Teorias enganosas sobre o clima abrem portas para redes conspiratórias mais amplas nas redes

INVESTIGAÇÃO EM GRUPOS DO TELEGRAM MOSTRA COMO NARRATIVAS ANTICIÊNCIA E NEGACIONISTAS DO CLIMA SE ADAPTAM A DIFERENTES COMUNIDADES

7 nov 2025 - 17h45

Grupos de desinformadores em aplicativos de mensagens e redes sociais adaptam teorias de conspiração já conhecidas ao campo das mudanças climáticas. Comunidades que temem a "Nova Ordem Mundial", por exemplo, alimentam a ilusão de que as mudanças climáticas seriam fabricadas por uma suposta "elite" para enfraquecer a população. Já grupos voltados ao ocultismo defendem uma "verdade alternativa" por trás de desastres, algo que "a ciência tenta esconder". Adeptos são motivados a desconfiar das instituições científicas e a resistir a medidas sustentáveis.

Em postagens no Telegram, a principal narrativa identificada é a de que medidas sustentáveis seriam pretextos para entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) suprimirem direitos e estabelecerem regimes autoritários. Os grupos conspiracionistas distorcem e simplificam as intenções da Agenda 2030, plano de metas para um desenvolvimento global sustentável, e de eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), reforçando teorias de dominação da população.

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O pesquisador responsável pela base de dados analisada pelo Verifica, Ergon Cugler, explica que, por princípio, a teoria de conspiração precisa de um "agente oculto", que seria aquele responsável por induzir a opinião pública e manipular o desejo das pessoas. "No caso das teorias conspiratórias relacionadas ao clima, [o agente oculto] geralmente é uma suposta elite global, que criou a ideia de crise climática para empurrar para a gente algum produto, algum modo de viver, alguma estética", disse.

As publicações analisadas pelo Verifica mencionam tecnologias de manipulação do clima e chemtrails (rastros de fumaça deixados por aviões no céu) como algumas das "verdadeiras causadoras" de eventos extremos como secas, incêndios e ciclones. Ao mesmo tempo, conspiracionistas desconfiam da instalação de radares meteorológicos e estações de monitoramento da qualidade do ar, por exemplo, e orientam pessoas a não aceitar medidas de proteção vindas da Defesa Civil.

Diferentes postagens falsas utilizam prints de notícias ou gravações de eventos oficiais para se justificar. Entre os temas explorados está a catástrofe ambiental vivida no Rio Grande do Sul, em maio de 2024. Para conspiracionistas, o clima teria sido "manipulado", causando fortes chuvas. Mas isso obviamente não é verdade. Especialistas ressaltam que as mudanças climáticas que potencializaram as enchentes no Estado foram provocadas pelo aquecimento global.

Cugler observa que teorias de conspiração buscam "provas" na realidade. Com isso, é possível que quaisquer aspas citadas por jornalistas, deslizes na fala de governantes ou comportamentos considerados "estranhos" de figuras públicas se transformem em "evidências" para conspiracionistas.

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Quanto ao formato dessas mensagens, muitas são escritas em letras maiúsculas, ou introduzidas por chamadas sensacionalistas como "Isso não é uma teoria da conspiração!" ou "Não se engane!". Algumas teorias são fragmentadas em diversos "capítulos" e levam a canais conspiracionistas no YouTube ou para a venda de ebooks que prometem contar "a verdade completa". Foram encontradas hashtags como "ClimaComoArma", "ManipulaçãoClimática", "Desperte", "DigaNão" e muitas outras.

Como a desinformação climática alcança diferentes conspirações no Telegram

Comunidades conspiratórias no Telegram costumam falar de diferentes assuntos. Grupos geralmente dedicados a comentar uma conspiração específica, como relacionada a vacinas, Nova Ordem Mundial ou terraplanismo, comumente mencionam outras teorias em suas postagens.

Segundo Cugler, essa sobreposição de temas leva a um "efeito buraco negro" nas redes de conspiracionismo, pois um assunto leva a outros. "No começo, a pessoa está só suspeitando de que existe uma elite global que manda no mundo. De repente, ela cai para temas mais específicos, a ponto até de se radicalizar em grupos de ódio."

Em um artigo científico não-revisado, publicado em agosto do ano passado, Cugler demonstra como grupos conspiracionistas focados em mudanças climáticas podem servir como "portas de entrada" para outras conspirações. O pesquisador da FGV analisou 855 grupos e canais brasileiros de teorias da conspiração no Telegram, com mais de 13 milhões de publicações no total. Com base nos títulos e descrições dos grupos, ele classificou os temas de cada comunidade em 15 categorias, tais como mudanças climáticas, terraplanismo, anti-woke, reptilianos, Nova Ordem Mundial e apocalipse e sobrevivência. Por fim, Cugler analisou o fluxo de links de convite trocados entre eles.

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"Links de convite" são aqueles que transformam usuários em membros de um grupo. Não foram analisados "links de compartilhamento", que repassam postagens, por exemplo.

Cugler simulou então uma jornada do usuário no Telegram. Foram observados os links de convite que levavam a comunidades conspiracionistas focadas em mudanças climáticas. Inversamente, também foram analisados para quais temas essas comunidades direcionavam.

Os convites que mais encaminharam usuários aos grupos de mudanças climáticas vieram de comunidades de "apocalipse e sobrevivência", com 5.057 links, seguido pelos temas "antivacina" e "Nova Ordem Mundial", com 4.171 e 3.013 links, respectivamente. Na tradução de Cugler, esses números indicam que as discussões sobre mudanças climáticas atraem adeptos de narrativas apocalípticas e de teorias antivacinas. Ele identificou que as comunidades de mudanças climáticas direcionavam os usuários de maneira proporcional para outros temas. A pesquisa destacou "conspiração geral", "antivacinas" e "apocalipse e sobrevivência" como os assuntos que mais receberam adeptos, com 2.903, 1.756 e 1.299 links, respectivamente. Para o pesquisador, essa distribuição uniforme é o indicativo de que grupos conspiracionistas focados em mudanças climáticas atuam como "portas de entrada" para outras comunidades. Elas distribuem desinformação de forma equitativa para várias outras narrativas conspiratórias, fortalecendo, assim, sua posição dentro do ecossistema conspiratório.

Comunidades aprenderam a monetizar a mentira

O pesquisador da FGV Ergon Cugler afirma que um fator em comum entre diferentes criadores de comunidades conspiracionistas é o fato de que aprenderam a monetizar a mentira. "De alguma forma, as comunidades de teoria da conspiração acabam servindo como funil de venda", disse. "Na absurda maioria das comunidades, você tem produtos comercializados, circulados, divulgados a todo tempo."

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Enquanto monitorava comunidades conspiracionistas no Telegram, Ergon conta que já viu venda de ebooks, de cursos em comunidades de terra plana, camisetas, maquetes, excursões na Amazônia para encontrar Ratanabá [falsa cidade de milhões de anos que alega-se existir na região], e até a venda de bunkers em comunidades voltadas a temas de apocalipse e crise climática.

Cugler observa que os membros de grupos conspiracionistas são considerados um público muito fidelizado, disposto a consumir o que é oferecido. "Pessoas desesperadas infelizmente caem nessas comunidades. Quem cria essas redes tem um interesse econômico por trás também."

Quem acredita em conspirações climáticas?

O psiquiatra e psicanalista Carlos Pires Leal, integrante da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi) e do Grupo de Trabalho "Psicanálise, Meio Ambiente e Crise Climática" da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), afirma que o contexto atual é propício para a popularização de grupos conspiracionistas. Leal chama atenção para o grande número de pessoas isoladas, angustiadas e desprovidas de ideais, que se sentem parte de uma comunidade ao integrarem esses espaços. "Os grupos [conspiracionistas] podem criar âncoras de identificação, onde as pessoas podem se sentir acompanhadas, mesmo que em torno de uma ideia delirante, ou uma ideia falsa, que não tem base na ciência", observa o psiquiatra.

Leal explica que, na psicanálise, esse fenômeno é chamado de "familialismo". Segundo ele, são várias comunidades "que reforçam crenças da origem do mal-estar e reforçam os argumentos uns dos outros". De acordo com o psicanalista, os membros dessas comunidades se sentem mais potentes e menos sozinhos.

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No entanto, há perigos envolvidos. Leal afirma que muitas das tentativas de tranquilizar angústias têm sido feitas de maneira irresponsável. É o caso das conspirações que, segundo ele, tentam simplificar a compreensão da realidade e a origem do mal-estar das pessoas, apontando causas em "forças malignas", por exemplo.

Leal aconselha não tentar convencer pela razão e pela racionalidade quem é adepto de teorias da conspiração. "Uma parte dessas pessoas já vive situações de impactos da crise ambiental de uma maneira muito dolorosa", lembrou. De acordo com o psiquiatra, participantes de grupos negacionistas não são frequentemente ouvidos e cuidados de verdade. "Estar por perto e desenvolver esse interesse para ir ao encontro dessas pessoas é uma das maneiras de sensibilizá-los", orientou.

A ciência tem analisado os efeitos das mudanças climáticas na saúde mental e nas emoções. Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ressaltam, por exemplo, o temor das pessoas pelo fim do mundo e a ideia de que o relógio da humanidade entrou em contagem regressiva devido às catástrofes climáticas. "A angústia com as alterações climáticas, aliada à preocupação com o futuro, pode levar a medo, raiva, sentimentos de impotência, exaustão, estresse e tristeza, contemplados no conceito de ansiedade climática", afirma Luisa Massarani, pesquisadora do instituto.

Este texto faz parte de uma série de reportagens que o Estadão Verifica está publicando sobre desinformação climática que circula no Brasil. O tema ganhou relevância devido à realização da COP 30, em Belém. As postagens citadas fazem parte de uma base de dados do Telegram montada pelo pesquisador Ergon Cugler, do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DesinfoPop/FGV).

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