A Homeless World Cup, ou mundial de futebol de rua, é apoiado por instituições como Fifa e Uefa. Considerado o maior campeonato de inserção social do planeta, surgiu para apoiar moradores em situação de rua. A 20ª edição será disputada entre 23 e 29 de agosto.
A jovem que aparece do outro lado da tela é Maria Lohanna Silva da Costa, 17 anos, falando direto de Abaetetuba, território quilombola do interior paraense, a 125 quilômetros de Belém. Convocada para a seleção brasileira de futebol de rua, disputará o mundial na Noruega entre 23 e 29 de agosto, na 20ª edição da Homeless World Cup.
Maria é cheia de certezas. Será jogadora ou perita criminal. Sorri, sem arrogância, quando perguntada sobre a expectativa para a competição da qual o Brasil é tricampeão. “A gente vai para ganhar, com certeza.” É a mesma certeza que a fez buscar uma escola melhor na parte urbana de Abaetetuba, onde mora há um ano e meio, com o irmão mais velho e a cunhada.
Da cidade, ela volta de barco ao “sítio” onde foi criada, duas vezes por semana, ou mais, para treinar. A comunidade quilombola, com 70 famílias, fica em uma ilha às margens do rio Arapapuzinho. “Vou para lá depois da aula, no começo da tarde. Treino, durmo na casa dos meus pais e volto no dia seguinte. Pego o barco às quatro horas da manhã; demora umas duas horas para chegar, com vento a favor.”
Maria saiu do Pará pela primeira vez
Maria fala de duas certezas que importam no momento: a convocação para a seleção e a dedicação aos estudos, neste final do ensino médio. Começa pelo futebol: “Jogo desde os seis anos no projeto Craques do Amanhã, que meus pais fundaram. Jogava com meninos no campo, junto com duas primas; sempre jogamos com eles. Jogo mais de lateral, prefiro. Chuto com a esquerda, é mais fácil de cruzar.”
A outra certeza – ser perita criminal – levará Maria ao ensino superior. “Sempre gostei de tudo que tem relação com investigação. Quando me falaram dessa profissão, ainda criança, achei incrível, e continuo achando até hoje.” As notas da escola são boas, “mas no começo tive que me adaptar; o ensino era mais puxado mesmo, mais do que na ilha, mas era exatamente o que eu queria”.
Maria nunca havia saído do Pará, mas, no início de agosto, voou de Belém para São Paulo. Está participando dos treinos preparatórios para o mundial em São Roque, no interior paulista. Juntou-se aos outros sete convocados, entre eles outra jovem, cuja história será contada pelo Visão do Corre na próxima semana. No final do mês, a seleção brasileira de futebol de rua decola para a Noruega em busca do tetra.
Maria não tem medo de avião e quer voar ainda mais alto
Maria foi escolhida entre três finalistas pelo projeto Futebol Social, que seleciona, treina e acompanha as seleções brasileiras nas edições da Homeless World Cup. Nos campeonatos de 2023 e 2024, em Abaetetuba, com as regras do futebol de rua, Maria ganhou dois jogos e perdeu dois. Na escola, no primeiro interclasses feminino, foi campeã jogando na quadra.
Sobre as regras do futebol de rua, inicialmente achou-as “estranhas”. “Como assim não pode todo o time defender? Mas fui me acostumando e achei legal, muito diferente.” Entre as regras, um jogador deve permanecer no ataque, mesmo quando seu time está sendo atacado – são três na linha e um no gol, e as equipes podem ser mistas.
Nestes dias, Maria e a equipe estão se entrosando nos treinos e sonhando alto. Por falar em altura, a lateral da seleção, diferente do músico Belchior, não tem medo de avião. Voou tranquila de Belém a São Paulo e quer voar de novo, desta vez para a Noruega. “Gosto muito de aventura; coisas novas não me assustam.”