Ferramentas para promoção da saúde mental crescem no mercado de trabalho

Segurança psicológica ganha holofote da área de RH, mas empresas ainda oferecem escassos benefícios para saúde mental de funcionários; plataformas e cursos ajudam na psicoeducação

19 set 2021 - 05h12

Uma pesquisa feita pela Gupy, startup voltada para recrutamento e seleção online, em parceria com a consultoria Ideafix, mostrou que 54% dos 500 profissionais de RH ouvidos em todo o Brasil acreditam que a segurança psicológica será um dos principais indicadores de recursos humanos no futuro. Porém, um mapeamento mais recente constatou que, entre as 60 mil vagas publicadas mensalmente na plataforma, apenas 2% ofereciam benefícios para saúde mental no último semestre.

Os serviços mais oferecidos são de benefício ou auxílio de saúde mental (49%), horários flexíveis (26% ), benefício ou auxílio de saúde física (10%) e benefícios flexíveis para uso de acordo com preferência do colaborador (15%). Para aprimorar uma demanda crescente por soluções como essas, empresas têm investido em psicoeducação, uma técnica para ensinar de forma didática as questões da mente e os desafios emocionais vividos individualmente.

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Nesse processo, é fundamental ter periodicidade e um profissional acompanhando e instruindo de perto, mesmo que virtualmente. Como aliado, plataformas online usam questionários validados cientificamente e linguagem acessível para instruir e orientar sobre alguns temas. A Health & Safe Place to Work (HSPW), por exemplo, oferece uma avaliação em quatro aspectos: mental, física, financeira e organizacional.

A ferramenta interativa permite acesso a um relatório acerca das perguntas respondidas diariamente, diagnósticos possíveis, dicas práticas e uma lista de serviços, desde psicólogo até crédito, que podem ser parceiros da empresa contratante. "Por meio desse instrumento, a gente coloca a informação na mão do ser humano", diz Nestor Sequeiros, CEO da HSPW.

Os empregados são questionados sobre como estão se sentindo, como percebem a realidade e a si mesmos, qualidade do sono e do trabalho. "A ideia é promover autogestão, autoconhecimento imediato, apresentar hipóteses e opções para lidar, como exercícios, vídeos e dicas." O desafio, segundo ele, é gerar aderência do usuário da ferramenta, de modo que ele a interaja todos os dias. Até agora, porém, os resultados têm sido positivos. Ele cita que, em uma empresa, houve 60% de adesão no primeiro ciclo do programa.

Esse engajamento deve partir principalmente da liderança. Kátia Saraiva, psicóloga e consultora em gestão de pessoas, afirma que, para promover a psicoeducação, é preciso convencer gestores de que pessoas saudáveis e felizes produzem mais e melhor. "À medida que o empregador tem essa consciência, ele aceita que o processo seja implementado e todos ganham", diz.

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O psiquiatra Frederico Porto também percebe o receio de alguns gestores por não saberem lidar com a questão, principalmente se o tópico 'suicídio' aparecer. "Fala-se do tema, desde que abordem a saúde mental. Tem de ter humanização do trabalho, como programas de treinamento que ajude a pessoa a se conhecer melhor, do que ela gosta ."

Conversa e gamificação

Outra ferramenta, que será lançada no próximo dia 23, também busca instruir os colaboradores sobre saúde mental por meio de jornadas de conhecimento, com linguagem gamificada e estilo de conversa. É a Training Box, desenvolvida pela startup de aprendizagem Joco, que tem a jornalista Carol Barcellos como guia desse processo de ensinar questões como sentir medo, ter conversas difíceis e empatia. A cada jornada, ela aparece em vídeos curtos, de 30 segundos, explicando alguns conceitos e fazendo perguntas de múltipla escolha ou livre resposta.

"A gente não vai substituir o trabalho mais próximo, olho no olho.O que a gente propõe é aumentar a sensibilidade e consciência de aprender a identificar questões emocionais, criar uma onda de conhecimento", explica Fernando Gouvea, CEO da Joco. Na sessão sobre lidar com o medo, por exemplo, é discutido que se trata de uma emoção comum a todos, que o mais adequado é observá-la e não negá-la e que diversos fatores influenciam seu surgimento e reação. Ao concluir, a pessoa pode se aprofundar no assunto por meio de materiais escritos ou audiovisuais.

"Na plataforma, tem uma área que apresenta o seu perfil, com uns insights sobre você, dicas e conteúdos complementares que tem a ver com as respostas que você deu", ele completa. Gouvea diz que não é uma indicação para buscar ajuda psicológica, por exemplo, porque a ferramenta será usada nas empresas e, segundo ele, cabe à companhia definir a própria política sobre o assunto.

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A psicóloga Kátia Saraiva reforça que esses recursos tecnológicos podem ser usados como um instrumento a mais, porém sem substituir a psicoeducação nem o serviço de apoio psicológico ao funcionário. "Um aplicativo não pode substituir o julgamento clínico, a avaliação personalizada que um profissional é capaz de fazer que se baseia não apenas nas respostas da pessoa, mas numa observação profissional, de linguagem verbal, não-verbal, histórico, contexto, que faz toda a diferença para um diagnóstico, tratamento e orientação efetivamente seguros", afirma.

Curso forma socorristas em saúde mental

Em abril deste ano, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz lançou um curso de formação de socorristas em saúde mental para empresas. A proposta é capacitar profissionais para identificarem pessoas em situação de risco mental e emocional e uma nova turma está prevista para o começo de 2022. A primeira edição formou 140 alunos há menos de um mês.

"São quatro módulos. O primeiro traz uma base de conceitos em que se discute o que é saúde e saúde mental, quais são as principais doenças, sintomas de depressão e ansiedade, conceito de felicidade e bem-estar. O segundo foi sobre estratégias que podem impactar na saúde mental, como superalimentos, ambiente e estilo de vida. No terceiro, falamos de estratégias terapêuticas não medicamentosas, como mindfulness, musicoterapia e espiritualidade. O último bloco foi para empoderá-los do que fazer a partir dali, então é sobre gestão de conflitos, gestão de mudanças, estratégia antiburnout, liderança e comunicação não violenta. Por último, fizemos uma mesa de debate para discutir alguns casos clínicos", explica Daniela Laranja, neurologista do hospital.

O time de professores inclui psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, neurologistas e profissionais ligados a temas de sustentabilidade. Com isso, é possível dar a dimensão dos diversos fatores que influenciam na saúde mental das pessoas. "Cada um recebe um selo específico no crachá que o identifica como socorrista dentro da instituição e eles são acompanhados por uma psicóloga para apoiá-los em alguma situação mais difícil ou quando se sentem abalados por algum problema emocional", completa.

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