A turma que venceu a timidez de Luis Fernando Verissimo
Grupo de estudantes convenceu o tímido escritor a ser paraninfo de turma no início dos anos 1990; história foi relembrada por jornalista no velório do escritor em Porto Alegre neste sábado
PORTO ALEGRE - Até 1991, Luis Fernando Verissimo recusava-se terminantemente a participar como paraninfo de formaturas. Os convites chegavam, mas o já consagrado escritor encontrava uma forma furtiva para escapar do compromisso social. Até que uma turma de Comunicação da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), sediada em São Leopoldo (RS), venceu a resistência e a timidez do escritor.
A história - relembrada neste sábado, 30, no velório de Verissimo, em Porto Alegre - é contada pelo jornalista Marcelo Menna Barreto, então presidente da comissão de formatura. "Surgiu como unanimidade, principalmente do pessoal de Jornalismo, a vontade de querer um paraninfo bacana, e ele seria o Luis Fernando Verissimo. Coube a nós um trabalho meio que hercúleo de conversar com ele, uma pessoa que todos já sabiam que tinha essa timidez."
Reconhecido o desafio de vencer a timidez de Verissimo, foi preciso um trabalho em conjunto, e uma quase invasão à residência do escritor, para a conquista do paraninfo desejado pela turma. "Lembro dele, na biblioteca que herdou, cercado por estudantes. A cada argumento nosso, ele tinha um 'porém'. Disse, inclusive, que faria uma cirurgia cardíaca, e a gente respondeu: 'colocamos uma ambulância à disposição'. Só que, no final, quando não tinha mais como dizer não, falou: 'tem mais um probleminha, e o discurso?", lembrou Barreto.
Convencido a aceitar o convite, Verissimo lançou um novo desafio aos estudantes, que em tempos pré-redes sociais, buscaram uma solução com a unificação de tecnologia e texto. "Sugerimos a ele que fizesse uma crônica. Ele fez uma crônica exclusiva para nós, que entrou no nosso convite de formatura e também foi gravada. Então, em vez de fazer o discurso, apareceu um vídeo com áudio da crônica dele." Assim, Verissimo se fez presente na solenidade, sem dizer de sua própria voz uma palavra no púlpito da formatura, que reunia estudantes de Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas.
Timidez não era arrogância
O estilo retraído e tímido de Verissimo foi uma marca que o acompanhou durante toda a vida. Mas o jeito dele nunca foi confundido com arrogância. Barreto, que depois da formatura se tornou próximo de Verissimo, conta que Verissimo se mostrou sempre muito solícito a quem o procurava. "Depois não deixei ele mais em paz. Fui trabalhar no sindicato dos professores do Rio Grande do Sul. Criamos o jornal Extraclasse, que foi um dos primeiros jornais sindicais que mudou a linguagem, tirou aquele 'sindicalês' e começou a fazer jornalismo. E o convidamos para escrever, e ele topou."
Um escritor famoso aceitar escrever para um jornal sindical recém-inaugurado já seria uma grata surpresa, mas Barreto relembra que o escritor foi além. "No início, ele disse, até para não aviltar: 'vou cobrar a tabela do sindicato, que era um valor muito inferior ao que ele ganhava dos grandes jornais. Mas antes mesmo de pagarmos, ele avisou que não ia cobrar nada: 'eu vou escrever pela causa', disse. E seguiu escrevendo, boa parte das crônicas exclusivas, e liberou as do acervo quando começou a ter problemas de saúde."
Para Barreto, esses episódios mostram um lado pouco conhecido do cronista. "As pessoas falam muito do Luis Fernando Verissimo, além da genialidade, de ser uma pessoa mais reservada. Mas tem outra coisa que ele sempre me deixou, e aos amigos, à família e a quem procurou por ele, que é a generosidade."
O velório de Veríssimo reuniu familiares, amigos, autoridades e representantes da classe artística do Rio Grande do Sul no Salão Nobre Júlio de Castilhos, da Assembleia Legislativa, no centro da capital gaúcha. O enterro ocorre no cemitério São Miguel e Almas.