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Vida de Rita Moreno é retratada em documentário de Mariem Pérez Riera

'Just a Girl Who Decided to Go for It' também aborda francamente as várias turbulências da vida de Rita: ela teve uma longa e dolorosa relação com Marlon Brando; sofreu estupro do seu empresário; um casamento que a confinou

17 jun 2021 - 20h10
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Rita Moreno emigrou com a mãe para os Estados Unidos aos cinco anos. Aos seis, dançava nas boates do Greenwich Village. Com 15, trabalhava em tempo integral. Aos 20, apareceu em Cantando na Chuva.

No documentário Rita Moreno: Just a Girl Decided to Go for It, diz Norman Lear: "Não consigo pensar em mais ninguém que eu conheça neste ambiente que tenha vivido o sonho americano mais do que Rita Moreno."

Nas décadas seguintes, Rita ganhou um Tony, um Grammy, um Emmy e um Oscar por Amor Sublime Amor. (Todo o seu discurso de aceitação do prêmio foi: "Não consigo acreditar.) Com um espírito aparentemente infinito, ela resumiu o melhor do show business, mas ao mesmo tempo foi vítima de sua crueldade. Isto tornou a atriz, uma das estrelas do próximo remake de Amor Sublime Amor, a ser lançado em breve, do diretor Steven Spielberg, uma figura heroica para os latinos, e para os outros. "Nunca desisti", afirmou em uma recente entrevista por Zoom de sua casa em Berkeley, Califórnia.

O motivo da conversa foi o documentário íntimo e revigorante de Mariem Pérez Riera, que será lançado na sexta-feira nos cinemas, depois de ser exibido virtualmente no Festival de Sundance e ao ar livre no Tribeca Festival. O filme abre com Rita preparando-se para uma festa em clima cubano para o seu 87º aniversário. "E exijo fantasia", diz esta lenda da telona com um sorriso.

Mas embora Rita continue sendo o mesmo espírito para cima, Just a Girl Who Decided to Go for It também trata francamente das várias turbulências da vida de Rita: ela teve uma longa e dolorosa relação com Marlon Brando; sofreu estupro do seu empresário; um casamento que a confinou.

Rita se mostrou igualmente direta em uma entrevista com a The Associated Press, enquanto ocasionalmente procurava um lenço de papel por causa da alergia da primavera. "Toda aquela cocaína", brincou a senhora de 89 anos. O texto foi editado para dar maior clareza e brevidade.

O que mais me impressionou no filme é o fato de que, apesar de ter passado por coisas que derrotariam uma pessoa ou a tornariam mais amarga, você parece ter saído destas experiências com toda esta alegria e prazer de viver

Eu tenho uma constituição muito forte. Talvez seja uma questão de herança, quem sabe. Ou talvez se deva ao fato de que a gente acaba aprendendo a fazer frente a uma vida tumultuada graças à psicoterapia. Eu acredito realmente que ela tenha me ajudado a atravessar alguns momentos muito, muito ruins.

Minha mãe era como eu, também. E sabe de uma coisa? Tenho a impressão de que muitas pessoas isoladas têm uma constituição forte porque ou afundam ou nadam, certo? E acho que você aprende muito cedo na vida que nadar é preferível a afundar.

Quando cedo você aprendeu então?

O primeiro teste, acho, foi aprender inglês no jardim da infância quando eu não sabia uma palavra. Esta foi a primeira coisa que aconteceu literalmente no meu caso, assim que cheguei a este país. As crianças têm uma grande capacidade de adaptação.

E além disso, de certo modo, são também extremamente ternas e frágeis. Acredito que o motivo pelo qual acabei sofrendo tanto na vida é que esbarrei com a questão racial muito cedo. Quando você é jovem - quero dizer 5, 6, 7 anos - e as pessoas a chamam de "porca" ou "boca de alho" ou "dente de ouro", como em Amor Sublime Amor, você é terna, é uma criança. Você acredita nessas coisas. Acredita que não tem valor nenhum. Você não sabe por quê, mas sabe que há algo errado em você.

Lembra da primeira vez em que atuou?

Sim, claro. Foi para o meu avô em Puerto Rico para uma gravação de rumba. Chacoalhando a minha pequena bunda. E ele adorou. Batia palmas no ritmo da música. E eu pensava: Puxa, como é engraçado. Ele está adorando isso. Eu gosto muito. Ou seja, eu nasci para representar. Acho que algumas pessoas realmente nascem para isto. Eu nasci para representar e agradar às pessoas - e por outro lado, isto foi longe demais, também.

Você disse que queria ser completamente honesta no filme, mas houve algumas coisas difíceis para continuar sendo honesta ? Você conta que foi estuprada pelo seu empresário

Ah, sim. Isto foi difícil. E falar do meu marido (o cardiologista Lenny Gordon, que morreu em 2010) foi difícil mas de uma maneira diferente. Em muitos aspectos, ele era um homem notável. Era solícito. Nunca vi um avô, pai e marido mais devotado. Mas o que aconteceu conosco é que ele era uma pessoa controladora. Tenho uma teoria: quando algumas pessoas têm relações, elas fazem um contrato recíproco, nunca verbalizado ou falado. No nosso caso, eu seria a menininha, graciosa, e agradarei a você.

Mas você precisa ser meu papai, cuidar de mim, me proteger. Este era o nosso acordo. Nunca foi expresso. Mas era assim. Eu não me dei conta disso até o dia em que eu quis começar a crescer e o casamento não funcionava. Não tem nada a ver com a pessoa que eu sou. Além disso, eu fui educada dessa maneira. Você precisa agradar ao homem. Mas eu sofri um bocado. Lembro das vezes em que eu dizia que ia ao mercado e ia para qualquer outro lugar, estacionava o carro e chorava.

A sua vida parece ser um longo processo de desaprendizado das coisas erradas que falavam a seu respeito

Que maneira maravilhosa de expressar isto. Acertou em cheio. Eu tinha de aprender que era uma pessoa de valor como todas as outras. Mas é muito difícil quando a pessoa aprende algo desde a sua infância. Não é como se eu tivesse chegado a este país aos 20 anos e aprendesse algo diferente.

Eu era uma criança e nessa idade você é muito impressionável. Você acredita que não tem valor. Você não sabe por que não tem, mas acredita. E é muito difícil libertar-se disso. Há ainda uma menina dentro de mim, mas a diferença é que agora eu a mando para o seu quarto. Ainda há uma menina chata em mim que diz: "Falei para você que isto não podia acontecer". E agora posso responder: "Vá para o seu quarto!".

Sua sessão de terapia central seguiu seus anos com Marlon Brando. Em seu livro de memórias, você falou dele como o seu maior amor, mas o tempo que você passou com ele foi torturante

Aí está uma coisa que acho engraçada. Foi ele que me disse: "Você precisa de ajuda. Precisa de terapia". O maluco falando para a mulher louca que ela precisa de ajuda (ri). Mas ele tinha razão. Lembro do dia em que ele me falou isso, eu pensei: "Pois é, mas ele é tão louco quanto!"

Nem todo mundo namora com Elvis só para provocar ciúmes em Brando, como você fez. Você não fica espantada às vezes com a vida que você teve?

Sim. Mas preciso dizer que depois que vi o documentário pela primeira vez - minha filha assistiu comigo - saí da sala de projeção dizendo: "Uau, que vida espetacular eu tive!" (ri). Mas você não pensa dessa maneira a respeito de si mesma. Muito provavelmente, se fizessem algo assim para você, falaria a mesma coisa.

Olhando o que mudou e o que não mudou naquela época, o que se destaca para você? Você estava lá quando Martin Luther King fez o famoso discurso: "Eu tenho um sonho"

Eu me considero uma pessoa com uma sorte incrível por ainda estar viva para ver as mudanças que estão ocorrendo. Vou fazer 90 em dezembro e não acredito que irei ver o movimento das mulheres avançar de verdade porque não estarei mais aqui. Mas vi algumas mudanças. Vi mudanças muito importantes e estou grata por isto.

O que ainda me preocupa profundamente é que os hispânicos não se firmaram na nossa profissão. Não sei o que é que está errado. Não sei o que não funciona como deveria. A comunidade negra conseguiu coisas incríveis e eu só posso ter a maior admiração pelos profissionais negros. Eles conseguiram e acho que podemos aprender alguma coisa com eles. Mas onde está o nosso Moonlight (Sob a Luz do Luar)? Por que nós não vamos para frente?

Você tem algumas respostas?

Neste país, nós tendemos a nos silenciar. Nós somos de Porto Rico e também somos mexicanos. E também argentinos. Somos a Espanha espanhola. E, de alguma forma, esses dois pares realmente não se encontraram e se uniram da maneira que precisamos.

Esta pode ser a resposta. Mas é muito complicado. As pessoas esquecem que não são apenas hispânicas. Nós somos de outros países. Talvez a resposta, ou o começo da resposta, esteja em uma cúpula, uma espécie de cúpula.

Não vou ver isto. Minha idade não permite. Mas eu seguramente espero que algo aconteça. Não posso acreditar que continuamos com essa dificuldade. E quando fazemos algo que é latino, também não funciona. One Day at a Time, uma comédia da Netflix que estreou em 2017) era hilária. Era maravilhosa. Não por acaso tinha Norman Lear que escolheu os roteiristas. E nós duramos três temporadas e meia. Você se pergunta: Por que isto não aconteceu?

Muitos poderão atribuí-lo aos preconceitos arraigados de Hollywood

Esta é uma das poucas coisas a respeito da minha carreira que me deixa realmente triste. Muitas das críticas sobre o documentário foram fabulosas. Vários críticos disseram algo como: É triste pensar que esta mulher poderia ter tido uma carreira de verdade em filmes se não tivesse tido esta carreira no momento em que ela teve. E acho que é verdade. Acho que esta é uma verdade muito grande. Quero dizer, fui roubada. Mas sabe? Que benefício isso tem?

Depois de 'Amor Sublime Amor', você disse que recebeu somente papéis do mesmo gênero, estereotipados, durante anos

Eram brutais. Brutais! Quando recebi o Oscar e o Globo de Ouro, pensei: "Ótimo, finalmente". E não foi nada disso que aconteceu. Na realidade, foi o oposto. Recebia a proposta de mais papéis do tipo de Anita, quando recebia, o que não era tão frequente. Decidi não aceitar mais nenhum desse tipo, com um monte de gestos desastrados, de donas de casa e coisas do gênero. Falei que não aceitaria mais nenhum. Ha-ha, mostrei para eles. Não fiz mais filmes por sete anos. O que quero dizer é, até que ponto você pode ser teimosa?

Recentemente, você revisitou 'Amor sublime Amor' com Spielberg. Como foi?

Foi maravilhoso. Há anos, sou fã de Spielberg. Ele ligou, e me oferece um papel em Amor Sublime Amor. Quase fiz xixi na calça porque se tratava de Steven Spielberg, um dos meus ídolos. Respondi que adoraria fazer uma ponta, mas, falei: "Você não quer na realidade que eu faça isto, não é? E ele falou: "Ah, não, não. É um papel. É um papel de verdade. Tony Kushner o escreve para você". Em primeiro lugar, o roteiro é de Tony Kushner? O que? Fiquei emocionada. Fiquei excitada como uma criança. Tony continuava acrescentando coisas ao papel. É lindo. Foi uma das melhores experiências da minha vida.

Não imagino você fazendo isto, mas depois se arrependeu?

Não posso ter todos os filmes que sempre quis fazer - que são todos os filmes de Meryl Streep, queria ser ela - mas se não posso fazer isto. Me saí muito bem, considerando. E acho que deixamos um legado importante em um sentido muito, muito sério e é este: Eu jamais desisti. Jamais desisti. Eu agarro e seguro o que é importante para mim. Muito disso tem a ver com o auto-respeito e conseguir respeito.

Sei que é cedo ainda, mas você escolheu um tema para a comemoração dos seus 90 anos em dezembro?

Acho que será em Porto Rico (ri). Significa a comida. Significa que as pessoas terão de se vestir de determinada maneira. Provavelmente será Porto Rico nos anos 1930. Vou querer que usem chapéus Panamá.

Tradução de Anna Capovilla

Estadão
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