Artur Capuani, correspondente da RFI em Bruxelas
Depois de um quarto de século de negociações, o acordo entre a União Europeia e o Mercosul chega à sua semana mais decisiva. Os próximos dias podem determinar se o tratado será finalmente assinado ainda este ano ou se vai ganhar novos capítulos. Em Bruxelas, a movimentação é intensa e os próximos dias envolvem três etapas fundamentais: a votação das salvaguardas no Parlamento Europeu, a ratificação do Conselho Europeu e, por fim, a cúpula do Mercosul no Brasil.
A primeira prova acontece nesta terça-feira (16), quando os eurodeputados votam o pacote de salvaguardas. Este é um conjunto de mecanismos de defesa criado para proteger setores sensíveis da economia europeia caso produtos do Mercosul causem algum desequilíbrio no mercado interno.
Segundo apurou a RFI com funcionários da Comissão Europeia, cresce dentro da cúpula da União a preocupação de que, sem o acordo, a Argentina intensifique negociações e o Brasil aprofunde ainda mais sua aproximação comercial com outros parceiros, reduzindo a presença europeia na América do Sul. A avaliação interna é que o bloco arrisca perder espaço justamente no mercado sul-americano, considerado estratégico para a economia europeia. Essa mesma leitura aparece no relatório de competitividade elaborado por Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro italiano, que cobrou publicamente a ratificação do acordo em um discurso recente em Bruxelas.
Regras
As salvaguardas que serão votadas nesta terça funcionam como um sistema de defesa rápida. Se aprovadas, permitirão que a Comissão Europeia investigue imediatamente qualquer aumento anormal nas importações vindas do Mercosul. Os eurodeputados do Comitê de Comércio Internacional endureceram o texto e reduziram o gatilho para abertura de investigação.
Hoje, um crescimento acima de cinco por cento nas importações de um ano para o outro já pode desencadear o processo. Se a investigação comprovar prejuízo grave ou risco para os produtores europeus, a União Europeia pode suspender temporariamente as preferências tarifárias do item afetado. A proposta foi concebida como forma de dar segurança a governos que temem impactos sobre seus agricultores.
Se essas proteções forem aprovadas, elas liberam o processo para a etapa seguinte: uma possível votação do acordo em si pelos chefes de Estado dos 27 países do bloco, já na quinta-feira (18), em Bruxelas.
Conselho dividido
A União Europeia continua profundamente dividida sobre o acordo. Alemanha, Espanha, Portugal e Suécia defendem sua conclusão e argumentam que o tratado reforça a competitividade europeia. França, Polônia, Irlanda e Hungria seguem reticentes, citando riscos para a agricultura e para o equilíbrio do mercado interno.
A Bélgica anunciou que deve se abster, o que torna o papel da Itália particularmente decisivo. No Conselho Europeu, o tratado só avança se atingir a chamada maioria qualificada, que representa mais de 65% da população do bloco. Pequenas mudanças de posição podem alterar completamente o desfecho.
A tensão também é política. Para vários governos, apoiar o acordo às vésperas de disputas eleitorais nacionais pode ter custo elevado entre agricultores e movimentos ambientalistas, o que deixa a decisão ainda mais sensível.
A Espanha, por outro lado, intensificou nas últimas semanas sua mobilização para tentar levar o acordo à assinatura final. Nesta segunda-feira, o ministro espanhol da Economia, Carlos Cuerpo, defendeu a parceria em declaração à imprensa em Bruxelas. "É um acordo estratégico para a Europa. Eu sou otimista, como vocês já sabem. Esperamos que este acordo possa ser concluído antes do final do ano", disse.
Mesmo que tudo avance nesta semana, a assinatura em Foz do Iguaçu não coloca o acordo imediatamente em vigor. O texto completo ainda precisa passar pelo Parlamento Europeu, onde deve ser votado apenas em 2026. E mesmo que os mecanismos de proteção sejam aprovados agora, não há garantia de que o tratado receberá o apoio necessário na votação final. Muitos eurodeputados admitem votar pelas salvaguardas, mas mantêm oposição ao acordo.
Se o pacto for finalmente ratificado, criará uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, envolvendo cerca de 780 milhões de pessoas.