Conselho de Lula mudou rumo de catador, que agora tem cooperativa atuando na COP30: 'Era visto como lixo pela sociedade'

Conheça a história de Jonas da Silva, um dos catadores que ajudará no recolhimento de 5 toneladas de recicláveis até o fim do evento global

12 nov 2025 - 05h00
(atualizado às 08h51)
COP30: catador relembra conselho de Lula e discriminação que sofreu na função: 'Era visto como lixo'
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A necessidade moveu Jonas da Silva a começar a trabalhar na rua. Desempregado, ele precisava levar o sustento para casa e decidiu começar a coletar recicláveis por Belém há cerca de 20 anos. “Era barra. O pessoal olhava discriminando, não deixava encostar. Era como se o catador fosse um viciado, visto como um lixo mesmo pela sociedade”. De lá pra cá, muito mudou: “Hoje, tem até patrocínio”. Ele seguiu na área, mudou seus direcionamentos após um conselho do presidente Lula e, agora, sua cooperativa é uma das selecionadas para atuar na COP30.

Jonas começou sozinho, foi encontrando grupos de catadores pelo caminho e, então, fundou a Concaves, legalizando o trabalho das pessoas envolvidas. Atualmente, são 35 pessoas envolvidas. Uma delas, por exemplo, é Maria Iracema, de 63 anos, que morava na rua, começou a coletar materiais recicláveis para sair da fome e foi uma das primeiras a fazer parte do conjunto encabeçado por Jonas. 

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Foto mostra encontra de Jonas da Silva (ao centro) com Lula (à esquerda)
Foto mostra encontra de Jonas da Silva (ao centro) com Lula (à esquerda)
Foto: Arquivo Pessoal

Cada um deles recebe em torno de um salário mínimo, mas o valor varia a depender do mês, pois é referente à quantidade de itens que a cooperativa consegue atender e de projetos que participa --e esse valor total é dividido entre os integrantes do grupo.

No início, era questão de sobrevivência. Jonas não pensava muito nas questões ambientais que circundavam o trabalho. O que mudou seu direcionamento na área, como conta, foi um encontro que teve com o presidente Lula. Tudo aconteceu em 2010, quando Jonas foi escolhido para participar do Encontro Internacional dos Catadores, em São Paulo, durante o segundo mandato presidencial do petista, e pôde ter uma conversa com ele.

Jonas tem 57 anos e trabalha há mais de 20 como catador de recicláveis em Belém. Ao longo desses anos, muita coisa mudou.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

“Lá, o presidente disse: ‘Jonas, volte a estudar’. Aí, eu disse: ‘Mas, presidente, eu não tenho mais idade’. E ele retrucou: ‘Não tem isso de idade. Olha como eu estou aqui, presidente. Quem diria que um metalúrgico iria ser presidente?’ Então, eu realmente obedeci o conselho dele. Um ano depois comecei a fazer faculdade e me formei em gestão ambiental”, relembra.

Jonas fala com gratidão sobre a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), voltada aos catadores, que é peça fundamental na engrenagem da reciclagem no Brasil – frente necessária tanto para gestão de resíduos nas cidades quanto por ser historicamente marcada por proporcionar oportunidades para recomeços de vida. “Resgataram os cidadãos que eram esquecidos para o mundo”, frisa.

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Atualmente, Jonas é um dos coordenadores da Concaves, que tem Débora Baia como presidente. A empresa atua com educação ambiental, coleta seletiva, triagem e destinação adequada dos resíduos sólidos. Agora, também começa com um novo setor voltado a compostáveis, que trabalhará com resíduos orgânicos da cidade.

Parte da equipe da cooperativa criada por Jonas
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Reconhecimento na COP30

A Concaves é uma das quatro cooperativas que integra o programa Coleta Mais, da Itaipu Parquetec, que prestará serviços para a COP30, em parceria com a Prefeitura de Belém e o Governo Federal. Dez pessoas de cada uma das cooperativas estão alocadas para atuarem no Parque da Cidade e fazerem todo o processo, do recolhimento nos pontos de coleta distribuídos pela Zona Azul e Zona Verde à separação e encaminhamento para venda dos itens. A atuação também se expande para outros pontos da Conferência, onde ocorrem eventos paralelos.

Apenas nos dois dias da Cúpula do Clima, que aconteceu na quinta-feira, 6, e sexta-feira, 7, em esquenta para a COP na Zona Azul, a Concaves adiantou à reportagem já ter coletado uma média de uma tonelada e meia de recicláveis. Todo esse material vai para os galpões da cooperativa. A expectativa é que até o final da COP sejam coletadas 5 toneladas.

Galpões utilizados pela cooperativa, às margens de Belém
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Para Jonas, é muito gratificante ver o reconhecimento do trabalho do grupo, que se dedica arduamente há tantos anos, debaixo de sol e chuva. “É muito importante o reconhecimento do catador como um gestor ambiental que cuida da cidade como prefeito. Que tem a preocupação de recolher materiais, fazer sua renda, e os devolve para o ciclo, deixando de poluir rios, a cidade e lixões”, contou à reportagem.

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A COP30 acontecer em Belém é mais um marco na mudança de vida desses trabalhadores da região, acredita o catador. “Está trazendo outras oportunidades, abrindo portas para todos”.

A visibilidade, porém, vem mais de projetos externos do que, realmente, da gestão municipal de Belém, conforme pontuam. “Falta o gestor público municipal também fazer isso e contratar as cooperativas em vez de grandes empresas que não fazem o mesmo serviço que nós fazemos, não tem a mesma qualidade”, critica o catador.

O Terra aciona a prefeitura de Belém em busca de um posicionamento sobre a questão e esclarecimentos sobre como é ocorre o trabalho de coleta de recicláveis na cidade. O espaço segue aberto e será atualizado em caso de retorno.

Foto: Beatriz Araujo/Terra

Trabalho ampliado

Nesta primeira semana de COP30, a Concaves também recebe o BotoH₂, que é uma embarcação de pequeno porte movida integralmente a energia limpa, combinando hidrogênio verde e energia solar em seu sistema de propulsão, que demorou cerca de dez anos para ser criada pela Itaipu Parquetec – com financiamento da Itaipu Binacional.

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Trabalhadores da cooperativa foram convidados a dar um passeio no barco antes de sua entrega oficial
Foto: Beatriz Araujo/Terra

O equipamento será utilizado pela cooperativa para fazer coleta seletiva na Ilha do Combu, que fica a cerca de dez minutos de lancha de Belém. O Terra, durante a cobertura da COP30, visitou a região  e conversou com ribeirinhos sobre os impactos da falta de água potável e, também, o que tem mudado por lá devido à crise climática e ao turismo que se tornou predatório na ilha. É nesse contexto que se faz urgente a ampliação da coleta de lixo por lá.

O barco ficará exposto no Píer Porto Futuro, integrando o circuito cultural da COP30, e apenas após o dia 21, com o encerramento da Conferência, ele está previsto para ser colocado em uso, efetivamente.

Jonas ao lado de Enio Verri (diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional) e de Débora Baia (catadora que é presidente da Concaves )
Foto: Beatriz Araujo/Terra

*A repórter Beatriz Araujo viajou a Belém com apoio do ClimaInfo.

Moradora de comunidade ribeirinha próxima a Belém descreve falta de água potável: ‘Já bebi do rio’
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Fonte: Portal Terra
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