Giovanna Vial, especial para RFI em Damasco, Síria
Em Damasco, as ruas estão tomadas por comemorações que começaram no fim de semana e se estendem pela capital. Famílias, jovens e idosos circulam em carros ou a pé, empunhando a bandeira que se tornou símbolo da queda do regime — as listras verde, branca e preta com três estrelas — em oposição à bandeira adotada durante grande parte do governo Assad, marcada por duas estrelas e pelas cores vermelho, preto e branco.
Para muitos sírios, o fim da ditadura representa o fim de uma era de repressão extrema. Durante cinco décadas, o regime empregou métodos brutais contra sua própria população: torturas sistemáticas, desaparecimentos forçados, prisões arbitrárias, bombas de barril e até o uso de armas químicas. O alívio da população ainda se faz sentir, apesar das tensões profundas que marcam o primeiro ano do governo interino.
O coração das celebrações é a Praça Omayyad, um dos marcos históricos da capital e, desde 2024, centro gravitacional das manifestações populares em apoio à queda do regime. É ali que grande parte da população se reúne hoje, em comemoração que deve se estender pela noite. Entre as minorias e as camadas mais jovens e intelectuais da sociedade, a celebração é menor.
Embora a era Assad tenha chegado ao fim, o país vive uma acentuação de disputas sectárias. Assad, pertencente à minoria alauíta, mantinha uma relativa estabilidade religiosa entre minorias como alauítas, cristãos, drusos e xiitas.
Com o novo governo, liderado por Ahmed al-Sharaa, de liderança sunita e integrado por figuras provenientes de grupos como Al-Qaeda e o Estado Islâmico, o país viu ao longo deste ano uma série de massacres contra minorias. O mais recente, em julho de 2025, atingiu comunidades drusas no sul da Síria.
Novas alianças
A mudança de poder na Síria também redesenhou alianças no tabuleiro geopolítico do Oriente Médio. Durante o regime Assad, a Síria era o elo estratégico entre o Irã e o Hezbollah no Líbano — parte do chamado "Eixo da Resistência" contra a expansão israelense. Com a queda do regime, esse corredor se desfez, sufocando o Hezbollah, que já não consegue ser abastecido pelo Irã via território sírio.
Assad também era visto como um dos últimos pilares antiocidentais na região. Já o governo interino representa, em muitos aspectos, uma aproximação com interesses ocidentais, sobretudo norte-americanos. Em 2025, inclusive, Israel avançou militarmente no sul da Síria, aproximando-se a poucos quilômetros de Damasco.
O primeiro aniversário da queda de Bashar al-Assad marca, portanto, não apenas um capítulo na história síria, mas a consolidação de uma nova configuração no Oriente Médio — uma ordem que começou a tomar forma no fim de 2024 e segue em evolução.