Casos de abusos sexuais nas escolas raramente são investigados, muito menos processados. Pesquisadores analisam as condições que permitem que esses crimes acabem não sendo denunciados e quais lições devem ser aprendidas.Ao menos uma criança em cada turma escolar na Alemanha - ou seja, uma em cada 25 a 30 crianças - é afetada por abuso sexual perpetrado por professores, funcionários da escola ou colegas, muitas vezes com sérias consequências para suas vidas e suas carreiras.
Essa é a estimativa apresentada por um estudo da Comissão Independente para a Investigação do Abuso Sexual Infantil - uma entidade estabelecida em 2010 pelo governo da Alemanha - que mostra que os alunos que são alvo dessas práticas são rotineiramente negligenciados pelo sistema educacional.
"Com frequência, havia elementos que priorizavam a colegialidade em detrimento da proteção das crianças, ignorando ou até mesmo acobertando o abuso para proteger a reputação da escola", explicaram membros da Comissão em uma coletiva de imprensa na última quarta-feira (03/12).
"Eles descobriram que as vítimas desenvolveram suas próprias estratégias para escapar da violência, como faltar às aulas ou repetir o ano escolar." Esta última opção significaria não ter que frequentar aulas com o professor que cometeu abusos.
Os autores do estudo avaliaram 133 relatos e depoimentos de sobreviventes que sofreram abuso sexual em escolas na Alemanha, incluindo na antiga Alemanha Oriental, entre 1949 e 2010. Quase 80% das vítimas eram mulheres. A grande maioria dos agressores era do sexo masculino, tanto nos casos de abuso por colegas quanto por professores.
Quase 70% das vítimas cujos casos foram avaliados no estudo suspeitam que outras pessoas na escola tinham conhecimento do abuso sexual.
"Mas o que todas as pessoas afetadas nos disseram é que foi extremamente difícil para elas obterem ajuda e apoio qualificado", afirmou Julia Gebrande, presidente da Comissão Independente, à DW.
Mais preocupadas com reputação do que com justiça
O estudo inclui um caso exemplar da década de 1990. Um docente recebeu reclamações de meninas do sexto ano sobre um professor de educação física que entrava constantemente no vestiário delas. Quando decidiu investigar, ele testemunhou seu colega entrando sem avisar no vestiário das meninas.
Quando relatou o ocorrido à administração da escola, lhe foi dito que devia estar enganado, que seu colega professor "jamais faria algo assim" e que ele, o denunciante, era "simplesmente sensível demais em relação a esse assunto". Ele também foi acusado de "arruinar a reputação" da escola.
O agressor jamais foi investigado e o professor que o denunciou chegou a receber um pedido para se desculpar pessoalmente a ele.
"É uma tática de abusadores se apresentarem como pessoas muito engajadas e dispostas a ajudar. Eles se tornam indispensáveis. É simplesmente impossível imaginar que um colega tão simpático pudesse abusar de crianças", disse Gebrande.
Escola Odenwald: centenas de casos de abuso sexual
A questão do abuso sexual em escolas alemãs ganhou maior atenção do público em 2010, quando o jornal Berliner Morgenpost noticiou casos de abuso sexual infantil no Canisius-Kolleg Berlin, uma escola católica particular que prepara alunos para o ensino superior.
Esse episódio levou centenas de vítimas de outras instituições a se manifestarem, notavelmente, vários alunos da escola Odenwald, um internato particular no estado de Hesse, na região central da Alemanha.
Em reação ao escândalo, o governo alemão nomeou em 2010 o primeiro Comissário Federal Independente contra o Abuso Sexual Infantil do país. A Comissão Independente para a Investigação do Abuso Sexual Infantil foi criada em 2016.
O Instituto Alemão da Juventude, um dos maiores institutos de pesquisa em ciências sociais da Europa, realizou um estudo em 2023 e 2024 e descobriu que metade dos 1.600 adolescentes entrevistados havia sofrido violência sexual no ano anterior.
No entanto, não existem dados empíricos abrangentes sobre abuso sexual em escolas, e as investigações sobre abuso sexual foram realizadas em apenas duas instituições estaduais na Alemanha.
"Ainda não existem estruturas para lidar com essa questão nas escolas ou junto às autoridades de supervisão escolar", disse Gebrande. "É por isso que queremos que isso seja um elemento-chave da formação de professores."
"Abandonada, vulnerável e impotente"
Outro grande problema que ganhou destaque no novo estudo é que muitas vítimas não têm palavras para descrever o que lhes aconteceu e são com frequência incapazes de reconhecer o abuso sexual como tal.
Uma mulher chamada Julia contou à comissão sobre um caso da década de 1970, quando teve um relacionamento sexual com o professor de arte de 32 anos durante vários anos, que começou quando ela tinha 13 anos.
Somente muitos anos depois, quando ela leu um artigo de jornal sobre um caso semelhante, ficou muito claro para ela que tinha sido vítima de abuso sexual. Em outro caso da década de 1990, Lea, uma mulher trans que na época vivia com sua antiga identidade de gênero como menino, foi repetidamente abusada verbal, física e sexualmente por grupos de meninos na décima série.
Ela reuniu coragem para se abrir com uma professora em quem confiava, mas sentiu vergonha e não sabia como descrever o abuso sexual que sofreu. Em vez de oferecer apoio, a professora disse a ela que isso era algo que as crianças deveriam resolver entre si e que a situação se tornaria ainda pior se os adultos se envolvessem.
Disseram a ela que uma certa quantidade de "brincadeiras brutais e conflitos" era normal naquela idade, particularmente entre osmeninos. "Eu me senti abandonada, vulnerável e impotente", disse Lea à Comissão, sendo que jamais houve alguma consequência para os agressores. "Seu comportamento foi até reforçado pelo fato de que nada os impedia."
Nova lei visa combater o abuso sexual infantil
Em julho deste ano, entrou em vigor uma nova lei para fortalecer as estruturas federais contra o abuso sexual infantil. A legislação prevê a nomeação de um conselho consultivo de sobreviventes. Também será realizado a partir de 2026 um estudo anual sobre a prevalência de abuso sexual entre jovens de 14 e 15 anos.
Além das mudanças institucionais planejadas, Gebrande espera que o novo estudo incentive as pessoas a abordar o abuso sexual infantil em suas comunidades locais, a confrontar seu próprio histórico pessoal durante o período escolar e a ouvir aqueles que foram afetados.
"Em nossa experiência, as investigações só são realizadas quando as vítimas pressionam as instituições através da imprensa", disse Gebrande.