Capacidade de lembrar rostos é diferencial evolutivo
Jennifer Jarett jamais esquece um rosto. Alguns anos atrás, pouco depois de se mudar para a cidade de Nova York, um de seus amigos apontou para um jovem que estava do outro lado da sala em uma festa. "Ah, eu o conheço. Estudamos hebraico juntos no quarto ano". Na época, Jarett, 38, não via o rapaz há quase duas décadas, desde que os dois eram crianças.
Em um estudo publicado em abril, cientistas da Universidade Harvard cunharam o termo 'super-reconhecimento' a fim de designar a capacidade de pessoas como Jarett para reconhecer e lembrar rostos. A capacidade do cérebro para identificar rostos varia de pessoa a pessoa. Uma pequena minoria é completamente incapaz de reconhecer os outros, e as pessoas dotadas de 'super-reconhecimento' têm talento extraordinário para isso, ocupando o extremo oposto do espectro de reconhecimento facial, disse Richard Russell, pesquisador de pós-doutorado em psicologia em Harvard e co-autor do estudo, publicado pela Psychonomic Bulletin & Review.
Russell avaliou a capacidade de reconhecimento de quatro pessoas, entre as quais Jarett, que se definiam como especialmente capacitadas a recordar rostos. Um teste envolvia reconhecer a identidade de celebridades por meio de 56 fotos tiradas antes que se tornassem famosas, ou na infância.
Outro envolvia aprender a reconhecer rostos não familiares, e depois identificá-los em meio a grupos de fotos que incluíam imagens recortadas, imagens de perfil e imagens obscurecidas por ruído visual ou neve.
Os quatro participantes tiveram 100% de acerto nos dois testes, um percentual muito superior ao de pessoas usadas como grupo de controle, constataram os pesquisadores.
"Isso sugere que nem todos nós vemos rostos da mesma maneira e não temos a mesma capacidade para isso", disse Russell. "Essa capacidade é um contínuo extenso".
Avaliar essa capacidade pode ser importante para selecionar pessoal de segurança ou determinar a confiabilidade de uma testemunha, ele diz.
O 'super-reconhecimento' parece ser a qualidade oposta da 'prosopoagnosia', ostentada por pessoas incapazes de reconhecer rostos, ocasionalmente até os de seus familiares. A palavra foi criada pela combinação de 'prosopo', o termo grego para rosto, e 'agnosia', o termo grego para ignorância. Acredita-se que cerca de 2% da população sofra dessa condição, que pode ser congênita ou causada por derrame ou lesão cerebral.
O reconhecimento facial é tanto complexo quanto essencial, diz Marlene Behrman, professora de neurociência cognitiva na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh. Behrman constatou que, na prosopoagnosia, há comprometimento das fibras estruturais que conectam sub-regiões do cérebro envolvidas em reconhecimento facial.
"Essas regiões são otimizadas para uma tarefa realmente importante -talvez a mais importante em termos evolutivos", ela diz. "É preciso distinguir entre amigos e inimigos. Isso é crucial".
Jarett, que teve o melhor resultado entre todos os participantes do estudo, reconhece facilmente as celebridades em meio a uma multidão. Caminhando pela rua, ela reconhece pessoas como Soon-Yi Previn ainda antes de perceber Woody Allen ao lado dela.
"Mesmo que não esteja procurando um rosto conhecido, percebo coisas. É como se as pessoas tivessem uma aura que me leva a olhar", ela diz, acrescentando que por muitos anos via como rudes as pessoas que não se lembravam dela depois de uma apresentação casual.
"Meus amigos brincam dizendo que persigo pessoas - lembro de tantos detalhes sobre todo mundo", ela diz. "As pessoas até estranham".