A necessidade moveu Jonas da Silva a começar a trabalhar na rua. Desempregado, ele precisava levar o sustento para casa e decidiu começar a coletar recicláveis por Belém há cerca de 20 anos. “Era barra. O pessoal olhava discriminando, não deixava encostar. Era como se o catador fosse um viciado, visto como um lixo mesmo pela sociedade”. De lá pra cá, muito mudou: “Hoje, tem até patrocínio”. Ele seguiu na área, mudou seus direcionamentos após um conselho do presidente Lula e, agora, sua cooperativa é uma das selecionadas para atuar na COP30.
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Jonas começou sozinho, foi encontrando grupos de catadores pelo caminho e, então, fundou a Concaves, legalizando o trabalho das pessoas envolvidas. Atualmente, são 35 pessoas envolvidas. Uma delas, por exemplo, é Maria Iracema, de 63 anos, que morava na rua, começou a coletar materiais recicláveis para sair da fome e foi uma das primeiras a fazer parte do conjunto encabeçado por Jonas.
Cada um deles recebe em torno de um salário mínimo, mas o valor varia a depender do mês, pois é referente à quantidade de itens que a cooperativa consegue atender e de projetos que participa --e esse valor total é dividido entre os integrantes do grupo.
No início, era questão de sobrevivência. Jonas não pensava muito nas questões ambientais que circundavam o trabalho. O que mudou seu direcionamento na área, como conta, foi um encontro que teve com o presidente Lula. Tudo aconteceu em 2010, quando Jonas foi escolhido para participar do Encontro Internacional dos Catadores, em São Paulo, durante o segundo mandato presidencial do petista, e pôde ter uma conversa com ele.
“Lá, o presidente disse: ‘Jonas, volte a estudar’. Aí, eu disse: ‘Mas, presidente, eu não tenho mais idade’. E ele retrucou: ‘Não tem isso de idade. Olha como eu estou aqui, presidente. Quem diria que um metalúrgico iria ser presidente?’ Então, eu realmente obedeci o conselho dele. Um ano depois comecei a fazer faculdade e me formei em gestão ambiental”, relembra.
Jonas fala com gratidão sobre a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), voltada aos catadores, que é peça fundamental na engrenagem da reciclagem no Brasil – frente necessária tanto para gestão de resíduos nas cidades quanto por ser historicamente marcada por proporcionar oportunidades para recomeços de vida. “Resgataram os cidadãos que eram esquecidos para o mundo”, frisa.
Atualmente, Jonas é um dos coordenadores da Concaves, que tem Débora Baia como presidente. A empresa atua com educação ambiental, coleta seletiva, triagem e destinação adequada dos resíduos sólidos. Agora, também começa com um novo setor voltado a compostáveis, que trabalhará com resíduos orgânicos da cidade.
Reconhecimento na COP30
A Concaves é uma das quatro cooperativas que integra o programa Coleta Mais, da Itaipu Parquetec, que prestará serviços para a COP30, em parceria com a Prefeitura de Belém e o Governo Federal. Dez pessoas de cada uma das cooperativas estão alocadas para atuarem no Parque da Cidade e fazerem todo o processo, do recolhimento nos pontos de coleta distribuídos pela Zona Azul e Zona Verde à separação e encaminhamento para venda dos itens. A atuação também se expande para outros pontos da Conferência, onde ocorrem eventos paralelos.
Apenas nos dois dias da Cúpula do Clima, que aconteceu na quinta-feira, 6, e sexta-feira, 7, em esquenta para a COP na Zona Azul, a Concaves adiantou à reportagem já ter coletado uma média de uma tonelada e meia de recicláveis. Todo esse material vai para os galpões da cooperativa. A expectativa é que até o final da COP sejam coletadas 5 toneladas.
Para Jonas, é muito gratificante ver o reconhecimento do trabalho do grupo, que se dedica arduamente há tantos anos, debaixo de sol e chuva. “É muito importante o reconhecimento do catador como um gestor ambiental que cuida da cidade como prefeito. Que tem a preocupação de recolher materiais, fazer sua renda, e os devolve para o ciclo, deixando de poluir rios, a cidade e lixões”, contou à reportagem.
A COP30 acontecer em Belém é mais um marco na mudança de vida desses trabalhadores da região, acredita o catador. “Está trazendo outras oportunidades, abrindo portas para todos”.
A visibilidade, porém, vem mais de projetos externos do que, realmente, da gestão municipal de Belém, conforme pontuam. “Falta o gestor público municipal também fazer isso e contratar as cooperativas em vez de grandes empresas que não fazem o mesmo serviço que nós fazemos, não tem a mesma qualidade”, critica o catador.
O Terra aciona a prefeitura de Belém em busca de um posicionamento sobre a questão e esclarecimentos sobre como é ocorre o trabalho de coleta de recicláveis na cidade. O espaço segue aberto e será atualizado em caso de retorno.
Trabalho ampliado
Nesta primeira semana de COP30, a Concaves também recebe o BotoH₂, que é uma embarcação de pequeno porte movida integralmente a energia limpa, combinando hidrogênio verde e energia solar em seu sistema de propulsão, que demorou cerca de dez anos para ser criada pela Itaipu Parquetec – com financiamento da Itaipu Binacional.
O equipamento será utilizado pela cooperativa para fazer coleta seletiva na Ilha do Combu, que fica a cerca de dez minutos de lancha de Belém. O Terra, durante a cobertura da COP30, visitou a região e conversou com ribeirinhos sobre os impactos da falta de água potável e, também, o que tem mudado por lá devido à crise climática e ao turismo que se tornou predatório na ilha. É nesse contexto que se faz urgente a ampliação da coleta de lixo por lá.
O barco ficará exposto no Píer Porto Futuro, integrando o circuito cultural da COP30, e apenas após o dia 21, com o encerramento da Conferência, ele está previsto para ser colocado em uso, efetivamente.
*A repórter Beatriz Araujo viajou a Belém com apoio do ClimaInfo.