Com prejuízos de até R$ 1,5 trilhão aos cofres públicos, crime é imposto oculto na economia brasileira

Estes são os números oficiais mais conservadores das perdas anuais causadas pelo contrabando, a evasão fiscal, os crimes ambientais e a violência

8 dez 2025 - 14h33

A economia criminosa do Brasil não aparece em nenhum balanço nacional. Os custos da violência, do contrabando, da evasão fiscal e dos crimes ambientais, no entanto, são um imposto oculto que chega a centenas de bilhões de reais por ano, um entrave ao crescimento que rivaliza com os orçamentos de muitos países.

Economistas falam de dois livros contábeis: um que registra as despesas visíveis com policiamento, tribunais, segurança privada e seguros, e outro que captura as vidas ceifadas, a produtividade perdida e a confiança corroída pela insegurança crônica. Some os lançamentos destes livros contábeis e o total começa a parecer uma macroeconomia paralela, uma que o Brasil nunca votou, mas paga da mesma forma.

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A macroeconomia do crime

As tentativas de quantificar esse fardo remontam a pelo menos uma década. Um estudo influente do BID estimou que o crime e a violência consomem cerca de 3.4% do PIB na América Latina e no Caribe, com o Brasil entre os países mais afetados.

Uma avaliação posterior do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou o custo anual da violência em 5,9% do PIB, cerca de R$ 373 bilhões em preços de 2019, contando gastos públicos, despesas privadas e perda de produção.

Pesquisas corporativas usando os mesmos dados sugerem que as empresas brasileiras gastam o equivalente a 1,7% do PIB simplesmente para se protegerem do crime, um valor que elas tratam como um custo recorrente dos negócios, e não como um choque excepcional.

Esses números ainda deixam de fora grande parte do que nunca aparece nos livros contábeis. Eles raramente capturam o custo social de um homicídio, a perda de rendimentos a longo prazo quando um adolescente abandona a escola porque seu bairro é perigoso, o investimento que nunca se concretiza porque uma empresa teme extorsão ou roubo.

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Os pesquisadores do Ipea destacam que a estimativa de 5,9% do PIB deve ser vista como um limite mínimo do custo social da violência. Sínteses mais recentes de estatísticas oficiais e pesquisas privadas sugerem que, uma vez contabilizadas todas as perdas indiretas, o crime pode estar reduzindo em cerca de 11% o PIB anual do país — mais de R$ 1 trilhão em valores atuais.

Por trás desses totais existe uma enorme economia subterrânea que alimenta e oculta a ilegalidade. O Índice de Economia Subterrânea estima que as atividades não registradas ou informais representaram 17,8% do PIB do Brasil em 2022, ou cerca de R$ 1,7 trilhão.

Nem tudo isso é criminoso. Para muitas microempresas, a informalidade é uma estratégia de sobrevivência. Mas pesquisadores e promotores afirmam que uma economia tão vasta baseada em dinheiro vivo oferece cobertura ideal para contrabando, fraude fiscal, produtos falsificados e lavagem de dinheiro, tornando a fiscalização muito mais complexa e as perdas de receita muito maiores do que sugere a lacuna fiscal oficial.

Do contrabando ao roubo de cargas

O comércio ilícito agora reflete a economia formal em escala e diversidade. Uma pesquisa recente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade descobriu que o contrabando, a falsificação e a pirataria custaram ao Brasil cerca de R$ 468 bilhões em 2024, incluindo R$ 328 bilhões em vendas perdidas para empresas legítimas e R$ 140 bilhões em impostos não pagos.

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Tabaco, vestuário, combustível, eletrônicos e produtos farmacêuticos estavam entre os setores mais afetados. Economistas alertam que esses números, baseados em perdas autorrelatadas pela indústria, são imprecisos. Mas eles ressaltam o quanto o comércio ilegal penetrou profundamente nos mercados convencionais, corroendo as bases tributárias e prejudicando os concorrentes que cumprem a lei.

O setor de logística do país oferece uma ilustração particularmente clara de como o crime atua como uma sobretaxa oculta sobre os produtos de uso diário. De acordo com dados compilados pela Associação Nacional de Transportes, o Brasil registrou 10.478 roubos de carga em 2024, com perdas estimadas em R$ 1,2 bilhão. Se somarmos os custos de roubos e fraudes relacionados ao combustível, as perdas anuais sobem para R$ 29 bilhões.

Esses roubos, concentrados ao longo dos principais corredores de frete no Sudeste, forçam as empresas a investir em rastreadores, comboios blindados e mudanças de rota, custos que se refletem nas cadeias de suprimentos e, por fim, nos preços finais.

Longe das rodovias, a economia criminosa do Brasil também se infiltra em seus rios e florestas. Um estudo marcante do Instituto Escolhas documentou que, entre 2015 e 2020, o país comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, quase metade da produção total nesse período. Grande parte desse ouro "suspeito" parece ter origem em territórios indígenas ou áreas de proteção ambiental na Amazônia. Pelos preços internacionais recentes, esse volume vale dezenas de bilhões de dólares, proporcionando um veículo pronto para a lavagem de rendimentos de outros mercados ilícitos, ao mesmo tempo em que priva o tesouro de royalties e impostos.

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A nova fronteira do crime ambiental

O registro ambiental talvez seja o mais subestimado de todos. O projeto MapBiomas Alerta validou 74.218 alertas de desmatamento no Brasil em 2020, cobrindo quase 13.900 quilômetros quadrados. Uma análise desses alertas revelou que 99,8% dos eventos, representando 98,9% da área desmatada, apresentavam sinais de ilegalidade.

Essas tendências não mudaram. Reportagens investigativas mostram que apenas uma pequena fração dessas áreas foi multada ou embargada pelo Ibama no ano seguinte, apontando para uma lacuna na fiscalização que os criminosos aprenderam a incorporar em seus modelos de negócios.

O desmatamento na Amazônia não apenas elimina árvores, mas também drena a economia. Um estudo recente da Climate Policy Initiative estima que as usinas hidrelétricas de Itaipu e Belo Monte, juntas, perdem cerca de 3.700 a 3.800 gigawatts-hora de geração potencial a cada ano porque o desmatamento enfraqueceu os "rios voadores" que transportam a umidade da floresta para o resto do Brasil. Essa energia perdida, suficiente para fornecer eletricidade a cerca de 1,5 milhão de pessoas, se traduz em mais de R$ 1 bilhão em receita perdida anualmente.

Um relatório complementar descobriu que as perdas relacionadas à seca na agricultura dependente de chuvas atingiram cerca de R$ 186 bilhões entre 2013 e 2022, pois a produção de soja, milho e cana-de-açúcar sofreu com as mudanças nos padrões de precipitação associadas à perda de florestas.

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Quando instituições internacionais tentam atribuir um preço aos serviços ecossistêmicos da Amazônia, os números são ainda mais impressionantes. Uma análise do Banco Mundial estima que manter a floresta em pé gera pelo menos US$ 317 bilhões por ano em regulação climática, abastecimento de água e outros benefícios, cerca de R$ 1,5 trilhão às taxas de câmbio recentes. Sob essa perspectiva, cada hectare desmatado ilegalmente representa não apenas um crime ambiental, mas uma transferência de riqueza pública para mãos privadas em uma escala quase inimaginável.

A ilegalidade é um imposto regressivo

Nenhum estudo isolado consegue captar a totalidade da economia criminosa do Brasil. Ainda assim, reunindo os números oficiais mais conservadores, é possível obter um balanço aproximado. Ele inclui centenas de bilhões de reais perdidos por ano devido ao crime e à violência; quase meio trilhão devido ao contrabando e à pirataria; e uma economia paralela no valor de R$ 1,7 trilhão que corrói a base tributária; bilhões a mais desviados por meio de roubo de cargas e mineração ilegal; e outros R$ 190 bilhões a R$ 200 bilhões por ano em energia e produção agrícola perdidas devido a crimes ambientais. Mesmo com estimativas cautelosas, esses domínios juntos somam talvez R$ 1,3 trilhão a R$ 1,5 trilhão anualmente, da ordem de 12% a 14% do PIB do Brasil, aproximadamente o mesmo tamanho das economias de Portugal ou da República Tcheca.

Esses custos do crime são o imposto oculto da ilegalidade. É regressivo, recaindo mais fortemente sobre os pobres, que estão mais expostos à violência, mais dependentes dos serviços públicos e menos capazes de se proteger contra a inflação ou a instabilidade. E isso reformula um debate familiar. Nessa conta, combater o crime não é apenas uma questão de segurança pública; é um imperativo macroeconômico. Cada dólar ou real perdido para a corrupção, o contrabando ou o desmatamento ilegal é um dólar ou real que não pode ser investido em escolas, hospitais ou energia limpa. A matemática é clara: no Brasil, a legalidade é mais barata do que o crime.

Combate ao crime organizado

Há, no entanto, sinais preliminares de que legisladores e autoridades econômicas estão começando a absorver esse cálculo. Em Brasília, o Ministério da Fazenda solicitou ao Congresso que acelere um pacote de projetos de lei que aprimora a definição e o tratamento dos "devedores contumazes" - empresas que incorporam a evasão fiscal sistemática em seu modelo de negócios - e que dote os promotores e autoridades fiscais de ferramentas mais fortes para romper o véu corporativo complexo e as estruturas financeiras complicadas que os protegem.

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A criação de um núcleo permanente para combater o crime organizado dentro do Ministério da Justiça, reunindo autoridades fiscais federais, Polícia Federal, promotores públicos e forças-tarefa estaduais, aponta para um reconhecimento crescente de que o alto escalão do crime organizado opera dentro da economia formal e só será alcançado se as leis fiscais, financeiras e penais forem aplicadas de forma coordenada.

Paralelamente, Brasília sinalizou sua intenção de negociar um novo marco de cooperação com os EUA centrado no compartilhamento de informações sobre lavagem de dinheiro, tráfico de armas e fraude fiscal em grande escala, incorporando a luta contra o crime organizado de forma mais explícita na agenda econômica bilateral.

Recentes megaoperações oferecem um vislumbre de como essa abordagem mais sistêmica funciona na prática. Em agosto de 2025, a Operação Carbono Oculto mobilizou a Receita Federal, a Polícia Federal e parceiros estaduais contra uma rede nacional do setor de combustíveis que usava um "banco paralelo" de fintech, importações não registradas e pelo menos 40 fundos de investimento para lavar rendimentos criminosos e disfarçar mais de R$ 52 bilhões em transações de combustíveis adulterados em cerca de 1.000 postos de gasolina entre 2020 e 2024.

Em novembro, as autoridades brasileiras deram um passo adiante, visando o que as autoridades descrevem como o maior devedor contumaz da cadeia de combustíveis do país: um grupo com dívidas fiscais superiores a R$ 26 bilhões que supostamente movimentou mais de R$ 70 bilhões em um único ano por meio de empresas de fachada, fundos fechados e veículos offshore. A operação executou 126 mandados de busca e apreensão em cinco estados e obteve ordens judiciais para congelar mais de R$ 10,2 bilhões em ativos.

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Essas são respostas iniciais e parciais a um problema que se mede em trilhões. No entanto, elas sugerem que, sob pressão dos eleitores e dos mercados, as instituições brasileiras (e os legisladores que as moldam) estão começando a tratar o crime não como um pano de fundo inevitável da vida econômica, mas como uma distorção macroeconômica que pode e deve ser enfrentada de frente.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Dr. Robert Muggah é afiliado ao Instituto Igarapé e à SecDev.

Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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