Paternidade: o antídoto contra o machismo

10 ago 2025 - 04h59
Paternidade
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Qual o segredo para ser um pai presente, responsável e, ao mesmo tempo, não sobrecarregar a minha esposa com as tarefas domésticas? 

Numa dessas conversas difíceis de casal fui impactado com a frase “você está me sobrecarregando, cara!” Meu mundo interior desabou. Toda fortaleza que eu construí ao redor da paternidade estava ruindo bem diante dos meus olhos, e rolando pelo rosto de quem eu escolhi viver ao meu lado pelo resto da vida. 

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Segurei firme as lágrimas, não porque acho que homem não pode chorar, mas porque entendi que o momento era de acolher a dor do outro, e tudo o que consegui dizer foi “prometo melhorar, amor!” 

A sobrecarga da minha esposa não é mero acaso, já que as mulheres dedicam, em média, quase o dobro de tempo que os homens em tarefas domésticas, segundo o relatório “Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”, do IBGE, divulgado em 2024. Ter tocado essa realidade quase inviolável me levou a refletir sobre todo o período de paternidade que, neste mês de agosto completou 3 anos, e resgatar na memória quantas vezes eu disse a frase "ainda que eu seja um pai presente, minha esposa se sobrecarrega". 

Mas essa fala carregada de machismo sempre foi mais sobre uma autoanálise do lugar de um bom pai, do que uma reflexão de que o outro está sobrecarregado. Devo admitir, que sempre foi mais um “tapinha” nas minhas costas e uma provocação aos pais que abandonam suas famílias, do que o reconhecimento do esforço de uma mãe sobrecarregada pelas tarefas do lar. Também concordo que demorei, mas agora entendi tudo! 

A discussão interna provocada pela culpa de sobrecarregar minha esposa, me levou a problematizar uma paternidade, aparentemente, resolvida e colocar em xeque minha masculinidade. Sim, estou relativizando a paternidade e usando a minha masculinidade como argumento para ampliar o debate entre meu ego ferido e a consciência recém-adquirida sobre um pai padrão (em desconstrução) que me tornei. 

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Veja bem: não quero ser o dono da verdade, mas depois desse conflito interno, me ocorreu pensar que esse tempo todo meu quadro de “pai do mês”, fixado na parede do meu imaginário, foi uma recompensa dada por mim mesmo. Enquanto isso, para minha esposa, eu estava sendo um apenas um pai, que consegue dar banho, comida, levar ou buscar na creche – nunca as duas coisas no mesmo dia –  e pentear o cabelo cacheado da própria filha. Entende a complexidade?

Em algum lugar, que pode ser chamado de autocomplacência, comodismo ou conforto amparado nas verdades e convenções sociais, eu me perdi. E me perdi tentando ser um ótimo pai, confesso. Mas deixei de ser o marido que lava a louça depois do jantar, que se preocupa com o lixo acumulado do banheiro ou com a roupa secando no varal há dois dias. O paizão do mês cheio de amor e cuidado com a filha, ganhou do companheiro que se importava em não sobrecarregar a esposa. 

A essa altura do campeonato você pode estar pensando “cara, você está fazendo um monte de coisa. Trabalhando, estudando e cuidando da sua filha. Calma. Se cobra menos, meu camarada!”. Mas acreditar nessa verdade, me transformou em um macho alfa, que trabalha para pagar as contas e o tempo que sobra é para ser pai, ou seja, o tempo que resta é para si. Porque, para mim, paternidade é uma jornada solitária e cheia de tropeços com o machismo me esperando para entregar uma medalha de honra ao mérito no final do dia. Mas a boa notícia, é que dá para reverter isso!

Na minha opinião, a problematização da paternidade está no distanciamento que essa responsabilidade me impõe. Minha experiência mostra, que abandonar a skin marido companheiro interessado nas tarefas domésticas e passar a praticar a paternidade, foi um processo quase natural. Talvez esse seja um grande exemplo de que homem não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo, certo? Errado!

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Acreditar nisso, também me deixou em um lugar confortável que, quase sempre, coloca o outro sem conseguir escolher. Por exemplo, minha esposa não tem escolha: ou ela recolhe a roupa do varal e cuida da nossa filha (tudo ao mesmo tempo), ou ninguém vai fazer isso por ela. Nem eu! Isso porque, o machismo me fez e faz acreditar que sou suficientemente bom pai e isso basta. 

O importante aqui, não é justificar meus abandonos ou assinar um recibo de culpado. É conseguir repensar a paternidade como uma oportunidade para combater o machismo e, de quebra, refletir sobre caminhos para ser pai sem abandonar a persona marido. Meu desejo é que a paternidade seja encarada como parte de um processo de transformação, e não o fim do relacionamento de duas pessoas que prometeram ficar juntas na doença, na pobreza ou até que a morte as separe. Bom recomeço para você também!

Fonte: Terra
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