Por que centenas de mulheres iranianas correram uma maratona sem hijab: 'Correr foi meu ato de desafio'

Anos atrás seria impossível imaginar essas mulheres participando de uma maratona sem o uso do hijab

18 dez 2025 - 07h52
Mulheres iranianas participaram de uma maratona na Ilha de Kish
Mulheres iranianas participaram de uma maratona na Ilha de Kish
Foto: BBC News Brasil

"Correr a maratona de Kish foi meu ato pessoal de desafio. Cruzar aquela linha de chegada foi como uma vitória sobre anos de limitações", disse Sara (nome fictício) à BBC Global Women.

Ela estava entre as 2 mil mulheres, muitas delas sem usar o hijab obrigatório, que participaram da maratona na ilha de Kish, no Irã, no início deste mês.

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Vídeos e fotos da corrida viralizaram nas redes sociais, mostrando mulheres usando camisetas e calças legging com os cabelos presos em rabos de cavalo ou com faixas na cabeça, correndo ao som de música e observadas por uma multidão.

Anos atrás, seria inimaginável para essas mulheres participar de uma maratona sem o hijab. O Estado impõe o uso do véu em público desde 1979, principalmente por meio da força e, às vezes, com o uso de violência.

Muitas mulheres protestam contra essa lei há mais de 40 anos, mas o movimento ganhou força em setembro de 2022, quando Jina Mahsa Amini foi presa em Teerã pela chamada polícia da moralidade por supostamente não estar usando o hijab de forma apropriada.

A jovem, de 22 anos, morreu dias depois sob custódia da polícia. Protestos se espalharam por todo o país, com as mulheres na linha de frente, queimando seus lenços e gritando: "Mulher, Vida, Liberdade".

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Os protestos foram reprimidos com violência e prisões em massa, mas, desde então, algumas mulheres iranianas continuam a desafiar as regras.

Mulheres iranianas desafiam o uso do hijab em Teerã
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Artemis (nome fictício) diz testemunhar mulheres desafiando o uso obrigatório do hijab desde que era criança, mas acredita que 2022 foi um ponto de virada na resistência feminina.

"Nós fomos de abandonar os véus naquele verão como um ato de protesto para usar tops curtos e leggings nas ruas no ano seguinte", afirma.

Vídeos são regularmente compartilhados nas redes sociais mostrando mulheres correndo nos parques, dando estrelas nas calçadas — enquanto são aplaudidas por quem passa — ou fazendo danças coreografadas em shoppings.

O grande volume dessas publicações dificulta a resposta das autoridades.

Prisões são feitas com frequência, mulheres são multadas e contas nas redes sociais são suspensas pelas autoridades, mas o jogo de gato e rato continua.

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O problema do hijab permanece no centro do debate sobre para onde o Irã está indo.

A ação do governo contra mulheres que aparecem em público sem o hijab tem variado — às vezes permitindo um afrouxamento das regras, às vezes intensificando a repressão contra qualquer transgressão.

O governo também tem utilizado tecnologia de reconhecimento facial e enviado mensagens de texto de advertência às mulheres. Elas também relatam que as placas de seus carros foram identificadas por câmeras e que as autoridades ameaçaram confiscar seus veículos.

O Líder Supremo do Irã, Ali Khamenei
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Apenas dois dias antes da maratona em Kish, no sul da costa do Irã, o líder supremo do país, Ali Khamenei, advertiu a mídia nacional para "não promover valores ocidentais em relação às mulheres e ao hijab".

O chefe do Judiciário do país, Gholam-Hossein Mohseni-Ejeie, acrescentou que "o problema do hijab é responsabilidade de todos e mais precisa ser feito em relação ao hijab e à decência pública".

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Outras autoridades e parlamentares iranianos expressaram descontentamento com a contínua desobediência entre mulheres e afirmaram ser preciso uma abordagem mais firme em relação ao assunto.

Pouco antes da maratona, foi realizada, em Teerã, uma marcha patrocinada pelo Estado em apoio ao uso obrigatório do hijab.

Mulheres totalmente cobertas, usando um longo véu preto, a forma mais conservadora de hijab no Irã, conhecida como chador, também participaram, segurando cartazes que pediam mais rigor em respostas a mulheres que se recusavam a usá-lo.

Mas apesar dessa oposição, as mulheres que participaram da corrida permaneceram determinadas. Para muitas delas, a maratona era mais do que uma competição de corrida.

"Foi como um sonho sendo realizado. Eu não conseguia pensar em participar de uma corrida como essa", disse Sara.

Na verdade, ela se emociona ao se lembrar daquele dia.

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"Tenho vontade de chorar só de pensar nisso. Estar ao lado de todas aquelas mulheres, nós nos sentimos tão livres", diz ela.

Artemis afirma que o sentimento que teve em relação a toda a experiência foi de orgulho e alegria.

"Em alguns momentos durante a corrida, eu queria parar e chorar, porque tudo era como um sonho... As pessoas estavam torcendo por nós, havia música. Eu consigo imaginar o quão bonito nosso Irã pode ser", afirma.

Muitas mulheres nos disseram que o evento foi emocionante, explicando que o sentimento era de vitória, uma conquista contra todas as probabilidades.

Foi um sinal para as autoridades iranianas de que o assunto continuará gerando divisões.

Essa reportagem é parte da Global Women, do Serviço Mundial da BBC, que compartilha histórias importantes e inéditas ao redor do mundo.

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