Filho de mãe diarista e pai peão de obra, tem cinco irmãos. Começou no jiu-jitsu, se interessou pelo taekwondo, largou, pensou no futebol, retomou o taekwondo. Em 2023, diagnosticado com um problema raro no coração, quase parou. Após cirurgia, voltou aos treinos e agora se tornou campeão mundial.
O carioca Henrique Marques conquistou uma inédita medalha de ouro no Mundial de Taekwondo, disputado em Wuxi, na China, ao vencer o representante local na categoria até 80 quilos por dois rounds a zero. Mas quem é esse atleta que superou barreiras sociais e de saúde — incluindo um problema cardíaco que quase encerrou sua carreira?
A família é do Porto das Caixas, periferia de Itaboraí, interior do Rio de Janeiro. O pedaço específico onde está o beco com a casa onde Henrique Marques foi criado se chama-se Vila Portuense. Mas, por causa de um valão próximo, que enche de esgoto quando chove, recebeu o apelido desonroso de “vale da merda”.
Se você é sensível a fortes emoções, cuidado ao vasculhar o Instagram de Henrique Marques. Na rede social do carioca você vai encontrar o vídeo junto com a mãe, caminhando pela enxurrada, carregando malas pelos becos de Itaboraí. Na ocasião, o atleta saía debaixo de chuva para disputar o campeonato mundial.
As imagens também mostram a cama furada e a geladeira, quase vazia, com uma tranca improvisada. E a panela sem comida. O texto da postagem, acachapante, homenageia a mãe Rosiane Marques, diarista de 56 anos.
Caminhada, com voadoras pelo caminho
O atleta tem cinco irmãos. Estudou em escola pública, treinava jiu-jitsu, mas de tanto assistir, vidrado, aos treinos de taekwondo, ganhou uma bolsa para pagar metade da mensalidade, R$ 25,00. Era difícil pagar.
Com o pai trabalhando em obras e a mãe nas casas das patroas, fizeram os inevitáveis corres. Em 2018, para disputar o campeonato brasileiro em Cuiabá, a mãe pediu cartão emprestado de parente para pagar metade das despesas.
Ainda em 2018, na troca de faixa, “minha mãe teve que pegar dinheiro emprestado”. Mas em 2019, um alívio: Henrique Marques entra para a seleção brasileira, com viagens custeadas.
“Mas sempre foi essa correria de pegar cartão com os outros, dinheiro emprestado para devolver em não sei qual mês”. Confira o que o atleta contou ao Visão do Corre quando foi para a Olimpíada de Paris, com trechos inéditos que publicamos agora:
Conte um pouco do lugar onde foi criado.
Nasci em Itaboraí, desde que eu nasci eu moro em Porto das Caixas. Eu morava na área mais humilde do bairro que já é humilde. A área mais pobre é conhecida como Vale da Merda. O nome correto é Vila Portuense. É um beco bem pequeno, não passa carro, muito mal passa uma moto.
Como era viver lá?
Passei dificuldade de comer, minha casa alagava quando chovia, ficava inundada, tinha que tirar com balde. O beco também alagava. Era muito difícil sair. Para não sujar o tênis, tinha que por a sacola no pé.
Pode descrever a casa?
A casa era muito humilde, três quartos, uma sala, um banheiro minúsculo, uma cozinha e telha. Quando estava sol, parecia um micro-ondas. Não tinha asfalto.
Como fazia para ajudar nas despesas?
Eu também dava meu jeito. Fazia rifa de ventilador, de chocolate, vendia na escola, na rua” - Henrique Marques, campeão mundial de taekwondo.
Sua vida melhorou com a prática do esporte?
Consigo viver do esporte, consegui sair daquela casa do beco, estou no mesmo bairro, mas moro numa casa melhor. O taekwondo me proporcionou isso.
Além da modalidade esportiva que você representa, como se vê representando sua quebrada?
Eu represento o bairro onde eu morro, minha cidade, muita gente me para na rua, fala que a medalha olímpica vai ser nossa. As pessoas olham para mim e se inspiram.
Quem você gostaria de inspirar?
Eu acho que gostaria de inspirar as pessoas que estavam no meu lugar, que não receberam crédito, que são desacreditadas, que vem da mesma linhagem, da mesma dificuldade. Pessoas que tem um futuro muito grande, mas moram num lugar muito pequeno, e que sonham.