Grandes nomes da inovação reconhecem incerteza atual e optam pela cautela
No SXSW, vimos os principais responsáveis pela construção de tecnologias tão poderosas quanto a bomba atômica falarem "Eu não sei"
O festival já queridinho dos brasileiros – o SXSW – acabou em março mas é conhecido por pautar as tendências que serão faladas ao longo do ano. Na White Rabbit, minha agência que estuda narrativas emergentes e cenários futuros, estudamos ao longo de semanas pós festival todos os conteúdos para entender quais movimentos emergem a partir de lá e contagiam os demais festivais. E para nós, o tema não era o título de nenhuma palestra, e sim nas entrelinhas.
O SXSW sempre foi um lugar de muitas certezas. Onde tendências eram anunciadas, mortes eram declaradas e futuros profetizados. Diferente de todos os anos, vimos esse clima de cautela em todas as previsões.
Vimos os principais responsáveis pela construção de tecnologias tão poderosas quanto a bomba atômica falarem "Eu não sei". Se eles não sabem, nós, enquanto sociedade, também não sabemos as consequências não-previstas do que estamos construindo. Em suma, estamos fazendo, mas não sabemos onde isso vai dar.
Saí portanto com mais perguntas que respostas – e essas são as quatro perguntas que trouxe na mala do festival. A primeira:
IA é ameaça existencial ou emancipação criativa?
E assim como quando a internet surgiu e mudou o mundo como conhecemos. E estamos em mais um ponto de inflexão. Uma virada nas nossas vidas, no nosso trabalho. Quando a internet aconteceu, mudou tudo para sempre. Quando a mobilidade digital chegou, mudou tudo. A IA vai também mudar tudo. E por isso quase nenhuma palestra ficou sem falar da inteligência artificial.
Já havia adiantado o tema nessa coluna algumas vezes – afinal, a inteligência artificial generativa é a bola da vez. Mas pudemos escutar do Greg Brockman, cofundador e presidente da OpenAI (fundadora do ChatGPT, Dall-E, etc.) mostrou que nem mesmo ele é capaz de mensurar todas as consequências dos produtos que eles trazem.
Amy Webb, futurista renomada que atua inclusive com o governo americano, foi uma das poucas a dizer que, apesar de aumentar muito a produtividade, os lançamentos estão sendo feitos com poucos estudos sobre suas consequências.
Já Kevin Kelly, cofundador da revista Wired, diz que a inteligência artificial não vai substituir a inteligência humana. Ao contrário, poderemos pensar como uma inteligência alienígena. Um ser que tem outras habilidades. O maior ganho da inteligência artificial será sobre nossas preciosas 24 horas diárias. Mas ele faz uma crítica importante: "O desafio será escolher se queremos continuar obcecados por produtividade ou não."
Segunda pergunta:
Como navegar a complexidade juntos se não estamos no mesmo barco?
Nesse sentido, o festival foi recheado de experiências em realidade virtual que colocaram as pessoas nos sapatos dos outros para aproximar e sentir na pele o que é viver com um corpo que não o seu.
A abertura do SXSW ficou marcada com essa mensagem. Simran Jeet Singh, autor do bestseller “A luz que damos: como a sabedoria sikh pode transformar sua vida”, trouxe a dúvida: como achamos humanidade naqueles que não veem humanidade em nós?
Também ouvimos a Amy Gallo, especialista em dinâmicas de trabalho e que apresentou a palestra “Como trabalhar com pessoas difíceis”. Se você acha que trabalha com uma pessoa difícil, você não está sozinho: 80% das pessoas dizem que trabalham com uma pessoa difícil, sendo que 83% delas acreditam que isso afeta a qualidade do trabalho. O que nos leva a pensar que quase certamente eu e você também somos a pessoa difícil da vida de alguém, né?
Um dos termos que ganhou força no festival foi intimidade artificial. Esther Perel, psicoterapeuta belga-americana, brilhou quando cruzou o comportamento humano à luz das interações com computadores.
O que a preocupa é como o envolvimento com a tecnologia está diminuindo nossas expectativas nas relações com os seres humanos. Para ela, a solidão moderna hoje se disfarça de superconectividade. As pessoas têm centenas de amigos online, mas ninguém pra alimentar seu gatinho quando você viaja.
Terceira pergunta:
Como marcas podem abrir espaços para este novo mundo?
O que a gente viu reforçar no SXSW sobre estratégias e posicionamento de negócios no futuro é que marcas que estão dispostas a trabalhar por uma comunicação em comunidade, colaborativa e participativa têm muito a ganhar no que diz respeito a reconhecimento e credibilidade – e estarão mais preparadas para incorporar ferramentas tecnológicas.
O primeiro desdobramento dessa tendência é sobre como a gente se apropria de tecnologias para cocriar histórias. Grande inspiração foi o painel da Reddit, que é tipo um fórum de discussão. Não tão popular como o Twitter, mas muito utilizado entre a galera que está construindo a inovação.
O Reddit é um case porque gera laços de engajamento entre as pessoas da comunidade: eles se apoiam e confiam tanto que buscam interações e aprendizados dentro do seu grupo.
A COO da Reddit, Jen Wong, mostrou que o poder do engajamento de uma comunidade está acima da tecnologia. Quando questionada sobre as pessoas deixarem de fazer perguntas no Reddit para obter respostas de ferramentas como ChatGPT, ela disse "E de onde você acha que vêm as respostas do ChatGPT?"
Pausa pra explicação: sim, o que ela quis dizer é que o ChatGPT é alimentado das respostas das comunidades. Sempre importante lembrar de onde vem a entrada de dados da IA.
Este tema também apareceu na palestra "Contação de histórias e a credibilidade cultural", da Maíra Genovese, da Empower. Ela afirmou que com a Web 3.0, o desafio é ainda maior quando se trata de construir narrativas que fomentem comunidades e sejam reconhecidas por públicos afins, ao mesmo tempo em que entendem seu impacto em ecossistemas transformados por experiências imersivas e dinâmicas descentralizadas.
Ilumina aqui, produção, que tem uma pista para qualquer cliente: as marcas precisam aprender não a criar histórias por elas mesmas, mas a cocriar histórias COM seu público.
E não dá pra finalizar esse papo sem iluminar que comunidade não é sobre ter audiência, hein! São coisas diferentes e o ponto chave é o engajamento e o envolvimento natural e simbiótico entre as partes.
Quarta pergunta:
Permacrise: como ser agente de mudança em um mundo em crise?
Esse assunto no SXSW foi tetra já que se trata da pauta mais importante do nosso tempo: a não-extinção da espécie humana. Até 2030, prazo para a execução das primeiras metas de descarbonização, será preciso acelerar muito desenvolvimento e financiamento de inovação climática.
E a gente viu no SXSW que esse assunto ficou mais necessário e mais tangível na cabeça dos executivos esse ano após Davos e ONU. Tanto que o tema ganhou um Climate Hub ali em Austin - um hub que trouxe grandes nomes para tratar do assunto mais urgente do nosso tempo.
E quem mostrou as caras foi nada menos que o Dino. Lembram dessa campanha? Pois é, eles fizeram um apanhado geral da campanha "Don't choose extinction" (Não escolha extinção) que foi um hit no ano passado.
Tem até dinossauro nos alertando que estamos escolhendo nossa própria extinção. Infelizmente tivemos poucos ponteiros mudados em termos de uso de combustíveis fósseis desde então.
Também vimos inventores de 16 e 17 anos que fazem parte da The Knowledge Society (A sociedade do Conhecimento), um programa acelerador que conecta crianças com mentores e tecnologia de ponta e depois os libera para resolver grandes problemas.
Eles estavam exibindo projetos como uma plataforma de IA que pode acelerar a modernização da internet nos EUA e também um projeto que converte pneus usados na África do Sul em energia limpa.
A marca de roupas Patagonia estava representada pelo seu CEO Ryan Gellert. Toda sua história é reconhecida no meio corporativo por tomar atitudes que representam uma nova forma de ser acionista. Vale se inspirar: “As empresas estão cientes de que criaram muito da confusão em que nos metemos – e serão responsabilizadas em algum momento por limpar isso.”
Como disse o Ryan Gellert, perdemos o direito de ser pessimistas. E pode ser mesmo que a gente não consiga resolver a crise climática a tempo, mas é preciso fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para chegar ao melhor resultado possível e entregá-lo às novas gerações.
Saí sim com mais perguntsa do que certezas. Mas não podemos menosprezar o poder de uma boa pergunta: ela tem o potencial de abrir mais caminhos do que certezas. A pergunta e a dúvida é o que nos move. A curiosidade nos faz mais humildes e mais ativos. E você, que pergunta surgiu na sua mente ao ler as minhas?