar um mundo com mais brincadeiras manuais ao contrário do exagero tecnológico de hoje em dia, no qual o videogame e o computador são as novas brincadeiras 'simples'? Pouca gente toca fogo nos fortes de madeira hoje em dia...
Michael Keaton: (risos) Mas eles invadem computadores na China! (gargalhadas)
John Ratzenberger: Há uma preocupação crescente nas principais empresas norte-americanas para um fato: a maioria dos jovens formados no colegial não é capaz de usar ou ler uma régua (especialmente as medidas do padrão de polegadas). O resultado disso é um problema gigantesco na base dos futuros engenheiros, designers e programadores. Como esperar novas gerações de profissionais se o interesse pelo ensino básico perdeu espaço para o universo do 'tudo pronto' do vídeo game e dos programas de computador que calculam e medem tudo para você? Há engenheiros projetando coisas impossíveis de serem construídas, pois eles nunca construíram nada na vida e falta essa ligação com a realidade. E o pior é que isso são dados reais, nada de revolta pessoal ou saudosismo. E isso aconteceu num intervalo de 15 ou 20 anos.
Michael Keaton: Há tanto exagero por aí que, embora a maioria dos americanos - entre eles homens de decisão, políticos, gerentes, médicos - não saiba trocar o pneu do carro, noto conversas entre garotos de 20 anos reclamando do excesso de conectividade. Não é da nossa natureza ter tanta coisa assim, então acredito num balanceamento dessa relação.
John Ratzenberger: Pensar em Toy Story motiva uma dinâmica na qual tudo seja possível e sua mente não parece de pensar. Dá para fazer quase tudo com um brinquedo, afinal, a aventura está na sua cabeça e não na tela do videogame.