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Como a fascinante paisagem de uma região do sul da França mudou a história da arte

Monte de Ste-Victoire e outros lugares nos arredores de Aix-en-Provence foram obcecadamente pintados por Paul Cézanne, tido como 'pai' da pintura moderna.

13 set 2017 - 11h06
(atualizado às 12h40)
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Pintura de Cézanne
Pintura de Cézanne
Foto: BBC News Brasil

Nos arredores da cidade de Aix-en-Provence, na região de Provença (França), o monte Ste-Victoire se ergue por mais de mil metros sobre uma planície de vinhedos, vilarejos com casas de telhados avermelhados, bosques e córregos.

Conforme eu percorria Aix e seus arredores, não me cansava de ver seu pico pontiagudo despontando - uma constante presença enquanto eu bebia um expresso em cafés de pequenos vilarejos, caminhava por trilhas com cheiro de ervas e admirava a mudança de sua paleta de cores a partir de vistas impressionantes. Em um dado momento, eu simplesmente a vi brilhar a partir da janela do meu hotel em uma casa do século 18, Le Pigonnet.

Alguns podem pensar que a importância do pico está na antiga batalha que aconteceu em sua base. De fato, os romanos conquistaram a primeira vitória significativa de seu império nesse exato local, derrotando os povos bárbaros germânicos cimbros e teutões, em 102 a.C.. Diz a lenda que o nome monte Ste-Victoire (Monte da Vitória Santa em francês) é em memória disso (o "santo" foi acrescentado por cristãos medievais).

Mas a contribuição desse pico rochoso para o planeta vai muito além disso graças ao artista e revolucionário nativo da região Paul Cézanne.

Cézanne, nascido em 1839, sempre amou a montanha. "Quando criança, ele e seus amigos Émile Zola e Jean-Baptistin Baille o observavam à distância durante suas escapadas, correndo, escalando e caçando pelos campos em sua base", diz o neto e especialista em arte moderna aposentado Philippe Cézanne.

Cézanne
Cézanne
Foto: BBC News Brasil

O artista passou um tempo em Paris, onde ficou amigo de outros artistas, como Camille Pissarro, Edouard Manet, Claude Monet e Pierre-Auguste Renoir. Pissarro o influenciou a clarear sua paleta de cores e a pintar de uma maneira mais impressionista, mas o mais próximo que chegou disso foi no quadro Casa do Homem Enforcado, Auvers-sur-Oise (1873), com cores pálidas e pinceladas quebradas.

Ainda assim, naquela pintura, você pode ver como ele estava rompendo com regras artísticas da época, ao dar profundidade de campo ao primeiro plano e com as imprecisões deliberadas de perspectiva (um caminho leva para a esquerda, um declive cai para a direita em um ângulo que parece estranho).

Os trabalhos de Cézanne dividiram críticos e, sendo um cara do interior, ele percebeu que não pertencia a Paris, e sim a seu lar, na Provença. E, apesar de também ter morado em L'Estaque, perto de Marselha, e na Suíça e em Paris, Aix continuou sendo o lugar de seu coração, onde ficou cada vez mais ligado ao monte St-Victorie como seu principal tema.

"No começo, Cézanne pintou o monte Ste-Victoire à distância, a partir do parque de Jas de Bouffan, a casa da família [em Aix]", disse Philippe. Apenas mais tarde em sua vida, aliás, Cézanne começou a focar intencionalmente na montanha, pintando-a de diferentes ângulos, com pinceladas mais precisas e remendos de cores.

Mas por que ele ficou tão obcecado?

"O pintor era apaixonado pela geologia e arquitetura da natureza do seu local de origem", diz Philippe. "Ele tinha visto a montanha mudar com o passar das horas, das estações, então, com o tempo, ele passou a conhecer a montanha de cor."

Cézanne estava decidido a pintar sua permanência, chegando às formas mais simples de uma maneira quase arquitetônica. Ele fez a mesma coisa com outros temas, é claro, incluindo modelos vivos nas suas séries monumentais de banhistas. Mas nada como sua querida montanha. No total, começando em 1870, Cézanne a pintou 87 vezes e, quanto mais a pintava, ela se tornava mais plana, fragmentada e menos realista, com formas geométricas de cor. "Eu preferiria quebrar minha tela em vez de inventar ou imaginar um detalhe", disse ele certa vez ao amigo, escritor e crítico de arte Joaquin Gasquet.

Seus locais preferidos de onde pintar ficavam na parte mais ao sul da montanha, nas vilas de Le Tholonet e Gardanne. Aqui, a montanha rochosa se eleva sobre um campo cheio de verdes, marrons e laranjas de vales e pinheiros.

Na colina Frères em Gardanne, com vista para a montanha, foram colocadas reproduções de suas pinturas e foi aqui onde eu mais senti a genialidade do artista. Ele não apenas pintava a montanha, mas também o vilarejo - e eu fiquei ali, impressionada, comparando a cidade em forma de pirâmide à minha frente com sua série de caixinhas que antecedeu o movimento cubista.

Cézanne alugou uma cabana na pedreira de Bibemus para focar nas rochas talhadas à mão, onde pintava suas formas e cores terrosas, muitas vezes com a montanha ao fundo. E suas últimas obras - sem dúvida as mais famosas - foram feitas a partir de um local na Chemin de la Marguerite na colina de Lauves, a uma curta caminhada de distância de seu estúdio em Aix.

Quando visitei o estúdio (uma experiência recomendável, seu equipamentos de pintura continuam lá como se ele tivesse se ausentado por um curto momento), segui os passos de Cézanne na colina até seu lugar preferido para pintar.

Fiquei desapontada com as construções e novos desenvolvimentos urbanos na região, mas perdi o fôlego quando vi, entre as árvores, o pico despontando à distância em toda a glória cézannesca. Parado ali, eu pensei na última vez em que Cézanne veio aqui, quando, aos 67 anos, foi pego de surpresa por uma tempestade, mas continuou a pintar. "Eu prometi que morreria pintando", disse ele ao seu amigo mais jovem Émile Bernard apenas um mês antes. Em uma semana ele morreu de pneumonia.

Mas o lugar mais cativante da montanha, sem dúvida, é a parte de trás, na cidade de Vauvenargues, onde um castelo fortificado, construído entre os séculos 13 e 17, se insere em um vale. O mais intrigante é que um de seus proprietários foi o pintor Pablo Picasso, grande admirador de Cézanne. Tanto que teria comprado o castelo em 1958 com sua pintura de Ste-Victorie para honrar "a verdadeira [montanha]).

"Picasso era um maluco em 1900", disse Denis Coutagne, um membro da Société Paul Cézanne e ex-diretor do Museu Granet d'Aix-en-Provence, "devorando os pintores que estavam buscando uma renovação artística, inclusive Toulouse-Lautrec, Derain, Matisse e Rouault. Então ele se apaixonou por Cézanne e, pela primeira vez, Picasso foi confrontado com um grande mestre".

"[Picasso] me disse um dia que Cézanne era seu Deus", diz Philippe.

E então Picasso - e outros, incluindo Matisse, Braque and Metzinger - escrutinava as pinturas de Cézanne do Monte Ste-Victoire e seus outros temas, direcionando-se para o cubismo e, essencialmente, a arte moderna do século 20.

"Os pintores do século 20 entraram pela brecha aberta por Cézanne", diz Coutagne. "Mas cada escola [cubismo, fauvismo] levou em consideração apenas um elemento, seja em composição, espaço, cor ou perspectiva. Cézanne fez melhor. Ele juntou tudo. Ele continua à frente".

É por isso que as famosas palavras de Picasso continuam ecoando: "Cézanne foi o pai de todos nós". E sobre todos eles, suas amadas montanhas.

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