O dia de Finados, tradicionalmente dedicada à recordação de pessoas falecidas, tem motivado novas considerações entre as famílias que compartilham a vida com animais de estimação. A intensificação do vínculo entre tutores e pets, que passaram a ser reconhecidos como integrantes do núcleo familiar, tem direcionado o foco para a necessidade de atenção ao luto animal e à função dos rituais de despedida na elaboração dessa perda.
Segundo a psicóloga Juliana Sato, com especialização em luto pet, o Brasil ainda não possui um movimento estruturado de homenagens voltadas aos animais no feriado de Finados. No entanto, ela enfatiza a urgência do debate. Sato argumenta que "considerar Finados em um contexto além do humano é uma forma de validar o vínculo e proporcionar às famílias um espaço de reconhecimento coletivo. É um gesto de afeto e também de reparação, uma vez que o luto por animais de estimação é frequentemente deslegitimado pela sociedade".
A especialista explica que a consolidação desse vínculo acompanha transformações sociais, como a diminuição do tamanho das famílias, o aumento de rotinas individualizadas e a busca por afeto. "Atualmente, discute-se o conceito de família multiespécie. Os animais participam da rotina, influenciam decisões e moldam hábitos. Se esse papel é reconhecido durante a vida, é razoável criar espaços simbólicos para reconhecer também o momento da sua partida", complementa.
Um levantamento realizado pelo Instituto Pet Brasil indica que o mercado pet brasileiro atingiu R$ 67,4 bilhões em faturamento em 2023, mantendo uma taxa de crescimento anual de dois dígitos. Esse dado sublinha a centralidade dos animais de estimação na vida familiar. Outros estudos demonstram que mais de 60% dos tutores consideram seus pets como membros da família, o que se reflete diretamente na forma como o luto é vivenciado e as despedidas são conduzidas.
Em algumas cidades brasileiras, como Campinas (SP), Poços de Caldas (MG) e Apucarana (PR), já existem cemitérios que oferecem a possibilidade de sepultamento conjunto de pets e seus tutores, além de locais e crematórios exclusivos para animais. O aumento da procura por serviços funerários para pets reforça esse movimento: em regiões como o Ceará, por exemplo, a demanda por cremações chegou a triplicar nos últimos anos.
Para a psicóloga Juliana Sato, essa prática possui um alto significado simbólico. "A escolha de sepultar o pet junto à família comunica que: 'nós pertencemos ao mesmo lugar, na vida e também na memória'. Isso assegura a continuidade do vínculo e auxilia no processo de elaboração da perda", comenta.
O luto por animais de estimação é frequentemente impactado pela falta de reconhecimento social. Segundo a especialista, isso contribui para o denominado "luto não autorizado", onde o sofrimento é desqualificado por quem não compreende a profundidade do laço afetivo. "Comentários como 'era apenas um cachorro' ou 'troca por outro' invalidam a dor e forçam o luto ao silêncio. A adoção de rituais, velórios e cerimônias contribui justamente para concretizar a despedida, permitindo que o afeto se converta em memória", explica.
A psicóloga reforça que o suporte emocional adequado é indispensável nesse processo. O acompanhamento psicológico auxilia na validação do sofrimento e na ressignificação da perda de forma saudável. "Quando a dor é acolhida, o vínculo permanece na forma de lembrança e gratidão. O luto transcende a mera ausência e se torna uma continuidade afetiva", conclui.