'Ruptura total com nossa agricultura': franceses reagem à fala de Macron sobre Mercosul no Brasil

Foi a declaração de Emmanuel Macron na COP30, em Belém, que acendeu o estopim. Ao afirmar estar "bastante positivo" sobre o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, o presidente francês provocou uma reação imediata e feroz do setor agrícola francês, que vê no tratado uma ameaça direta ao modelo produtivo nacional.

7 nov 2025 - 11h36

Foi a declaração de Emmanuel Macron na COP30, em Belém, que acendeu o estopim. Ao afirmar estar "bastante positivo" sobre o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, o presidente francês provocou uma reação imediata e feroz do setor agrícola francês, que vê no tratado uma ameaça direta ao modelo produtivo nacional.

Foto ilustrativa: manifestantes protestam nas ruas de Paris com cartazes criticando a ação do presidente francês, Emmanuel Macron, mas também da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na negociação do acordo com bloco com o Mercosul (14/10/25).
Foto ilustrativa: manifestantes protestam nas ruas de Paris com cartazes criticando a ação do presidente francês, Emmanuel Macron, mas também da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na negociação do acordo com bloco com o Mercosul (14/10/25).
Foto: REUTERS - Stephane Mahe / RFI

Durante a cúpula de chefes de Estado que antecedeu a COP30, realizada em Belém do Pará, Macron declarou à imprensa que está positivo, mas continua "vigilante porque também defende os interesses da França". A fala, feita ao lado do presidente Lula, foi interpretada como um gesto de aproximação com o Mercosul e causou indignação entre os agricultores franceses.

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Arnaud Rousseau, presidente da FNSEA — principal sindicato agrícola da França, com forte influência política e presença nas regiões rurais — reagiu com veemência. "Não deixaremos que nosso modelo, nossos empregos e nossa soberania sejam liquidados", garantiu. Para Rousseau, o gesto de Macron representa uma ruptura definitiva com o setor agropecuário francês.

"Ao escolher este momento e este lugar para estender a mão ao Mercosul, o presidente da República assina sua ruptura com a agricultura francesa", declarou Rousseau, denunciando o "renegamento total" do chefe de Estado. O líder sindical convocou os eurodeputados franceses a se oporem ao tratado e prometeu uma mobilização nacional. "Seremos combativos, com o apoio dos franceses, para recusar um acordo que sacrificaria nossa agricultura no altar de uma globalização sem regras", prometeu.

A ministra da Agricultura, Annie Genevard, tentou amenizar o impacto, afirmando que "os limites deste acordo na França são conhecidas desde o início" e que, apesar de avanços, "a conta ainda não fecha". A posição oficial francesa tem oscilado. Em fevereiro de 2025, durante o Salão da Agricultura em Paris — evento de forte apelo simbólico — Macron havia classificado o acordo como "um texto ruim".

Desde então, a Comissão Europeia anunciou cláusulas de salvaguarda para proteger setores sensíveis, como o agroalimentar, o que teria contribuído para a mudança de tom do presidente.

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Contexto histórico do acordo UE-Mercosul

Negociado há mais de 20 anos, o acordo entre União Europeia e Mercosul visa liberalizar o comércio entre os dois blocos, reduzindo tarifas e facilitando o acesso a mercados. Para a UE, o tratado permitiria ampliar exportações de automóveis, máquinas e bebidas alcoólicas para Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Em troca, os países sul-americanos teriam maior acesso ao mercado europeu para produtos como carne bovina, açúcar, arroz e mel.

Desde 2019, a França tem sido uma das principais vozes contrárias ao acordo, alegando riscos ambientais e concorrência desleal. A pressão de sindicatos agrícolas, ambientalistas e parte da classe política francesa tem dificultado a ratificação do tratado, que precisa ser aprovado pelos parlamentos dos países europeus. A inclusão de cláusulas de proteção e garantias ambientais tem sido a estratégia da Comissão Europeia para tentar destravar o processo.

A declaração de Macron em Belém, portanto, não apenas reacendeu o debate interno na França, como também colocou o acordo UE-Mercosul de volta ao centro das discussões geopolíticas e comerciais. Para os agricultores franceses, essa é uma batalha pela sobrevivência de um modelo produtivo que se vê ameaçado por uma abertura comercial considerada desigual.

Com agências

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