Uma das maiores artistas da região Norte do Brasil, Gaby Amarantos tem levado a música e a cultura do Pará para o mundo há mais de 20 anos. Mais recentemente, com o lançamento do álbum Rock Doido, a cantora mostrou que está pronta para relembrar, quantas vezes forem necessárias, que a música paraense é um patrimônio à parte no País.
- Esta reportagem integra a série de reportagem Filhas do Pará, que conta a história de grandes artistas paraenses (Gaby Amarantos e Zaynara), que exaltam a força da região.
E a divulgação do seu novo álbum de estúdio não poderia ter vindo em melhor hora. A artista tem ganhado destaque em meio à Conferência das Partes (COP30), que será realizada em Belém, no Pará, Estado de origem da cantora. O principal evento global sobre mudanças climáticas ocorre entre os dias 10 e 21 de novembro.
"O Rock Doido é um movimento musical que já acontece no Pará faz um tempo, e a gente traduziu através de um álbum lindo e de um filme em plano-sequência gravado todo de celular. Tem quase 22 minutos gravados na periferia de Belém com um elenco gigante, com quase 300 pessoas envolvidas. É muito eletrizante, impactante e envolvente, e traz essa cultura nossa nortista. E faz o Brasil aprender, é quase que uma aula", contou em entrevista ao Terra.
'COP é do Brasil'
Com uma voz única e uma energia contagiante, a ganhadora do Grammy Latino 2023, na categoria ‘Melhor Álbum de Música Regional ou de Raízes Brasileiras’, teve um importante papel na difusão do tecnobrega --ritmo tradicional do Pará que mistura a música brega com batidas eletrônicas. Mas, o seu orgulho por sua terra natal vai muito além da sua música. Ela, que critica a "visão sudestecentrica do Brasil", faz questão de provar que nesse País cosmopolita há um "continente dentro do Norte" e "um país dentro do Pará".
Segundo ela, foi preciso 'gritar' para que o Brasil e o mundo pudessem olhar para o Pará, bem como para todas as coisas boas criadas e produzidas pelo segundo maior Estado brasileiro em extensão territorial. E a própria COP30 provou isso. Para Gaby Amarantos, a escolha de Belém como a capital do evento foi assertiva, especialmente para que o mundo conheça a Amazônia em sua essência. A cantora destacou, no entanto, que o Pará tem sido alvo de xenofobia.
"Acho muito importante também a gente falar que esse nosso desejo de lançar o Rock Doido agora foi muito por conta da ver na mídia algumas pessoas xenofóbicas com a gente que é do Norte. Disseram que a gente não ia conseguir fazer a COP, que Belém não era pra ter sido escolhida, que não era pra ser no Norte, que a gente não tem estrutura" -- Gaby Amarantos
Gaby ressaltou que a COP não é só do Pará e da região Norte, mas do Brasil como um todo, e que o evento é uma oportunidade para dar mais visibilidade à cultura paraense e amazônica.
"O nosso povo vai entregar muito, porque a COP é do Brasil. Eu estou muito feliz desse momento estar acontecendo pra gente poder dar visibilidade e mostrar mais a nossa cultura. Você não sabe nada sobre a música do Pará? Você não sabe nada sobre aparelhagem? Vem pra cá, vem aqui que eu vou te mostrar um negócio", brincou.
Talento descoberto em um karaokê
Gabriela Amaral dos Santos nasceu em 1º de agosto de 1978 em Jurunas, na periferia da capital paraense. O nome da cantora foi uma homenagem à novela de Jorge Amado, Gabriela, personagem interpretada por Sônia Braga, enquanto o sobrenome artístico é a junção de Amaral + Santos = Amarantos.
A música, no entanto, nunca foi a principal opção de carreira da paraense. Quando criança, Gaby sonhava em ser professora e até chegou a cogitar a possibilidade de ser freira, por ter uma forte ligação com a Igreja Católica. E foi cantando durante as missas de um templo do seu bairro que sua voz se popularizou.
“Eu fazia parte da igreja e eu era de vários grupos, sempre muito animada. Daí um dia teve um karaokê para ganhar uma caixa de bombom e era preciso escolher um membro de cada grupo para cantar uma música. Fui escolhida, disseram que eu tinha uma voz boa e eu comecei a cantar nas missas. Depois comecei a ser convidada para integrar bandas, mas eu dizia que queria cantar para Jesus. Eu queria ser a Gabriela Mercury”, brincou em conversa com a apresentadora Fátima Bernades, no programa Encontro, em 2017.
Aos poucos, as artes foram entrando na vida de Gaby. Ela fez cursos de teatro e depois de dança, onde passou a praticar e ensinar coreografias para pessoas da região onde morava.
De Gal Costa a Reginaldo Rossi, Gaby cultivou ao longo da vida diversas referências musicais, até conseguir adaptar seu próprio estilo dentro do tecnobrega. “Eu morei em um bairro que era o berço do tecnobrega, é um ritmo que eu sempre ouvi por osmose. Eu cresci ouvindo vários artistas, mas sempre gostei muito do tecnobrega. Lancei meu primeiro CD com muita sonoridade da música paraense”, disse.
Em 2012, Gaby lançou seu primeiro álbum solo, Treme, que incluía sucessos como ‘Ex Mai Love’ e ‘Xirley’. Na época, 'Ex Mai Love' ficou conhecida nacionalmente - e garantiu à carreira de Gaby um enorme salto - por ter sido escolhido como tema de abertura da novela Cheias de Charme (2012), da Rede Globo.
Mas não é só a voz da paraense que impressiona pessoas mundo afora. O estilo de Gaby Amarantos é marcado por roupas coloridas, cílios alongados, extensão capilares e acessórios diferentes.
A artista também ganhou destaque na televisão brasileira como técnica do The Voice Kids (2021) e do The Voice Brasil (2022). Gaby chegou a ocupar uma cadeira no Saia Justa (2018 - 2022), do canal GNT, e interpretou a personagem Emília, na novela Além da Ilusão (2022).
Em 2023, Gaby coroou todo o seu sucesso com a conquista do Grammy. “Eu sou a CEO da minha empresa, quero agradecer a Deus e a minha família, a todo o povo de Belém do Pará. Recebendo e reconhecendo essa música como de raízes brasileiras, viva o tecnobrega! Viva a música brasileira produzida no Pará, Amazônia, Brasil!”, disse em um discurso em espanhol e português.
Apego à família
A cantora sempre fez questão de destacar seu pai como um exemplo a ser seguido. Ela já relatou anteriormente que o senhor Conrado dos Santos sustentou a família por meio do cultivo e da venda de açaí. “Pra mim ele sempre foi exemplo de família”, afirmou.
Exemplo este que ela leva consigo até os dias de hoje. Ela é mãe de Davi, de 15 anos, e ao lado da irmã Gabriele, ela cria as sobrinhas Adriele, de 18 anos, e Ana Vitória, de 8 anos.
Legado para Belém
Agora, a cantora se prepara para performar no Global Citizen Festival: Amazônia, que será realizado no dia 1º de novembro, no estádio do Mangueirão, em Belém. Além de Gaby, estarão presentes também Chris Martin (vocalista do Coldplay), Anitta, Seu Jorge e Gilberto Gil.
Durante a apresentação, a artista planeja recriar o plano-sequência do filme Rock Doido, feito especialmente para o novo álbum e produzido com um celular. O longa-metragem foi gravado em uma periferia de Belém e teve direção de Naré e Guilherme Takshy, do coletivo Altar Sonoro.
Em relação às expectativas sobre o legado que a Conferência das Partes deixará para o seu Estado, Gaby afirmou que muitas reflexões já estão ocorrendo com os preparativos para receber a conferência e que isto será positivo para a região.
"Eu tenho muita certeza de que a COP deixará um legado positivo. Acho que é muito importante a gente perceber também que a COP é um lugar para se fazer protestos, manifestos, performances e, claro, para se discutir sobre o clima. Então, acho que tudo tem que ser abraçado e incorporado, para que todas as pessoas possam ser ouvidas. É preciso que a gente pense também na periferia, porque o evento vai acontecer no centro da cidade, mas é preciso reverberar isso para a periferia."
* Essa reportagem foi produzida como parte da Climate Change Media Partnership 2025, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network, da Internews, e pelo Stanley Center for Peace and Security.