O chef Saulo Jennings recusou o convite para cozinhar um menu 100% vegano para o príncipe William durante evento no Brasil, justificando sua decisão como uma questão de coerência com a preservação da identidade da culinária amazônica, que defende e representa.
Referência em culinária do Norte do Brasil, Saulo Jennings afirmou ao Terra que optou por não cozinhar para o príncipe William para não ter que abrir mão dos ingredientes identitários da sua culinária. O chef paraense afirmou que recusou criar um cardápio 100% vegano para o príncipe de Gales, que estará no Brasil em novembro para o Prêmio Earthshot Prize 2025, no Rio de Janeiro. No entanto, a organização da premiação alega que não houve nenhuma exigência do herdeiro do trono britânico e que o profissional teve o orçamento considerado muito alto.
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"É sempre uma honra poder representar o Brasil num evento de escala internacional. Tenho muito respeito pelo trabalho que o príncipe vem fazendo em temas ambientais. Mas a empolgação maior, para mim, era poder mostrar a nossa gastronomia. E isso é algo que pretendo seguir fazendo, em qualquer mesa do mundo que eu possa servir a minha cultura", explicou.
Jennings tornou-se referência em gastronomia amazônica ao longo de seus 16 anos de atuação como chef. No ano passado, ele foi eleito para o cargo de Embaixador do Turismo Gastronômico da Organização das Nações Unidas (ONU).
"Foi uma decisão de coerência e respeito, tanto ao meu trabalho quanto ao evento. Eu não tenho problema algum com menus veganos, inclusive já servi opções assim em várias ocasiões e há 16 anos temos opções e versões no restaurante. Mas me convidaram para representar a Amazônia. E a Amazônia é sobre gente, rio e floresta em uma grande combinação de tudo isso. Adaptar completamente o cardápio perde essa identidade. Prefiro ser coerente com o que acredito e abrir espaço para quem tem uma cozinha mais afinada com essa proposta", acrescentou.
O paraense é um dos nomes à frente da organização da programação gastronômica da COP30. O evento esteve envolvido em uma polêmica em agosto deste ano depois que a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) publicou um edital proibindo alimentos típicos da região Norte, como açaí, tacacá e maniçoba. A decisão foi revogada após uma articulação entre chefes de cozinha.
De acordo com o chef paraense, ele chegou a sugerir que o prato principal para o príncipe de Gales e seus 700 convidados fosse vegano, mas que houvesse espaço para pratos com peixe, por exemplo. No entanto, ele afirmou que a sugestão não foi acatada.
"Eu já estava desenvolvendo um menu com base no que represento: a cozinha amazônica, que tem nos peixes seus símbolos mais fortes. Mas quando veio a orientação de que o jantar deveria ser 100 % vegano, percebi que o sentido do convite se perdia um pouco porque eu teria que deixar de lado ingredientes que são identitários da minha cozinha. Então decidi não seguir, com respeito, entendendo que outro profissional poderia atender melhor à proposta do evento", disse.
Jennings é dono da Casa do Saulo, referência em gastronomia do Norte com matriz no Pará e filiais operantes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nascido em Santarém (PA), ele define sua comida como tapajônica, paraense e amazônica.
Para o chef, a culinária da Amazônia ainda é mal compreendida e o manejo sustentável de peixes é uma das principais formas de gerar renda para as populações ribeirinhas do bioma. Por isso, ele faz questão de manter os ingredientes tradicionais que carrega consigo ao longo da vida.
"Boa parte do Brasil a enxerga apenas como reserva de fauna e flora. Há quem imagine que sustentabilidade signifique excluir o pescado, quando, na verdade, o manejo sustentável do peixe é uma das formas mais importantes de preservar o território e gerar renda para as comunidades ribeirinhas. Então, mais do que um embate, eu vejo como uma oportunidade para ampliar o diálogo sobre o que é, de fato, comer de forma responsável", afirmou.
Após a recusa de Jennings, a chef carioca Tati Lund, do Org Bistrô, terá a missão de cozinhar para o príncipe de Gales. O restaurante de Tati foi eleito no Rio Show de Gastronomia como o terceiro melhor vegetariano do Rio.