'Teremos um mundo quase irreconhecível até 2038', diz fundador da Singularity University
Peter Diamandis participa do Rio Innovation Week e fala ao 'Estadão' sobre as tecnologias que vão moldar o futuro
Há mais de 40 anos, Peter Diamandis tenta entender quais são as tecnologias vão moldar o mundo — sempre com muito otimismo. Ele se envolveu com projetos que vão de exploração espacial, incluindo a mineração de asteroides, a comunicação p2p. No meio do caminho, fundou a Singularity University, que se especializou em cursos focados em transformações tecnológicas. Assim, ele crava: em 2038, o mundo será quase irreconhecível do que conhecemos atualmente.
Segundo ele, a pedra fundamental dessas transformações será a inteligência artificial (IA), que promete aprimorar diagnósticos e impulsionar tratamentos de saúde. Empolgado para experimentar a nova realidade que nos aguarda, Diamandis investe parte do seu tempo na busca pelo aumento da longevidade, tanto por meio de sua empresa, a Fountain Life, quanto pelo investimento em startups por meio do prêmio Xprizes, focado em biotecnologia.
Diamandis vem ao Brasil em agosto para participar do Rio Innovation Week (RIW), um dos principais eventos de inovação do País, que acontece entre 12 e 15 de agosto — o Estadão é parceiro de mídia do RIW. Em sua palestra, ele vai falar sobre como os avanços tecnológicos devem se desenrolar em breve. Antes da viagem, porém, ele conversou com a reportagem sobre IA, longevidade, grandes descobertas e como navegar em todo esse período de mudanças.
Veja os melhores momentos abaixo.
O sr. sempre foi um otimista em relação ao futuro e à tecnologia. Ao olhar para o mundo atual, o futuro é aquilo que o sr. imaginava há duas décadas?
Em certas áreas, aceleramos muito mais rápido do que as minhas expectativas. Em particular, a IA tem custo quase zero. Bilhões de pessoas agora têm acesso à IA gratuitamente ou por US$ 20 mês, o que eu nunca imaginei ser possível. Em outras áreas, como carros autônomos e carros voadores, e voos espaciais comerciais, as coisas caminharam mais lentamente do que eu esperava, mas estão em uma trajetória onde eu acho que alcançaremos esses objetivos. Teremos carros voadores e voos espaciais comerciais para a Lua e para Marte na próxima década.
Em 2013, a Singularity publicou uma lista de previsões até 2038. Algumas não aconteceram e parecem longe de acontecer. Já outras aconteceram bem depois do que o imaginado. Quais as maiores dificuldades para fazer previsões em relação ao futuro da tecnologia?
O desafio nas previsões são as restrições regulatórias e restrições de financiamento. Mas o outro desafio é que, quando você tem algo como uma superinteligência digital prestes a ocorrer, uma vez que você tem esse tipo de capacidade, ela se torna um ponto de inflexão que desencadeia uma infinidade de avanços futuros. Uma vez que tenhamos uma IA muito forte, seja você a chamando de inteligência artificial geral (AGI) ou superinteligência digital, ela permitirá um progresso massivo em longevidade, em novas ciências dos materiais, em fusão e em outras áreas.
Como devemos navegar em períodos de constantes mudanças tecnológicas? O que indivíduos e empresas precisam aprender?
Eu acho que as habilidades mais importantes são a curiosidade e a agilidade. Você tem que permanecer o mais curioso possível, entender, olhar e aprender e ter quase uma curiosidade infantil, tipo "por que isso está acontecendo? Por que isso acontece dessa forma?" Perguntar "por que" e "como" o tempo todo é fundamental. Agilidade significa garantir que, como empresa, ou como pai, ou como líder nacional, você esteja disposto a experimentar, disposto a tentar novas estratégias e abordagens. Isso é absolutamente crítico.
A IA é uma bolha? Poderemos ter novamente um período de 'inverno da IA' novamente?
Com certeza a IA não é uma bolha. Estamos em um período de hiper-crescimento, onde a IA em breve será capaz de evoluir, indo para algo mais avançado. Isso é chamado de auto-melhoria recursiva. Muitas empresas, como o Google, estão usando IA para escrever 50% de seu código. Não há bolha aqui. A taxa de crescimento passou da Lei de Moore de dobrar a cada dois anos para dez vezes por ano, e muito em breve cem vezes por ano.
Já são quase 3 anos de uma conversa ininterrupta sobre IA. Ainda há muitas dúvidas e já começam a surgir frustrações em relação a tecnologia. Por que o sr. acha que isso está acontecendo?
Eu acho que aqueles que têm dúvidas e estão frustrados não estão sintonizados com o que realmente está acontecendo, como o lançamento do Grok 4 e, em breve, os lançamentos do GPT-5 e Gemini 3. Estamos falando de modelos que têm efetivamente capacidades de AGI. Eu acho que se as pessoas estão frustradas, é porque não estão usando. Elas não estão direcionando suas equipes e empresas para utilizá-la. Eu acho que vamos começar a ver a IA incorporada nas ferramentas atuais que usamos.
Recentemente, o sr. tuítou 'Estamos tão perto da velocidade de escape longitudinal que te imploro a lembrar: sua única responsabilidade agora é evitar morrer de algo estúpido'. Eu gostaria que o sr. aprofundasse essa ideia.
Basicamente, nós, como humanos, não temos ideia do que está acontecendo dentro de nossos corpos. Todos nós podemos pensar que somos saudáveis. Se eu estiver com uma plateia de 100 pessoas e perguntar 'Quantos de vocês acham que não há nada acontecendo dentro do seu corpo com o qual precisam se preocupar?', todos de certa forma respondem: 'Não tenho ideia do que está acontecendo dentro do meu corpo'. E realmente não temos. Você não sente um câncer até o estágio três ou quatro. 70% dos ataques cardíacos não têm sintomas, como falta de ar e dor. O primeiro sintoma é um ataque cardíaco e 50% dessas pessoas não sobrevivem. Portanto, precisamos deixar claro que, a menos que você olhe o que está acontecendo dentro do seu corpo, você não sabe o que está rolando.
Existem tecnologias para isso hoje. Uma das minhas empresas, a Fountain Life, faz isso em centros nos EUA. Estamos expandindo a empresa pelo mundo e estou atuando como presidente. Funciona assim: nós "digitalizamos" a pessoa. Basicamente, coletamos cerca de 200 gigabytes de dados, incluindo ressonância magnética de corpo inteiro, tomografia cardíaca com sobreposição de IA, tomografia de tórax de baixa dose, sequenciamos o genoma completamente, olhamos para 140 biomarcadores sanguíneos, fazemos exame de retina de pele. Ou seja, coletamos tudo o que é detectável sobre você. Nosso objetivo é responder a duas perguntas: O que está acontecendo dentro de você que você precisa saber? e O que provavelmente acontecerá com você no futuro para que você possa prevenir e otimizar?.
Numa sala de 100 pessoas, 3% terão um câncer que não sabem, 2,5% terão um aneurisma que não sabem, 14,4% terão doença metabólica, doença cardiovascular, doença neurodegenerativa ou algo sobre o qual precisam agir. Quando eu digo 'não morra de algo estúpido' significa entender o que está acontecendo dentro do seu corpo e detectar quaisquer problemas no estágio mais inicial, quando você pode preveni-los. As pessoas dizem "não quero saber" e eu respondo "besteira". Você prefere descobrir cedo, quando pode fazer algo a respeito, ou quando é tarde demais?
Muitos dos seus projetos envolvem 'moonshots' (objetivos grandiosos que parecem impossíveis). Como identificar um bom 'moonshot' — ambicioso, mas viável?
Primeiramente, para você tentar um "moonshot", precisa ser algo pelo qual você é extraordinariamente apaixonado. Ou seja, é algo que mexe com você emocionalmente, porque todos os 'moonshots' são difíceis. Fazer algo grande e ousado será um trabalho extraordinariamente difícil. E quando você tenta um 'moonshot' pela primeira vez, você não sabe como vai resolvê-lo. Você apenas sabe, a partir de princípios fundamentais, das leis da física ou por analogia, que é viável de alguma forma. Você precisa de algo sobre a qual você tem profunda convicção. É o seu propósito de vida. Faz parte do que eu chamo de seu propósito transformador massivo. Segundo, você tem clareza de que, de alguma forma, é alcançável e você vai embarcar em uma jornada de 10 anos para descobrir como fazer. A maioria dos 'moonshots' são jornadas de uma década, seja carros autônomos, carros voadores ou ir para o espaço. Então você precisa ser capaz de montar a equipe para fazer isso acontecer. E, finalmente, você precisa ser claro em seu 'moonshot' sobre qual é o objetivo, para que você saiba quando o alcançou e o mundo saiba quando você o alcançou.
Quais tecnologias emergentes o sr. acredita que mais transformarão a sociedade nos próximos 10 anos? O sr. mantém o cronograma de que em 2038 o mundo será irreconhecível do atual?
Para responder à segunda parte dessa pergunta, eu chamei [o futurista] Ray Kurzweil para uma apresentação. Ray é meu mentor. Ele foi fundador da Singularity University junto comigo. Ele disse: 'Vamos ter mais progresso na próxima década, de 2025 a 2035, do que tivemos no século passado, de 1925 a 2025. Se você pensar como era o mundo em 1925, pelo menos nos EUA, o nível mais alto de tecnologia era o carro Ford Modelo T. 30% das casas tinham eletricidade, 30% das casas tinham telefone. Quão longe chegamos, certo? O que fizemos entre o café da manhã e o almoço em qualquer dia típico hoje seria visto por nossos ancestrais como algo divino. Então, sim, vamos ver um mundo incrivelmente quase irreconhecível até 2038.
E a tecnologia a impulsionar isso será fundamentalmente a IA. A inteligência foi o que nos diferenciou como animais neste planeta. A inteligência é como construímos esta extraordinária sociedade global. E a inteligência é esta nova forma de capacidade que agora podemos aplicar a qualquer problema em um nível que é quase infinitamente escalável. Então, a IA é a mãe de todas as futuras tecnologias emergentes. Ela impulsionará a velocidade de escape da longevidade, estendendo nossa expectativa de vida saudável. Ela impulsionará novas ciências dos materiais, novas fontes de energia. Ela nos permitirá ter interface cérebro-computador. Ela permitirá educação e saúde ubíquas gratuitamente para 8 bilhões de pessoas.
Informações sobre o Rio Innovation Week 2025
- Data: 12 a 15 de agosto de 2025;
- Horário: 10:00 às 21:00;
- Local: Pier Mauá, Av. Rodrigues Alves, 10 - Praça Mauá, Rio de Janeiro;
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