'A Origem das Espécies' ainda divide religião e ciência
Os 200 anos do nascimento do naturalista inglês Charles Darwin serão celebrados com os americanos, mais uma vez, imersos num debate que coloca em lados opostos os cristãos conservadores e os cientistas mais liberais.
Há 150 anos, Darwin, nascido em 12 de fevereiro de 1809, publicou sua obra-prima, "A Origem das Espécies", na qual defende que todos os animais e plantas sobreviveram através dos tempos graças a um processo de seleção natural.
A ideia foi acolhida pela comunidade científica para explicar a evolução e a sobrevivência do homem e dos demais animais no planeta.
Mas a aceitação da tese evolucionista - ou darwinista - nos Estados Unidos não foi tão imediata, e se chocou com a posição assumida pelos chamados criacionistas, que defendem o "desenho inteligente" e afirmam que o mundo e a humanidade foram criados há menos de dez mil anos, e que nada foi possível sem a intervenção divina.
Segundo Michael Zimmerman, da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade Butler, em Indianápolis (Indiana), nada na biologia faz sentido, a não ser que esteja calcado na evolução.
"A teoria (de Darwin) permitiu enormes avanços na medicina, na agricultura, na preservação (das espécies) e em muitas outras áreas", disse o acadêmico.
Além disso, o darwinismo é uma das teorias mais respaldadas pela ciência, e "ninguém até agora conseguiu apresentar uma alternativa à mudança evolutiva", acrescenta Zimmerman.
Segundo o especialista, "o criacionismo não tem nenhuma base científica" e "o desenho inteligente promove a ideia que a pesquisa científica deve acabar". "Isto não é ciência e ficou comprovado que está errado", afirma.
Além disso, diz Zimmerman, o criacionismo promove apenas uma religião - a cristã -, e promover essa ideia não faz sentido "de uma perspectiva religiosa" nem de uma perspectiva "científica".
Porém, os criacionistas e os promotores do "desenho inteligente" defendem a ferro e fogo sua posição, e asseguram que a evolução é uma teoria não comprovada.
Para Casey Luskin, porta-voz do Discovery Institute, que prega a ideia do "desenho inteligente", "a seleção natural e a mutação aleatória não podem produzir a complexidade que encontramos na vida".
Tampouco a biologia explica a origem dos complexos processos bioquímicos, disse.
Luskin vai além e afirma que o "desenho inteligente" não entra em conflito com a evolução e que foi aceito por muitos cientistas.
"Há certas coisas no universo e nos seres vivos que só são explicadas por uma causa inteligente, não por um processo não dirigido como a seleção natural", argumenta.
Mas o que poderia ser uma discussão filosófica chegou às escolas públicas dos EUA, onde, há mais de dez anos, os criacionistas lutam para impedir o ensino da evolução, ou pelo menos para fazer com que o darwinismo seja tratado como "uma teoria, não como um fato".
O último confronto sobre o assunto ocorreu no Texas há algumas semanas, numa audiência da Junta Educacional do estado. Na ocasião, cientistas e conservadores travaram um caloroso debate sobre uma lei proposta para obrigar os livros escolares a incluírem "as debilidades" da teoria da evolução.
Os que atacam o darwinismo contam com o apoio do governador Rick Perry. E o presidente da Junta Educacional texana é um "criacionista" que assegura que a Terra formou-se há alguns milhares de anos, e não há bilhões, como asseguram os cientistas.
Uma decisão sobre o caso só deverá ser tomada em março. Mas no estado da Louisiana, a Junta Educacional decidiu este mês que os professores terão que usar "materiais suplementares" em aulas sobre temas "polêmicos", entre os quais incluiu a evolução e o aquecimento global.
A divisão entre os americanos sobre o tema ficou patente até nas pesquisas de opinião. A última delas, realizada em junho de 2007, revelou que 49% da população acredita na evolução. Porém, 48% dos entrevistados aceitam a ideia da criação através de um "desenho inteligente".
Segundo o Instituto Gallup, essa última sondagem também mostrou as diferenças políticas em torno do assunto: dois terços dos republicanos entrevistados disseram que não concordam com a teoria de Darwin, enquanto a maioria dos democratas e políticos independentes rejeitou a ideia do criacionismo.