'A Árvore da Vida' traz o pessoal e o universal de Malick
- Carol Almeida
A memória afetiva do diretor ganha relevo nas vozes em suspenso. As palavras sussurradas, quase cantadas, ecoam dentro da sala de cinema como se fossem profecias. Ilações sobre a história da vida privada, que por sua vez é uma pequena parte da história da vida do mundo, do universo e, no princípio, do gigante vazio que tomava conta de tudo. A Árvore da Vida, de Terrence Malick, é um título que faz jus a mais um olhar que expõe o micro no macro, e vice-versa. É o diretor em seu momento autobiográfico, quando para falar das questões mais elementares do mundo - "Onde estava você?" -, ele busca a origem da existência e suas implicações para a espécie de vida que entende existir.
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O texto acima pode e deve soar etéreo, flutuante, sem significado fechado. Porque é assim que se apresenta o filme em questão. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes este ano, A Árvore da Vida nos conta a história de uma família e do universo onde ela se encontra. As vozes que ecoam ao longo dessa ousada narrativa são de certa forma as vozes que parecem perseguir o diretor. A de senhora O'Brien é uma delas. No papel de mãe, ela fala que existem dois caminhos a seguir na vida: o da graça e o da natureza. Entre um e outro, Malick encontra espaço para uma certa moral cristã que fala de culpa e do extraterreno.
Introduz o núcleo familiar a partir de uma notícia que rapidamente nos conduz para conclusões precipitadas sobre a constituição daquelas pessoas em cena. No barulho do som que abafa os gritos, mostra mãe e pai, em separado, recebendo a notícia da morte de um de seus três filhos homens. Em seguida, nos dá de presente a sua versão íntima e pessoal daquilo que o Discovery Channel fabrica em produção de massa: abre na gigante tela de cinema - e sim, este é um filme que só funciona no cinema, sem purismos - o desfile do nascimento do universo, com longas e pacientes explosões da matéria e, mais adiante, da Terra, em seus primeiros movimentos de ebulição de vida.
Filma vulcões, simula a criação de nossa geografia, cria dinossauros, revela o choque entre o planeta e o meteoro destruidor e, finalmente, nos apresenta a espécie humana para, somente aí, retomar a história da graça da senhora O'Brien, da natureza tempestiva do Sr. O'Brien e seus três filhos. Ela é a angelical e serena personagem de Jessica Chastain e ele a virilidade e retidão de Brad Pitt. As três crianças são interpretadas por jovens atores que foram deixados à vontade no set de filmagens, sendo estimulados em brincadeiras de poucas palavras, mas muita cumplicidade que só se acha entre irmãos. Mérito, portanto, para a brilhante direção de elenco que deixou esses meninos emularem uma orgânica fraternidade.
A lembrar que por autobiográfico falamos aqui da indissociável relação entre a vida de um desses três meninos, visto em vida adulta como Sean Penn (segunda parceira com o diretor depois de Além da Linha Vermelha), e a história pessoal do próprio Malick. Assim como o personagem da criança em foco, ele cresceu em uma pequena cidade do Texas e um de seus irmãos morreu ainda jovem. Costurando então essas vozes pessoais que cobrem as imagens, o cineasta se reescreve no vago e contemplativo personagem de Penn.
Malick faz, de certa forma, uma versão menos fatalista e mais existencialista de 2001: Uma Odisseia no Espaço de Kubrick, na fábula de uma espécie que, em lugar de fechar o ciclo que a coloca em confronto com seu destino, agora revê a própria ideia de destino a partir de seus pequenos rastros de memória. E atenção: toda essa leitura é passível de várias outras interpretações. A Árvore da Vida é tudo menos um filme de mensagem única.
Nesse tópico, a revista inglesa Empire, em sua última edição de agosto, fez uma bem-humorada brincadeira sobre como seria decodificar este último trabalho do diretor. Criou seis possíveis teorias que tentavam explicar sobre o que exatamente era o filme, todos temas genéricos o suficiente para se desdobrar em outras plausíveis explicações. Mas se A Árvore da Vida é sobre alguma coisa, isso realmente não vem ao caso. Importante mesmo, para efeito de uma sinopse, é que esta é uma história que ousa falar de conflitos tão pessoais que universais. Se isso diz pouco, só resta entrar na sala escura do cinema.