O país onde os jovens são a geração mais afetada pela solidão

As conversas sobre solidão costumam se concentrar nos idosos. Mas, segundo alguns indicadores, pessoas na faixa dos 20 anos são o grupo mais solitário do Reino Unido

20 dez 2025 - 15h37
33% dos britânicos de 16 a 29 anos relataram sentir solidão "com frequência, sempre ou às vezes", sendo a taxa mais alta entre todas as faixas etárias
33% dos britânicos de 16 a 29 anos relataram sentir solidão "com frequência, sempre ou às vezes", sendo a taxa mais alta entre todas as faixas etárias
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Foi numa noite fria de outubro de 2021 que Adam Becket diz ter vivido a sua lembrança mais marcante. Ele tinha 26 anos e havia se mudado para Bristol, na Inglaterra, um ano antes por causa do trabalho, mas tinha dificuldade para fazer amigos.

"Eu não ficava sozinho o tempo todo, mas […] era um pouco estranho", lembra.

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Ao voltar para casa naquela noite, as ruas estavam cheias de pessoas fantasiadas de monstros e gatos para as festas de Halloween.

"Eu passei por pessoas chegando à casa de seus amigos, por gente correndo para lojas para comprar cerveja. Todos os pubs estavam lotados. Era como estar em um outro mundo, do qual você não faz parte. E você sente que nunca vai fazer parte dele."

Naquela noite, ele teve a sensação de ser a única pessoa vivendo uma solidão profunda. Mas o fato é que esse sentimento vem se tornando uma característica marcante de sua geração.

As conversas sobre isolamento social costumam se concentrar nos idosos, especialmente na época do Natal. Mas, segundo alguns indicadores, pessoas na faixa dos 20 anos são hoje o grupo mais solitário do Reino Unido.

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"Eu não ficava sozinho o tempo todo, mas […] era um pouco estranho", diz Adam, cuja solidão diminuiu depois que passou a participar de grupos de corrida e ciclismo
Foto: Adam Becket / BBC News Brasil

Segundo uma pesquisa do ONS, órgão oficial de estatísticas do Reino Unido, publicada em novembro, 33% dos britânicos de 16 a 29 anos relataram sentir solidão "com frequência, sempre ou às vezes" — a taxa mais alta entre todas as faixas etárias. Entre pessoas com mais de 70 anos, 17% disseram o mesmo.

Neste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) analisou diversos estudos publicados em diferentes países e também constatou que jovens adultos e adolescentes relatam os níveis mais elevados de solidão.

Os dados são complexos, e há indícios de que, em alguns países, entre o grupo mais idoso, de pessoas com mais de 85 anos, a solidão aumenta de forma acentuada e pode se igualar à registrada entre jovens de 18 a 30 anos. Ainda assim, analistas afirmam que, na maior parte das pesquisas, os jovens adultos se destacam como um grupo particularmente isolado.

"Os adultos entre 18 e 24 anos são os que se sentem mais solitários, seguidos pelos idosos", afirma a professora Andrea Wigfield, diretora do Centro de Estudos da Solidão da Sheffield Hallam University, no Reino Unido. "É um problema crescente."

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Mas por que isso aconteceu? E existe uma solução?

O problema da 'dispersão'

Cada vez mais, especialistas afirmam que o mundo moderno é o principal responsável pelo problema.

Muitos jovens na faixa dos 20 anos vivem em casas compartilhadas nas quais não conhecem bem, ou não gostam, dos colegas de quarto. O trabalho, com frequência, passou a ser feito em casa, e o contato com os amigos muitas vezes ocorre pelas redes sociais.

Nem tudo é desolador. Graças à internet, os jovens adultos têm acesso a amizades no mundo todo. Mas, de modo geral, dizem os especialistas, a imagem de uma vida social intensa entre jovens de 20 e poucos anos, apresentada em séries como Friends, precisa de uma correção urgente.

A série de TV dos anos 1990 Friends mostra jovens na casa dos 20 anos com uma vida social intensa. Na prática, porém, para jovens adultos ouvidos pela BBC, além de acadêmicos, representantes de entidades e médicos, dizem que essa fase costuma ser marcada pela solidão
Foto: NBC Universal via Getty Images / BBC News Brasil

"Tendemos a romantizar o início da vida adulta como um período despreocupado, quando, na maioria das vezes, é o período mais miserável da vida das pessoas", afirma o professor Richard Weissbourd, docente de educação na Universidade Harvard, nos EUA.

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Em alguns aspectos, o começo da vida adulta sempre foi um período de instabilidade. Os jovens adultos tendem a sair da casa dos pais e se mudar com frequência. Os amigos partem, e os laços familiares se enfraquecem. Esses eventos de transição podem, para algumas pessoas, levar a uma profunda solidão.

"Um grande problema é a dispersão; todo mundo que você conheceu agora vive em um milhão de lugares diferentes", diz a psicóloga clínica Meg Jay, autora do livro The Twenty-Something Treatment (O Tratamento para os 20 e Poucos, em tradução livre).

Esse processo de "dispersão" se mostrou difícil para Adam Becket. Ele tinha uma vida social intensa quando morava em Londres, no início dos 20 anos, mas, após se mudar para Bristol, precisou construir novas amizades do zero.

"Além de não conhecer ninguém, eu também não sabia por onde começar a conhecer pessoas. Você não pode simplesmente se aproximar de alguém e dizer: 'Posso participar dessa diversão?'. É fácil entrar numa espiral de insegurança e autocrítica do tipo 'Eu claramente não sou interessante, nem legal, nem o tipo certo de pessoa'."

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As coisas melhoraram quando ele passou a frequentar grupos de corrida e ciclismo e conheceu pessoas com quem teve afinidade — embora diga que sua solidão ainda vai e vem.

Jogando boliche sozinho

Hoje, há também um conjunto de novos fatores e claramente modernos que podem estar agravando o problema.

Em muitas partes do mundo, as pessoas estão se casando e tendo filhos mais tarde (ou nem sequer os têm).

No Reino Unido, a idade média do primeiro casamento hoje é de 31 anos, segundo o ONS. Em 1970, essa média era de 23 anos para homens e 21 para mulheres.

Os jovens adultos tendem a depender mais dos amigos para estabelecer conexões emocionais e, quando essas relações não correspondem às expectativas, a solidão pode surgir.

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O professor Weissbourd, da Universidade Harvard, também aponta para uma fragmentação mais ampla das comunidades. Em países ricos, a participação em instituições cívicas, como igrejas, grupos comunitários ou sindicatos, vem diminuindo desde a década de 1970.

Esse fenômeno é conhecido como a tese chamada de "Jogando Boliche Sozinho" (Bowling Alone), nome inspirado em um ensaio famoso publicado em 1995 pelo cientista político Robert Putnam.

No texto, ele observou que mais jovens americanos estavam jogando boliche sozinhos, e não em grupo; um símbolo de um colapso mais amplo das relações sociais.

Pessoas na faixa dos 20 anos, que podem ter deixado a casa da infância, mas ainda não formaram sua própria família, sentem essa perda de comunidade de forma mais aguda, afirma Weissbourd.

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"Vivemos em uma sociedade cada vez mais individualista. Acho que a solidão é um sintoma da nossa incapacidade em cuidar uns dos outros."

Nos anos 1950, jovens americanos jogavam boliche em equipes; nos anos 1990, muitos passaram a jogar sozinhos, segundo ensaio de Robert Putnam
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Isso ressoa com o relato de Zeyneb, de 23 anos, que mora sozinha em Cheltenham, no Reino Unido.

Seus sentimentos de solidão atingiram o pico no ano passado, durante o mestrado. Com apenas algumas horas de aula por semana, ela teve dificuldade para criar vínculos significativos com seus colegas. E, com a família morando longe, na Romênia, hoje passa grande parte do tempo sozinha enquanto procura emprego.

"É uma sensação de solidão paralisante quando todo mundo tem suas próprias coisas para fazer."

Ela sente falta do que psicólogos chamam de um "terceiro lugar": um espaço social, como um parque ou uma biblioteca que seja diferente do "primeiro lugar" (casa) ou do "segundo lugar" (trabalho ou universidade).

"Nós realmente não temos esse tipo de espaço para conhecer pessoas", afirma.

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O mais próximo disso que ela consegue imaginar é a academia, mas, segundo conta, lá todo mundo praticamente usa fones de ouvido, e poucos fazem contato visual.

O paradoxo das casas compartilhadas nas cidades

Há ainda o aumento do trabalho remoto após a pandemia.

Embora os jovens adultos no Reino Unido trabalhem de casa com menos frequência do que gerações mais velhas — 28% das pessoas de 16 a 29 anos trabalharam em casa pelo menos parte do tempo no primeiro trimestre de 2025, ante 54% das pessoas de 30 a 49 anos, segundo um estudo —, o trabalho remoto pode afetar de forma especialmente dura quem está na faixa dos 20 anos.

"Trabalhar em casa tem sido, na minha opinião, um pesadelo para quem tem vinte e poucos anos", afirma a psicóloga Meg Jay. "É muito difícil fazer amigos quando você não sai de casa."

Nem mesmo a moradia compartilhada resolve sempre o problema.

Há aqui um certo paradoxo, já que jovens adultos são os que têm mais probabilidade de morar com outras pessoas. Na Inglaterra e no País de Gales, que fazem parte do Reino Unido, apenas 5% das pessoas no início dos 20 anos vivem sozinhas, contra 49% entre aquelas com mais de 85 anos, segundo o ONS.

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Ainda assim, viver sob o mesmo teto que outras pessoas nem sempre parece tornar os jovens adultos menos solitários.

"Algumas das minhas piores lembranças dos 20 anos foram de ter que morar com pessoas de quem eu não gostava", recorda Jay. "Se eu estava passando por um momento difícil, elas não se importavam, estavam ocupadas demais consigo mesmas."

É claro que isso não acontece em todas as casas compartilhadas, mas, segundo ela, conviver com alguém emocionalmente distante pode deixar as pessoas "ainda mais solitárias" do que se morassem sozinhas.

'Comparar e se desesperar' em smartphones

Tudo isso é agravado pelos smartphones e pelas redes sociais. Neste ano, os britânicos de 18 a 24 anos passaram, em média, seis horas e 20 minutos por dia online, segundo o Ofcom, órgão regulador da mídia no Reino Unido. Um tempo maior do que o registrado por outras faixas etárias adultas.

Alguns poderiam supor que aplicativos como Instagram e Snapchat contribuem para a solidão por estimularem interações online em vez de encontros presenciais, mas os dados não sustentam essa relação de forma clara.

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O que é certo, dizem alguns especialistas, é que as redes sociais amplificam sentimentos de solidão já existentes, por causa do que a psicóloga Meg Jay chama de 'comparar e se desesperar'.

"Você fica pensando: 'Todo mundo parece ter melhores amigos e estão todos saltando de paraquedas em Dubai, o que há de errado comigo? E se eu não vi ninguém o fim de semana inteiro?'."

Os britânicos de 18 a 24 anos passaram, em média, seis horas e 20 minutos por dia online, segundo o Ofcom, órgão regulador da mídia no Reino Unido
Foto: Robert Alexander / Getty Images / BBC News Brasil

Ainda assim, é possível que vieses de relato também estejam influenciando os resultados.

Estudos sobre solidão se baseiam, em sua maioria, em questionários de autorrelato (ou seja, as pessoas são simplesmente perguntadas se se sentem solitárias).

O professor Weissbourd, da Universidade Harvard, afirma que é plausível que jovens adultos, que tendem a ter mais familiaridade com a linguagem da saúde mental e da terapia, sejam mais propensos do que pessoas mais velhas a se descreverem como solitários em questionários.

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Ele avalia que esses vieses de relato podem explicar "uma parte" do quebra-cabeça, mas certamente não o quadro completo.

A professora Andrea Wigfield, da Sheffield Hallam University, também considera que o alto nível de solidão entre jovens adultos é um fenômeno real, e não uma miragem estatística.

A 'loteria' da prescrição social

No início, a história de David Gradon era bastante comum. No fim dos seus 20 anos, seus amigos se mudaram de Londres.

"Meu círculo social encolheu muito", lembra, e ele passou a apresentar sintomas de depressão. Foi um conselheiro do NHS, o sistema público de saúde do Reino Unido, quem sugeriu que o problema poderia ser solidão.

Ele tentou conhecer pessoas por aplicativos de namoro (uma ideia "terrível"), e se inscreveu em um clube do esporte tag rugby, mas machucou a perna já no primeiro treino. Cada vez mais desanimado, decidiu organizar uma caminhada em um parque por meio das redes sociais.

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Em um dia de outono de 2021, Gradon e 11 desconhecidos se encontraram no parque Hampstead Heath, no norte de Londres.

Ele organizou outras caminhadas e, com o tempo, a iniciativa se transformou em seu trabalho em tempo integral. Hoje, ele comanda o The Great Friendship Project (Projeto da Grande Amizade, em tradução livre), um grupo sem fins lucrativos criado para combater a solidão entre jovens adultos, que promove eventos sociais para pessoas com menos de 35 anos em Londres.

"Todo mundo está no mesmo barco. E isso, na prática, derruba barreiras. Porque você sabe que não vai ser julgado", explica.

Clubes juvenis financiados por conselhos locais funcionam em todo o país. A maioria é voltada para adolescentes e crianças, mas Laura Cunliffe-Hall, diretora de políticas da entidade beneficente UK Youth, defende a criação de mais clubes para pessoas na faixa dos 20 anos. De acordo com ela, o trabalho com jovens deveria atender a todos até os 25 anos.

Segundo Cunliffe-Hall, o financiamento é o principal obstáculo. Os gastos das autoridades locais com serviços para jovens na Inglaterra caíram 73% entre 2010/11 e 2023/24, de acordo com a entidade YMCA.

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Há quem argumente que investir em serviços voltados à amizade pode gerar economia no longo prazo, já que as consequências para a saúde da solidão prolongada podem ser graves.

A professora Wigfield afirma que a solidão crônica está associada a processos inflamatórios e pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares e demência na terceira idade.

Nos últimos anos, o sistema público de saúde do Reino Unido (NHS) investiu em social prescribing (prescrição social, em tradução livre), modelo no qual clínicos gerais encaminham pacientes com determinados problemas de saúde mental para serviços oferecidos por entidades beneficentes em suas regiões, como aulas de arte ou jardinagem.

Um estudo recente revelou que mais de um milhão de pessoas (de todas as idades) foram encaminhadas a serviços de prescrição social do NHS em 2023.

Mas Wigfield avalia que a infraestrutura ainda é desigual. "Isso realmente vira uma loteria, dependendo de onde você mora [e] de o clínico geral ter ou não conhecimento dos serviços locais", afirma.

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Praticamente todos os participantes vão sozinhos, o que faz com que todos estejam "no mesmo barco", afirma David Gradon, do The Great Friendship Project
Foto: The Great Friendship Project / BBC News Brasil

Olhando para a próxima década, a psicóloga Meg Jay vê sinais de esperança.

Por exemplo, ela acredita que o trabalho remoto "perdeu parte de seu encanto" entre pessoas na faixa de vinte e poucos anos. (Neste ano, várias grandes empresas, entre elas Barclays e WPP, pediram que os funcionários passassem mais tempo no escritório.)

Jay também observa que algumas figuras de grande visibilidade vêm se afastando das redes sociais, embora ressalte que ainda há poucas evidências de uma queda significativa no uso entre jovens adultos.

"Eu adoraria ver uma reação mais forte contra [as redes sociais], mas elas estão literalmente nos nossos bolsos", acrescenta.

Há também quem encontre solução para a solidão em lugares inesperados. Para Zeyneb, o melhor antídoto contra o isolamento social foi adotar uma gata preta chamada Olive.

"Ela é muito carinhosa", diz Zeyneb. "Ela sabe quando eu preciso de um tempo com ela. Sem ela, eu teria me sentido muito mais sozinha."

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