Chá de aranto não tem comprovação científica para prevenir câncer

ESPECIALISTAS ALERTAM QUE NÃO EXISTEM ESTUDOS CLÍNICOS QUE COMPROVEM A EFICÁCIA DA KALANCHOE DAIGREMONTIANA CONTRA TUMORES; CONSUMO DA PLANTA PODE SER PREJUDICIAL, ESPECIALMENTE PARA QUEM TEM PROBLEMAS CARDÍACOS

5 dez 2025 - 13h51

O que estão compartilhando: vídeo em que um fitoterapeuta afirma que consumir chá com três gramas diárias da planta aranto (kalanchoe daigremontiana), também conhecida como mãe-de-milhares, previne células cancerígenas.

Até o momento, nenhum estudo clínico, em animais ou seres humanos, confirmou ação da planta na prevenção de câncer.
Até o momento, nenhum estudo clínico, em animais ou seres humanos, confirmou ação da planta na prevenção de câncer.
Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso, porque não há comprovação científica de que a planta previna o câncer. Especialistas ouvidos pelo Verifica informaram que não existe estudo clínico, feito em animais ou humanos, que comprove que a planta pode ser utilizada para prevenir ou tratar tumores. O consumo indiscriminado da planta pode, inclusive, ter efeitos adversos, especialmente para quem tem problemas no coração.

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O Ministério da Saúde informou não haver preparação ou indicação para Kalanchoe no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, documento que lista plantas com uso reconhecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, não há nenhum medicamento registrado feito a partir da planta com indicação relacionada à prevenção ou tratamento de câncer.

A reportagem procurou Julio Cesar Luchmann, autor do vídeo, que visualizou a mensagem, mas não respondeu até a publicação.

Saiba mais: Segundo Leopolo Baratto, professor do Departamento de Produtos Naturais e Alimentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nenhuma planta medicinal é capaz de prevenir ou tratar câncer em forma de chá.

"É um mito popular que certas plantas têm essa propriedade", disse. "O que nós temos são fármacos (substâncias isoladas) que foram extraídos de plantas e outras fontes naturais usados na quimioterapia".

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A nutricionista oncológica Gisele Vieira, do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, explica que não existe alimento específico recomendado para prevenir o câncer, porque se trata de uma doença multifatorial.

"(O desenvolvimento de tumores) depende de diversos fatores no nosso metabolismo e de fatores externos, por isso não existe um único alimento ou uma única planta que vá tratar isso", alertou.

Além disso, cada tipo de célula tumoral se desenvolve de uma maneira. Por isso, não existe um chá que previna todos os tipos de câncer.

"A célula usa um mecanismo de crescimento. Então uma planta ou um alimento que teria algum poder de prevenir um tipo de câncer de mama, poderia não prevenir um câncer colorretal, por exemplo", disse.

Planta citada no vídeo não foi testada em humanos

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Baratto, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Farmacognosia, afirma que a Kalanchoe foi analisada em estudos in vitro - ou seja, preliminares.

"O fato de inibir o crescimento ou matar células de câncer em testes in vitro não permite extrapolar para uma ação preventiva do câncer no ser humano", destacou.

Vieira explica que, no Brasil, o aranto é tradicionalmente usado de forma popular para sintomas de várias doenças, como artrite, bronquite e dermatite. Mas não existe conclusão científica sobre a eficácia para nenhum caso, incluindo câncer.

"Os compostos da planta realmente tem ações anti-inflamatórias e antioxidantes, mas nenhum estudo provou que ela pode ser utilizada no tratamento do câncer, nem mesmo na prevenção", afirmou.

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A nutricionista acrescenta que, caso fosse comprovada a ação da Kalanchoe contra tumores, ainda seria necessário identificar que tipo de célula tumoral a planta poderia combater, qual a dose necessária e a melhor forma de se administrar. Mas isso ainda não ocorreu.

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Os dois especialistas informam que o aranto não está relacionado no volume dedicado às plantas medicinais da Farmacopeia Brasileira, que é o código farmacêutico oficial do País. Nesse documento, são estabelecidos os requisitos mínimos de qualidade para insumos farmacêuticos, medicamentos e produtos para a saúde, incluindo fitoterápicos. O documento relaciona a forma e as doses recomendadas para fitoterápicos.

A planta também não está presente na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse do Sistema Único de Saúde (Renisus), que tem a finalidade de orientar pesquisas e estudos.

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Consumo diário do chá pode apresentar riscos

O autor do vídeo alega que o bufadienolídeo, uma substância presente na planta, agiria contra as células cancerígenas. Mas Baratto alerta que essa substância pode causar efeitos adversos cardíacos, uma vez que atua sobre o coração, aumentando a força de contração.

"Isso seria perigoso para pacientes que fazem uso de medicamentos contendo digoxina, por exemplo", citou. "Poderia potencializar a ação cardíaca e causar intoxicações".

A digoxina é indicada no tratamento de algumas insuficiências cardíacas. Para Baratto, as afirmações feitas no vídeo são perigosas, porque podem levar as pessoas a ingerir a planta de forma indiscriminada.

Vieira alerta que o aranto tem componentes tóxicos já conhecidos para animais, como gatos domésticos.

"Se (gatos) consumirem, podem ter alterações, principalmente de frequência cardíaca, além de diarreia, perda de apetite e até risco de morte", listou.

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Em seres humanos, ainda não se sabe se há quantidade de consumo diária segura. Alguns componentes da planta, se ingeridos em excesso, podem apresentar sintomas de toxicidade.

"A gente evita porque não existe recomendação segura de dose, como temos para outras plantas que já são bem relatadas", afirmou Vieira.

O que a ciência diz sobre prevenção do câncer

A nutricionista oncológica Gisele Vieira informa que, para quem deseja prevenir câncer, a recomendação médica é a seguinte:

reduzir os níveis de gordura corporal; fazer atividade física; manter uma alimentação rica em alimentos de origem natural, como verduras, legumes, frutas, grãos, cereais, carnes magras, ovos e queijos magros;evitar sempre alimentos de origem processada;evitar o consumo de álcool e o tabagismo.

O Estadão Verifica já desmentiu outras alegações feitas pelo autor da postagem checada aqui. A equipe de checagem mostrou que aquecer mel no chá não torna o produto um "veneno" para consumo humano e que um ganhador do prêmio Nobel não disse que dormir em jejum faz bem à saúde.

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