Proibição de venda de animais silvestres impacta criadores chineses

19 jul 2020 - 10h35

Pequim analisa a proibição de comércio de animais silvestres, enquanto ambientalistas exigem mudanças mais profundas, para evitar novas pandemias. Os vendedores, por sua vez, se perguntam como conseguirão sobreviver.Era comum encontrar carne de tartarugas, cobras, gatos almiscarados e porcos-espinhos nos mercados de Guangzhou, no sul da China. Porém isso mudou após o surto do novo coronavírus, que levou o governo chinês a suspender a venda e o consumo de animais selvagens. Não está claro se a proibição será temporária ou se, como anuncia Pequim, acabará convertida em lei.

Pequim incentiva a criação de animais selvagens, como porcos-espinhos, para chineses aumentarem sua renda
Pequim incentiva a criação de animais selvagens, como porcos-espinhos, para chineses aumentarem sua renda
Foto: DW / Deutsche Welle

Wang Haozhu e a esposa Pan têm acompanhado de perto os acontecimentos desde sua fazenda, a cerca de uma hora de carro de Guangzhou. Há mais de uma década Wang captura porcos-espinhos na floresta tropical atrás de sua casa, e os cria para vender.

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"É claro que gosto de comê-los. Eu não os venderia se não gostasse do sabor", confirma Wang em entrevista à DW. "A carne é macia que nem seda, e fica crocante quando assada. Como pato laqueado, só que melhor."

Wang, cujo apelido Haozhu significa "porco-espinho" em mandarim, explica que os filhotes de porco-espinho são especialmente gostosos na sopa. Cada um custa cerca de 350 yuanes (270 reais), enquanto os adultos valem 1.500 yuanes (1.150 reais). Mas o criador não conseguiu vender um único animal desde o Ano Novo Chinês, em janeiro. Ele espera que as vendas retomem em breve, embora isso pareça cada vez mais distante.

Pressão crescente pela proibição

A pandemia de covid-19 colocou em foco o gosto da China pela carne de animais silvestres. Acredita-se que o novo coronavírus seja originário de um animal - possivelmente um pangolim infectado por um morcego -, antes de ser transmitido a humanos num mercado em Wuhan.

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Os mercados de animais silvestres foram fechados em todo o país, e grupos de ambientalistas pressionam por leis mais rigorosas para proteger espécies ameaçadas e prevenir futuras pandemias.

Em junho, o governo chinês conferiu o nível de proteção máximo ao pangolim, um mamífero muito ameaçado e caçado devido a sua carne e escamas, usadas na medicina tradicional chinesa. Organizações ambientais saudaram a medida, e pedem ainda que o governo torne permanente a proibição de comer e vender outros animais silvestres.

Li Shuo, do Greenpeace de Pequim, comenta que a campanha tem forte apoio popular: "Estamos surfando na onda gerada pela covid-19. É muito grande a vontade política e pública de proteger o meio ambiente e evitar um novo surto."

Os grupos de preservação enfatizam que a captura e criação de animais silvestres, sejam porcos-espinhos ou pangolins, podem prejudicar as populações nativas e os ecossistemas. Além disso, quanto mais seres humanos entram em contato com animais portadores de vírus perigosos - por exemplo, através de desmatamento, invasão de habitats ou caça -, maior o risco de transmissão.

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Li, do Greenpeace, aponta que existem muitas brechas nas leis chinesas de proteção animal. Por exemplo, nem sempre é claro quais espécies são definidas como vida selvagem e, portanto, cobertas pela interdição do consumo de animais silvestres.

Zhou Jinfeng, diretor da Fundação para a Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Verde da China, sugere que a legislação seja alterada para se concentrar na biodiversidade, não na preservação da vida selvagem: "Ela não deve apenas proteger espécies altamente valorizadas, mas toda vida selvagem e seus habitats."

Ele ressalta que a proibição atual se refere apenas ao consumo de animais silvestres. Assim, ainda se pode capturá-los para usar sua pele ou para fins medicinais, enquanto "todas as espécies ameaçadas de extinção deveriam ser proibidas na medicina tradicional". Mas é difícil aprovar novas leis, quando milhões na China dependem da criação e venda de animais selvagens para sobreviver.

Interdição de aplicação difícil

O setor de criação de animais silvestres está avaliado em 67 bilhões de euros e proporciona renda para quase 15 milhões de chineses. Até recentemente, sua criação também era incentivada por Pequim, como parte da meta maior de erradicar a pobreza, especialmente nas áreas rurais.

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O agricultor Wang recebe um subsídio anual do governo chinês no valor de 300 yuanes (cerca de 230 reais) por cada porco-espinho. Para ele, é difícil acreditar que o mesmo governo esteja considerando uma proibição permanente de criação e venda: "Isso é impossível. Eu tenho uma licença e somos agricultores. Se não pudermos criar os animais e vendê-los, então como vamos ganhar a vida?"

Mesmo que seja aprovada uma lei proibindo o comércio de animais selvagens, Wang duvida que ela seja devidamente aplicada em nível local, já que Pequim é muito distante da selva nos arredores de Guangzhou. "Não tenho medo de que o governo me proíba de vender", desafia Wang.

Uma maneira de garantir a aplicação das leis seria aumentar a participação cidadã em nível local, explica Zhou, da Fundação para a Conservação da Biodiversidade: "A população deve ter o direito de processar, iniciar litígios contra as autoridades locais e participar da proteção da vida selvagem."

Apesar das possíveis consequências para sua subsistência, Wang Haozhu e Pan se dizem a favor dos esforços para proteger a vida selvagem ao seu redor. Uma vez por ano, a mulher libera dois porcos-espinhos na natureza, um macho e uma fêmea - um sacrifício que ela diz se encaixar em suas crenças budistas.

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Ambos explicam que querem proteger os habitats dos porcos-espinhos, mas não acreditam que capturar e criar animais seja contrário à preservação da biodiversidade. A decisão governamental sobre a proteção de espécies está prevista para o fim de 2020, e até que seja tomada, o casal aguarda para ver se poderá reiniciar seus negócios ou se será forçado a buscar uma nova fonte de subsistência.

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