Em estilo vídeo-arte, filme Sangue de Réptil, gravado em escola pública da zona sul de São Paulo e dirigido pelo professor Thiago Camacho, venceu prêmio no Festival MT Queer ao abordar a realidade local, histórias de vida e temas LGBT+ numa narrativa de quebrada genuína e transformadora.
No meio do vai e vem da Escola Estadual Caran Apparecido Gonçalves, próxima à lendária Estrada do M´Boi Mirim, zona sul de São Paulo, entre o barulho do sinal e as conversas pelos corredores, o professor Thiago Camacho transformou a rotina de estudantes e professores em cinema de quebrada.
O filme Sangue de Réptil, gravado exatamente no território onde o professor cresceu, vive e dá aulas, acaba de levar o prêmio de Melhor Vídeo-Arte no Festival MT Queer Premia 2025, um dos maiores festivais de cinema LGBT+ do Brasil, que homenageia produções que fortalecem a cultura da diversidade.
Cria do Jardim São Luís, periferia da Zona Sul de São Paulo, Thiago, de 37 anos, é performer, pesquisador da USP e diretor de cinema premiado internacionalmente. Ele resolveu transformar suas memórias de estudante e seu envolvimento profundo com as histórias de vida de seus alunos, em arte. Ou melhor, em vídeo-arte.
Escola é o centro da narrativa e volta à infância do professor
Em Sangue de Réptil, professores, estudantes, artistas e moradores, além de ajudar a criar e atuar nas cenas, relatam suas marcas de vida e escancaram suas urgências, expondo a realidade nua e crua das dificuldades de se estudar na quebrada. Uma vivência que afronta qualquer discurso pronto.
Mais do que uma passagem pelo tapete vermelho, a premiação de Sangue de Réptil veio para coroar uma caminhada silenciosa de muito tempo. Uma relação que começou na infância do moleque do Jardim São Luís e foi sendo redesenhada conforme a caminhada avançou.
O filme gravado na Escola Estadual Caran Apparecido Gonçalves, como parte da pesquisa de doutorado do diretor-professor, retoma os corredores que acompanharam a infância e juventude de Thiago. E faz da escola o centro da narrativa, como um lugar fundamental para a juventude da comunidade.
Professor pesquisa o tema em doutorado na USP
Thiago ousou levar a arte contemporânea e pesquisá-la dentro da escola. Sua pesquisa de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), realizada em escolas públicas da periferia da capital, investiga como a performance e o artivismo podem ajudar os estudantes a se expressar melhor e ter mais autonomia.
Uma arte questionadora que por vezes causa estranhamento, mas que ganhou força com os estudantes que se apoderaram dela para dizer o que sentem e pensam.
Em uma das cenas do filme, a provocação que revela as dificuldades: “Imagina, fazer trabalhos que revolucionam a escola? Vou dar a minha aulinha de artes, fazer o que me pedem e só. Fazer outras coisas? Tô fora”.
Filme aborda temática LGBT+ dentro da escola pública
A temática LGBT+ é abordada no filme de um jeito verdadeiro, uma das explicações para o prêmio no Festival de Cinema Queer. “Não fica dando muita pinta, não”, diz a coordenadora ao professor, mostrando como ainda é difícil ser uma pessoa LGBT+ dentro do contexto escolar.
O filme mostra as muitas camadas do dia a dia na escola pública e o sangue frio por vezes necessário para poder continuar. É aquele “engolir em seco” de quem precisa lidar com situações duras que cruzam a rotina. Mas quem é do corre vai pra cima, como o professor Thiago Camacho.
O menino que estudou nas escolas do Jardim São Luís virou professor, pesquisador, e retorna, também como cineasta, transformando a quebrada em narrativa. Essa mistura, que para ele é só a vida acontecendo, se desdobra em um filme que emociona, porque nasce de um vínculo real.