A definição dos indicadores da Meta Global de Adaptação, que serão usados para medir o avanço da adaptação climática, é uma das grandes promessas da COP30, que ocorre em Belém, no Pará. No momento, as partes debatem nas salas de negociação os 100 indicadores da meta, e a expectativa era de que um texto inicial de consenso fosse divulgado ainda nesta quarta-feira, 19. No entanto, fontes relataram ao Terra que as negociações entre os países seguem atravancadas.
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A ideia de se criar uma Meta Global de Adaptação (GGA), Global Goal on Adaptation, na sigla em inglês) não é de agora, e a questão vem se arrastando ao longo dos anos. Ela foi introduzida a partir do artigo 7 do Acordo de Paris, assinado há 10 anos. O que se espera é que, por meio de indicadores, sejam estabelecidas métricas globais que avaliar como os países estão se adaptando à crise climática.
Foi apenas oito anos depois, na COP28, em Dubai, em 2023, que a questão teve destaque na decisão de capa (cover decision) da edição. Na COP29 não ocorreram grandes avanços, e agora tudo está sendo retomado em Belém.
Em entrevista ao Terra, Thaynah Gutierrez, assessora internacional de clima do Geledes - Instituto da Mulher Negra, explicou que a partir da COP28 foi criado um grupo de trabalho de dois anos para definir o direcionamento das metas de adaptação. No início chegaram a ser considerados 9 mil indicadores, que depois foram reduzidos em 5 mil, até chegar na atual lista de 100 – síntese que contou com trabalhos de especialistas de todo o mundo.
Os indicadores não têm como intuito apenas avaliar o estado dos países, mas também dar um horizonte de como alcançar o que se tem como meta de adaptação em cada um dos tópicos. Há indicadores sobre saúde, saneamento básico, infraestrutura, segurança alimentar, cultura e patrimônio e sociobiodiversidade, por exemplo. Entre as questões avaliadas estão: quanto financiamento está destinado a estratégias de adaptação, quantos sistemas de saúde adaptados o país possui e qual é o nível de cobertura de água potável.
E tudo isso é bem recente. Na Conferência de Bonn, que aconteceu em junho deste ano – reunião que acontece anualmente para alinhar o diálogo das negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) como um preparatório para a próxima COP – os indicadores estavam em 250. Foi determinado que era preciso que tudo fosse reduzido a 100, e assim foi feito.
Agora, na COP30, os 100 tópicos estão em debate, para serem oficializados. Mas, com os entraves de países, a articulação segue intensa.
Entenda os principais entraves, conforme adianta Thaynah:
- O Grupo Africano, que representa 54 países do continente, e que tem apoio dos países árabes, diz que ainda não está pronto para adotar os 100 indicadores, e aponta que há muitos problemas políticos em torno deles. Em contrapartida, querem estender o trabalho técnico de elaboração e estudo de viabilidade dos indicadores para 2027;
- Questões sobre o caminho de implementação do que é levantado nos indicadores levam a outro tópico, o mais sensível em meio a todas as negociações: financiamento. O grupo G77, bloco com 134 países em desenvolvimento (incluindo o Brasil), traz o argumento de que não tem como implementar esses indicadores sem dinheiro.
“Boa parte dos países não têm capacidade nacional para fazer o indicador ser implementado. Não tem capacidade de coletar dados, não tem capacidade de construir plataforma de metadados. E, por isso, tem dificuldade para fazer os indicadores serem implementados”, explica a assessora internacional de clima do Geledes.
Assim, enquanto parte dos países poderiam começar os trabalhos em torno dos indicadores de adaptação o quanto antes com recursos próprios, outros não. E, nisso, segue em aberto: como será feito o investimento para os que precisam de recursos extras?
O que está traçado é que serão precisos 120 bilhões de dólares para a implementação da agenda de adaptação como um todo, a serem direcionados a países prioritários (como o grupo africano, grupo árabe, ilhas pequenas).
- Além disso, não há consenso sobre a redação dos 100 indicadores, em si. Não há acordo nem sobre quantos indicadores serão daqui para frente, nem de quais serão mantidos, nem de quais serão retirados, até o que se viu no início desta quarta. “Alguns dos indicadores que foram solicitados para serem retirados pelo grupo árabe, pelo grupo africano, países do norte global querem que sejam mantidos. Há muitos impasses”, explica a articuladora ao Terra.
A expectativa dos bastidores era de que o texto fosse liberado ainda nesta quarta-feira, 19. Mesmo que não o texto final – mas ainda com colchetes (brackts), que já é um texto mais estruturado, mas com destaques a partes que não foram decididas por completo. Agora, segundo circulam nos bastidores das negociações, a presidência da COP articula com as partes em busca de caminhos para que todos cheguem em um consenso.
“A lista de indicadores aprovada nos dá o caminho de conseguir olhar para o Plano Nacional de Adaptação de cada um dos países e conseguir enxergar um horizonte de implementação”, explica Thaynah, que evidencia que tem gente morrendo devido à falta de políticas de adaptação à crise climática. E que esse é um assunto urgente.
O que está em jogo na COP30?
Muito segue em articulado, em muitas frentes, nesta reta final da COP30. O principal objetivo da Conferência é determinar compromissos que guiarão as ações dos países em combate à crise climática, e isso é destrinchado em algumas frentes principais. Mesmo assim, muito segue em aberto e deve vir à tona com maior precisão nas próximas horas.
Conforme últimas indicações da presidência da COP30, o que se espera é que seja entregue o “Pacote de Belém” até sexta-feira, 21. Mas André Corrêa do Lago, o presidente da edição, tem pressionado as delegações para que sigam em esquema de força-tarefa para que uma parte do consolidado seja oficializado ainda nesta quarta-feira, 19.
Ainda não está claro de que forma, especificamente, serão essas entregas. Há possibilidade de que esse pacote substitua a Decisão de Capa (cover decision), recurso tradicional utilizado para sintetizar resultados gerais em cúpulas complexas e que é “bancado” pelo país que preside a COP.
É importante destrinchar que há três frentes principais em jogo:
A primeira diz respeito ao que faz parte da agenda oficial da negociação, que são os temas mandatados. Eles são destrinchados em dezenas de tópicos, debatidos um a um em reuniões a portas fechadas com as delegações. Até que, com total consenso, cada item passa a ter um texto final a ser aprovado em plenária.
Esses temas fazem parte de grandes blocos de assuntos que foram trazidos à tona no "esquenta da COP", nas Reuniões de Bonn (Alemanha), como:
- JTWP (‘Just Transition Work Programme’, o Programa de Trabalho para uma Transição Justa);
- GST (‘Global Stocktake’, o Balanço Global, avaliação periódica sobre o andar do Acordo de Paris);
- GGA (‘Global Goal on Adaptation’, a Meta Global de Adaptação);
- MWP (‘Mitigation Work Programme’, o Programa de Trabalho de Mitigação);
- E artigos 9.5 e 2.1 do Acordo de Paris (que dizem respeito a questões financeiras).
Depois, em paralelo, há quatro temas que não fazem parte da agenda oficial da COP30, mas que foram acordados entre os países para que não ficassem de fora da edição da conferência. São temas espinhosos:
- Provisão de Financiamento Norte para o Sul. Referente ao artigo 9.1 do Acordo de Paris: "Países desenvolvidos Partes devem fornecer recursos financeiros para auxiliar os países em desenvolvimento Partes, no que diz respeito tanto à mitigação quanto à adaptação na continuação das suas obrigações no âmbito da Convenção";
- Medidas unilaterais de clima que impactam o comércio;
- Relatórios de transparência das Partes;
- Insuficiência das metas climáticas, as Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs), que somam 118 entregas até o momento.
E, por fim, há as articulações em torno do ‘mapa do caminho’, para que seja traçada uma rota para uma transição do mundo para longe dos combustíveis fósseis de forma justa. Esse é o movimento que foi puxado por Lula, e que está sendo acolhido por Partes na COP30. Por também não fazer parte do escopo “oficial” da Conferência, segue em aberto como isso será entregue -- e se será entregue.
*A repórter Beatriz Araujo viajou a Belém com apoio do ClimaInfo