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A pianista que trocou fama mundial para preservar cultura da Ilha de Páscoa

Depois de se apresentar em algumas das mais prestigiadas salas de concerto do mundo, Mahani Teave voltou a Ilha de Páscoa, também conhecida como Rapa Nui, para preservar sua cultura.

13 jul 2021 - 06h08
(atualizado às 07h43)
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Mahani Teave nasceu no Havaí, mas cresceu em Rapa Nui, também conhecida como Ilha da Páscoa
Mahani Teave nasceu no Havaí, mas cresceu em Rapa Nui, também conhecida como Ilha da Páscoa
Foto: Sinfónica Estudiantil Metropolitana / BBC News Brasil

Conforme o nível do mar sobe e o clima muda, a ilha que Mahani Teave chama de lar e sua cultura estão cada vez mais ameaçadas.

A Ilha de Páscoa, ou Rapa Nui, é uma das ilhas habitadas mais remotas do mundo, um pequeno território de 164 km quadrados no sul do Pacífico.

A terra mais próxima é a Ilha Pitcairn, um Território Ultramarino Britânico, a 2 mil km de distância; e o Chile, que tem jurisdição sobre Rapa Nui desde 1888, que fica 3,8 mil km a leste.

Os campos ondulados que se estendem desde a crista vulcânica são pontilhados com mais de 900 moai, as figuras de pedra monolíticas pelas quais a ilha se tornou famosa em todo o mundo.

Mas a pianista Mahani Teave, que triunfou no circuito internacional da música clássica, faz parte de uma cultura vibrante que abrange muito mais do que as famosas estátuas esculpidas por seus ancestrais.

"Sinto que as crianças Rapanui aprendem a andar só para dançar e falar para poder cantar", diz Teave, de 37 anos.

Em 2016, ela foi uma dos 11 Rapanui que fundaram a Fundação Toki, uma organização cultural que mistura educação clássica, tradicional e ambiental para oferecer oportunidades aos jovens da ilha em uma sociedade fortemente dependente do turismo.

Alunos podem aprender a tocar uma variedade de instrumentos musicais na fundação
Alunos podem aprender a tocar uma variedade de instrumentos musicais na fundação
Foto: Toki Rapa Nui / BBC News Brasil

Crianças de até dois anos fazem aulas preliminares e as mais velhas aprendem piano, violoncelo, violino, trompete e teoria musical. Algumas aulas são ministradas na língua Rapanui, e os alunos também aprendem ukulele, re'o riu (um canto antigo) e takona (pintura corporal), além de ori e hoko, duas danças tradicionais.

Teave nasceu no Havaí, depois que sua mãe americana viajou para Rapa Nui, onde conheceu seu pai, que era músico. A família mudou-se para Rapa Nui quando ela era criança.

"Nunca me senti isolada", diz Teave. "Quando você cresce em um lugar como aquele, ele se torna o seu mundo e parece tão grande. Ainda há lugares na ilha que não conheço."

Aos seis anos, Teave teve aulas de balé e se encantou com as partituras clássicas que ouvia enquanto praticava seus movimentos. As aulas terminaram abruptamente com a mudança da professora de balé para o exterior.

Mas determinada, Teave convenceu uma pianista aposentada a ensiná-la, praticando por horas depois da escola e temendo que a professora pudesse encerrar as aulas e retornar à paz da aposentadoria. Aos nove anos, Teave mudou-se para Valdivia, no sul do Chile.

"Sair da ilha foi uma experiência amarga e senti muita saudade", lembra ela. "Não conseguia entender por que alguém tinha que deixar sua casa e seu povo para fazer algo tão natural como tocar música."

Depois disso, Teave foi para os EUA estudar com o pianista armênio-americano Sergei Babayan, antes de se mudar para a Alemanha.

Embora ao longo da carreira tenha tocado em algumas das mais famosas salas de concerto do mundo, foi a vulnerabilidade da sua cultura e a falta de oportunidades na ilha que a levaram a regressar a Rapa Nui em 2012 para fundar uma escola de música.

"Enquanto estive no exterior, pensei muito sobre o alcoolismo, o uso de drogas e outros problemas sociais que existem em Rapa Nui, e como tudo isso tinha muito a ver com a falta de oportunidades", diz ela.

"Na minha cabeça, pertencia a uma cultura em vias de extinção e sempre achei que deveria haver uma escola de música na ilha."

Escola foi construída com lixo deixado por turistas ou com destroços trazidos pelo mar
Escola foi construída com lixo deixado por turistas ou com destroços trazidos pelo mar
Foto: Toki Rapa Nui / BBC News Brasil
Escola é autossuficiente em energia, com painéis solares e coletores de água da chuva
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Foto: Toki Rapa Nui / BBC News Brasil

Um dos alunos de Teave foi Rolly Parra, que se mudou para a ilha aos seis anos de idade com seu pai, um oficial da Marinha chilena que trabalhava lá. Ele começou a aprender piano na escola antes de ganhar o cobiçado Prêmio Claudio Arau no Chile em janeiro de 2017.

"Mahani me inspirou e copiei tudo o que ela fez", diz Parra. "Se ela tocava uma sinfonia de Chopin, tentava fazer o mesmo."

A carreira de Teave deu uma guinada inesperada em 2018, quando David Fulton, um colecionador de instrumentos raros, visitou Rapa Nui durante uma turnê mundial e ficou surpreso ao saber que ela nunca havia gravado um álbum próprio.

Fulton se ofereceu para financiar uma gravação e foi assim que "Odyssey Rapa Nui" foi lançado em janeiro, chegando ao topo da lista de clássicos da Billboard dos EUA.

O álbum percorre algumas de suas faixas favoritas de Bach, Liszt, Handel e Chopin, e termina com uma poderosa interpretação de "I He a Hotumatu'a", o hino de Rapa Nui. Todo o faturamento do disco é destinado à Fundação Toki.

De volta à ilha, Teava e seus colegas contribuem para os esforços de Rapa Nui para se tornar sustentável e sem resíduos até 2030.

"A visão ancestral do mundo Rapanui enfatiza nossa conexão com a Terra, da qual pertencemos e pela qual somos responsáveis", explica.

O aumento do nível do mar é uma ameaça para a ilha localizada no Oceano Pacífico
O aumento do nível do mar é uma ameaça para a ilha localizada no Oceano Pacífico
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Voluntários de todo o mundo levaram um ano e meio para construir a escola, com dejetos deixados por turistas ou com o que era trazido para a ilha pelo mar, como toneladas de papelão, latas, garrafas e pneus. A escola é autossuficiente com seus próprios painéis solares e coletores de água da chuva.

O trabalho ambiental da fundação ganhou importância especial durante a pandemia do coronavírus, que revelou a faceta sombria de uma ilha extremamente dependente do turismo e da importação de alimentos: quando os voos de Santiago foram suspensos em março do ano passado, o desemprego disparou e as reservas de alimentos se esgotaram.

Além das atividades culturais e iniciativas de coleta de lixo, a líder do projeto ecológico da fundação ajudou a coordenar 500 lotes comunitários e encorajar o uso de jardins de pedra tradicionais que protegem as plantações da erosão e conservam a umidade para aliviar a escassez de alimentos.

"Já enfrentamos muitos dos desafios que afetarão o mundo na próxima década", diz Teave. "Se conseguirmos tornar esta ilha 100% sustentável, Rapa Nui pode se tornar um exemplo a ser seguido pelo mundo."

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