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Avignon: Tiago Rodrigues apresenta odisseia emocional futurista com 'A Distância'

Em "A Distância", nova criação de Tiago Rodrigues apresentada em Avignon, um pai se conecta com sua filha exilada em Marte em meio a um futuro devastado pela crise ambiental. Com uma narrativa minimalista e poética, a peça explora tensões emocionais e escolhas que definem as relações entre gerações. Envolta na canção "Sonhos", de Peninha, interpretada por Caetano Veloso, a obra transcende a ficção científica, apresentando uma reflexão sobre amor e esperança em tempos de separação.

8 jul 2025 - 16h15
(atualizado em 8/7/2025 às 09h03)
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Em "A Distância", nova criação de Tiago Rodrigues apresentada em Avignon, um pai se conecta com sua filha exilada em Marte em meio a um futuro devastado pela crise ambiental. Com uma narrativa minimalista e poética, a peça explora tensões emocionais e escolhas que definem as relações entre gerações. Envolta na canção "Sonhos", de Peninha, interpretada por Caetano Veloso, a obra transcende a ficção científica, apresentando uma reflexão sobre amor e esperança em tempos de separação.

"A Distância", nova criação de Tiago Rodrigues, foi apresentada no Festival de Avignon, evento que o português dirige desde 2022.
"A Distância", nova criação de Tiago Rodrigues, foi apresentada no Festival de Avignon, evento que o português dirige desde 2022.
Foto: © Christophe Raynaud de Lage / RFI

Márcia Bechara, enviada especial a Avignon

Vedène, arredores de Avignon, julho de 2077. Um homem ergue os olhos para o céu avermelhado. Sua filha está lá em cima. Em Marte. Longe demais para um abraço, perto o bastante para uma conversa. Nem fábula ou rapsódia. Trata-se de A Distância, a nova criação de Tiago Rodrigues. E é teatro. Ou melhor: uma odisseia emocional do futuro em meio ao fim do mundo.

Nesta peça tão minimalista quanto incandescente, Tiago Rodrigues imagina um futuro que já se anuncia. O planeta arde, as elites escapam e o resto da humanidade permanece. Um pai — interpretado pelo extraordinário Adama Diop — se dirige à filha (Alison Dechamps), exilada em Marte.

Não é apenas uma troca de mensagens entre mundos: é um enfrentamento. "Eu escolhi a hostilidade", diz a jovem, uma oubliante, espécie de replicante devotada ao "oubli", ou esquecimento, em francês. Um esforço para continuar humano apesar do exílio. Para manter o vínculo apesar da distância. Para não esquecer o amor em meio aos escombros.

O dramaturgo e diretor português retoma sua escrita potente, em densidade poética máxima, criando tensões dramáticas que prendem o espectador na cadeira. Cada nova mensagem trocada entre pai e filha reverbera na sala como uma jukebox de memórias coletivas, de um futuro que prefere esquecer para se reinventar. O texto tem humor, afeto e parece feito sob medida para a presença potente dos atores em cena.

No palco, dois discos giram, como dois corpos em órbita. Duas vozes separadas pelo espaço, conectadas por um texto que se estende como um fio entre dois mundos. A cenografia desenha um mapa do céu, enquanto o texto traça uma linha de vida. Rodrigues, que prefere o contrafluxo à acomodação, aposta aqui na concisão. Uma hora e quarenta e sete minutos de intensidade emocional. Uma peça que poderia ser chamada de "câmara obscura do afeto". E, ainda assim, é uma espécie de ópera cósmica, onde o íntimo se faz político. As escolhas de hoje — fugir ou permanecer, abandonar ou reconstruir — reverberam nas tragédias de amanhã.

Canção de Peninha interpretada por Caetano percorre a peça

Tudo isso, regado a um leitmotiv bem brasileiro: a canção "Sonhos", composta por Peninha e imortalizada na voz de Caetano Veloso. Os versos "Tudo era apenas uma brincadeira /E foi crescendo, crescendo, me absorvendo / E de repente eu me vi assim / Completamente seu", tão conhecidos do público brasileiro, são entoados em português, língua materna da mãe da personagem Ali, e traduzidos em francês ao vivo pelo pai, numa tentativa de reconexão de memória afetiva, o último elo de ligação entre dois planetas distantes.

"Quis falar sobre o futuro e sobre a relação entre gerações. Quis entender o que acontece com um amor — como o de um pai por uma filha — quando existe uma distância. Não uma distância em quilômetros, mas uma longa, longa, longa, longa distância entre dois planetas", disse Tiago Rodrigues à RFI.

Não se trata de ficção científica, mas de uma profecia suave. Uma "conversa telefônica muito, muito, muito longa", como escreve com ironia o dramaturgo português. Desde que assumiu a direção do Festival de Avignon, em 2022, Tiago Rodrigues vem redesenhando limites — de idioma, de território, de linguagem. Primeiro estrangeiro a comandar o festival desde sua criação, em 1947, ele levou à cena principal os idiomas fragmentados da vida real e a urgência das juventudes esquecidas.

Sua trajetória é uma linha estendida entre Lisboa e o mundo. Com passagem pelo coletivo tg STAN e fundador da companhia Mundo Perfeito, Rodrigues faz do palco um laboratório onde poesia, memória, política e desejo se entrelaçam. Já havia impressionado com By Heart (em que o público memorizava um soneto de Shakespeare), depois com Sopro, Catarina e a beleza de matar fascistas, e Na medida do impossível, em que dava voz aos trabalhadores da Cruz Vermelha. Cada peça é um gesto cívico. Cada encenação, um manifesto delicado.

La Distance (no original, em francês) poderia ser uma história de luto. De separação. Do fim de um mundo. Mas isso seria ignorar a ternura que atravessa a obra. Não se trata de uma peça sombria. É uma fábula estelar sobre a urgência de continuar falando, mesmo quando tudo parece silêncio. É, no fim, uma história de amor. Entre um pai e sua filha. Entre a Terra e o que dela ainda resiste. Entre nós e aquilo que ainda podemos ser — se ousarmos sonhar além das telas.

Em 2025, em Avignon, Tiago Rodrigues não se limita a montar a programação do maior encontro de artes cênicas do planeta. Ele escreve o que está por vir. E nos observa, a nós, espectadores, como se olha os passageiros de uma nave frágil. Com esperança.

A peça A Distância fica em cartaz até 26 de julho no teatro L'Autre Scène, em Vedène, nos arredores de Avignon.

RFI A RFI é uma rádio francesa e agência de notícias que transmite para o mundo todo em francês e em outros 15 idiomas.
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