Preocupante. É o que repetiu algumas vezes um “peão” que está trabalhando na Zona Azul da COP30, em Belém, em relação às obras atrasadas que deixaram a experiência de entrada para a Cúpula do Clima com cheiro de serragem e ao toque de sons de ferramentas em ação. A área é voltada a pessoas credenciadas --incluindo líderes de estado, delegações e imprensa, e será palco das negociações climáticas globais a partir de segunda-feira, 10. Ao Terra, ele contou bastidores sobre a situação, que era para estar resolvida. Procurada pela reportagem, a organização nega atrasos.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
Jorge* (nome fictício, para preservar sua identidade) explicou que há três turnos para a obra, assim como para outros serviços de carregamento no evento. No início das obras, os patrões das terceirizadas perguntavam se o funcionário queria ‘virar’ o turno --ou seja, dobrar a jornada de trabalho. Muitos concordavam para fazer uma graninha extra.
“Quem não quer ganhar mais? Mas agora a ONU proibiu dobrar turno. Não deixam mais. Agora o patrão nem pode perguntar para o trabalhador se ele quer fazer isso, é proibido”, contou Jorge.
Os profissionais são contratados por empresas terceirizadas e recebem R$ 105 pela diária. A título de exemplo: se o trabalhador iniciou na atividade quinta-feira, 6, início da Cúpula do Clima, e seguir até o dia 21, no encerramento da COP 30, trabalhando um turno por dia serão 16 dias ininterruptos de trabalho, o que resultaria em um pagamento de R$ 1.680 --valor superior a um salário mínimo, atualmente fixado nacionalmente em R$ 1.518.
Quando a diária era dobrada, o pagamento era de R$ 150 para o turno extra: o que totalizava R$ 255 de ganho por dia.
Para burlar a proibição da 'jornada dupla', há quem trabalhe para mais de uma empresa ---visto que são várias as terceirizadas que tocam juntas a grande obra, que é repleta de frentes. Além disso, o trabalhador que opta por comparecer ou não. Se for para a diária, recebe. Se não, sem pagamento.
O dinheiro foi o que motivou Jorge a aceitar esse trabalho. “Aqui estava pagando melhor, aí vim pra cá”, disse ele, que trabalha de forma autônoma. Por mais que seja um momento tenso devido à situação, o ambiente de trabalho segue tranquilo.
“Na verdade era para estar tudo entregue até quinta-feira [dia 7, início da Cúpula do Clima]. Era o prazo, Então é muito preocupante. Os patrões e os setores de logística estão bem preocupados com isso. Têm que estar 99% feito até segunda-feira”, conta, com base nos direcionamentos internos.
Quatro meses de trabalho não foram suficientes para entregar a Zona Azul totalmente pronta para a Cúpula --o que se espera que aconteça até segunda, quando efetivamente tem início a COP30. A área conta com 500 mil m² e com pavilhões, espaços destinados a escritórios das delegações, diversas salas de reuniões, banheiros, centro de mídia e áreas voltadas à imprensa, plenárias e, ao fundo, uma área restrita voltada ao público "vip", as delegações oficiais.
O problema está na obra dos pavilhões, que ficam logo na entrada e transmitiram uma primeira impressão de ‘jeitinho brasileiro’ durante a Cúpula do Clima, quinta e sexta, que reuniu lideranças internacionais. A pressão é para que isso não se repita na abertura da COP, que deve atrair cerca de 50 mil pessoas para a capital do Pará –e, temporariamente, do Brasil.
Jorge pontua que o que falta agora são mais os detalhes, pois a maior parte das estruturas já estão montadas. Mesmo assim, a impressão é de que ainda há muito a ser feito considerando o fluxo de trabalhadores empenhados na área e circulando com capacetes e coletes refletivos em meio aos participantes da Cúpula.
Após a repercussão do atraso das obras, seguranças próximos à região dos pavilhões proíbem que credenciados tirem fotos do ambiente inacabado.
O Terra buscou a assessoria da COP30 para comentar o assunto. Segundo eles, por se tratarem de estruturas temporárias, “a finalização ocorre naturalmente nas vésperas do evento”.
“As obras estruturais e permanentes relacionadas à COP30 já foram concluídas. No caso da Blue Zone, por se tratar de estruturas temporárias, a finalização ocorre naturalmente nas vésperas do evento. As obras estão sendo executadas dentro do prazo previsto, sem quaisquer atrasos”, escreveram, em nota.
A reportagem também questionou, posteriormente, sobre as contratações dos trabalhadores e a proibição de que fotos das obras inacabadas fossem tiradas. O espaço segue aberto e será atualizado em caso de retorno.
Marmita de casa, chefes com patinete elétrico e mais
Preços abusivos em restaurantes e cafés dentro da Zona Azul chamaram a atenção no evento pré-COP30. Fatias de bolo a R$ 40, água mineral a R$ 25 e assim por diante. “R$ 25 em uma lata de refrigerante não dá”, reclamou Jorge, com bom humor. Por causa dos valores, por mais que tenham acesso aos empreendimentos, os trabalhadores levaram marmitas de casa para se alimentar nos dias da Cúpula do Clima. Se não comem no refeitório direcionado aos funcionários, consomem algo em uma loja de conveniência de um posto de gasolina mais próximo.
Mesmo o que é perto, acaba sendo longe aqui na Zona Azul – que, como o Terra mostrou, requer cerca de 20 minutos andando para ir de uma ponta a outra. E enquanto os ‘peões’ precisam fazer tudo à pé, no devido tempo necessário, seus patrões se locomovem pelo espaço de patinetes elétricos.
“Compraram só para isso. Não sei o que vão fazer com isso depois da COP30, mas usam para ir de um lado para o outro na obra quando não está tendo evento. Eles também tem ‘carrinhos elétricos’, tipo os de golfe para andar por aqui. Às vezes até circulam de bicicleta”, contou, após dar ênfase ao tanto que precisam andar no expediente.
Por mais que não esteja acompanhando as discussões ambientais, em si, Jorge considera muito importante o evento que está acontecendo. Ele é de Belém, como a grande maioria dos demais funcionários da obra, e reconhece ser necessário que os países se unam em prol da preservação das florestas, principalmente.
COP30 e Cúpula do Clima
Belém deixou de ser apenas a capital do Pará e passou, temporariamente, a ser a capital do Brasil para receber a COP30, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. É a primeira vez que o evento acontece no Brasil -- e, junto com ele, acontecem diversas agendas paralelas que "esquentam" o período das negociações climáticas.
No caso da Cúpula do Clima, chefes de delegação apresentaram discursos formais sobre questões climáticas, de impacto e ações de mitigação. O presidente Lula discursou na abertura, quinta-feira, 6, e citou o 'elefante na sala' -- não só dessa, mas como de todas as COPs e do debate climático como um todo: os combustíveis fósseis. E isso mesmo que em meio ao seu posicionamento encarado como contraditório de apoiar os estudos para exploração na Foz do Rio Amazonas.
O ponto é central porque a maior parte das emissões globais são devido à queima de combustíveis fósseis --com ênfase no setor da energia. Estão entre os países que mais emitem China, Estados Unidos, União Europeia, Índia e Rússia.
No caso do Brasil, o cenário é diferente. O país emite gases de efeito estufa principalmente por mudanças do uso do solo --o que inclui queimadas, desmatamento e atividades agropecuárias. A cidade que mais emite, por exemplo, é São Félix do Xingu, onde há cerca de 40 cabeças de gado por habitante.
Lula está em Belém desde o dia 1° de novembro participando de encontros com líderes, inaugurando obras de infraestrutura e indo a encontro com comunidades locais. O presidente deve deixar a capital ainda nesta sexta, conforme divulgado em sua agenda, com o fim da Cúpula do Clima.
*A repórter Beatriz Araujo viajou a Belém com apoio do ClimaInfo.